Segunda Leitura

Justiça Federal precisa de um modelo gerencial para gestão de resultados

Autor

  • Cristiane Conde Chmatalik

    é juíza federal titular da 6ª Vara Federal Cível de Vitória mestre em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e membro do Comitê Nacional da Conciliação do CNJ.

6 de janeiro de 2019, 11h06

Desde, pelo menos, a primeira campanha da Semana Nacional da Conciliação, que se iniciou em 2006, a mediação e a conciliação vêm sendo adotada como política institucional da Justiça Federal. Não há dúvida que a influência de Harvard veio a definir os parâmetros conciliatórios nacionais, consagrada no Manual de Mediação Judicial[1], material básico fornecido pelo Conselho Nacional de Justiça, que está mais voltado para a mediação, método mais utilizado na Justiça estadual, mas que foi se aperfeiçoando para se adaptar aos fatos e situações que ocorrem na Justiça Federal e que consagra a negociação integrativa como a melhor técnica conciliatória para compreendermos a sistemática da conciliação inclusive em relação ao novo Código de Processo Civil, que enfatizou a realização de treinamentos e preparação para a audiência de conciliação que contará com profissionais habilitados para tanto e que serão auxiliares da Justiça.

Com a instituição da conciliação no novo Código de Processo Civil, a busca por outros métodos adequados de resolução de conflitos se tornou facilitado. Atualmente, a pessoa que pretende uma resposta rápida do Estado-Juiz para a solução de seu conflito tem a sua disposição uma fase prévia procedimental de resolução do conflito.

O Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 17 de março de 2016, fixou parâmetros claros para a obrigatoriedade das audiências de conciliação, expressamente no artigo 334, caput e parágrafo 4º, inciso I. Já o artigo 3º, em seus parágrafos 2º e 3º, previu, respectivamente, o Estado como promovedor da solução consensual dos conflitos; e a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos como categoria (excepcional ou não[2]) do princípio constitucional da inafastabilidade de jurisdição e acesso à Justiça, que são plenamente compatíveis com o referido princípio.

O objetivo da lei é claro: resolver os conflitos antes mesmo deles se agravarem. Conflitos sempre vão existir e a realidade atual do Poder Judiciário brasileiro tem demonstrado, através de pesquisas recentes realizadas pelo CNJ, que há uma ação judiciária para cada dois brasileiros, sendo esse um número altíssimo se levarmos em consideração a estrutura disponível para a solução dos conflitos.

Segundo o relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, tramitaram na Justiça Federal no ano de 2012 cerca de 11 milhões de processos[3].

O contexto ainda se agrava mais diante dessa crescente cultura da litigância e da clara deficiência do Poder Judiciário em resolver todos os conflitos que chegam anualmente as suas portas. Os métodos de resolução de conflitos interpessoais têm se mostrado de grande eficiência ao redor do mundo, como forma viável, ágil e barata de solução de conflitos.

É indispensável que exista um investimento em treinamento para que as possibilidades criadas no texto da novel lei não sejam efetivadas em virtude da cultura da heterocomposição e da busca da única solução correta a ser encontrada/produzida pelo juiz. Será preciso um novo olhar.

Na Justiça Federal, o que parecia de impossível implantação e de resistência natural das partes envolvidas e dos próprios juízes, dada a cultura de litigância, tivemos a surpresa de adequar a política da mediação e da conciliação aos casos existentes de difícil solução prática. A execução de julgados concernentes às questões do Sistema Financeiro de Habitação se acumulavam sem solução, resolvia-se o mérito, mas o mérito desfavorável aos inúmeros inadimplentes que perderiam o que há de mais importante para as pessoas depois de suas famílias, a aquisição da casa própria. Muitas pessoas tinham quitado por vários anos aquelas prestações, mas, ao final, com o saldo residual enorme, ou paravam de pagar, ou passavam àqueles imóveis através dos conhecidos como “contratos de gaveta”.

A sensibilidade, à época, de alguns colegas em perceberem que somente a negociação poderia resolver esse tipo de conflito, tendo o juiz como conciliador/mediador e facilitador do diálogo e a parte ré envolvida, Caixa Econômica Federal e Engea, como fundamentais para a resolução do conflito.

Desta forma, a mediação/conciliação foi cada vez crescendo no âmbito da Justiça Federal, tanto em relação às ações de reparação civil (danos morais e materiais), como em relação à matéria previdenciária. Os maiores litigantes do Brasil, pela pesquisa do CNJ, são justamente os ‘clientes” da Justiça Federal, a Caixa e o INSS, sendo a própria União arrolada no topo da pesquisa. Somente esse fato já chama à atenção, de modo que no âmbito da Justiça Federal o esforço para mudar a cultura da litigância era premente.

O que parecia mais difícil, por estar em jogo direitos supostamente indisponíveis, se tornou a solução real para a própria redução de litígios e a resolução de inúmeros conflitos com o Poder Público. O fato de termos poucos réus, mas com ações de massa e repetitivas, facilitou a negociação prévia, o chamado “screening process”, que envolve reuniões prévias com as partes envolvidas, no caso, União – representada pela Advocacia Geral da União, INSS – pela Procuradoria Federal, CEF – por seus superintendentes e advogados da Caixa e ECT, advogados dos Correios, e também a necessidade da organização das pautas temáticas, o que será objeto dos acordos, questões detalhadas da conciliação e mediação pretendida para que o Poder Judiciário possa avaliar o custo e os benefícios de sua realização, que envolve muito trabalho.

A Justiça Federal se destacou como vencedora de prêmios anuais do Conciliar é Legal em relação às questões de alta complexidade envolvendo, por exemplo, desapropriações ou ações de demolição, questões ambientais, temas passíveis de solução consensual e que podem estar postas no âmbito da Justiça Federal.

Nesse ano, por exemplo, foi premiado com menção honrosa o juiz Federal André Prado de Vasconcelos, do TRF-1, que tratou do Programa “Concilia BR-381 e Anel”, com a promoção do reassentamento humanizado da população hipossuficiente que integra a área ao longo desse anel rodoviário em Belo Horizonte-MG, assegurando o direito à moradia de cerca de mil e trezentas famílias integrantes das comunidades afetadas pela obra viária.

Além desse, de igual forma, a inscrição de Shamyl Cipriano, do TRF-1, que viabilizou o projeto de recuperação e revitalização do Complexo Estrada de Ferro Madeira Mamoré, com recuperação de prédios históricos, instalação de museu e parque público, bem como de recuperação do talude do Rio Madeira, evitando a erosão do terreno, com custo aproximado de 30 milhões de reais, pelo impacto social que representou para toda a população do Estado de Rondônia.

A mediação, nesses casos, trata-se de solução mais eficiente a longo prazo, pois a conciliação poderia trazer uma solução mais imediata e simples para a questão, mas sem atingir o real interesse das partes envolvidas.

A Justiça Federal também vem buscando se adequar às novas formas e técnicas de mediação, já que tivemos por algumas edições inscrições de trabalhos realizados, por exemplo, com a técnica da Constelação, como o da Juíza Federal Michele Polippo intitulado “O Direito Sistêmico como prática restaurativa a realização de Oficinas de Constelação Sistêmica no âmbito da execução penal da 7ª Vara Federal de Florianópolis/SC”.

De acordo com as diretrizes traçadas pela Resolução n. 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça, temos avançado muito na interlocução com os diversos órgãos federais e empresas públicas federais que atuam na competência da Justiça Federal, estimulando sua participação nas atividades de conciliação.

Vários cursos já foram realizados para a capacitação de conciliadores e mediadores no Rio de Janeiro como no Espírito Santo, certificando-os de acordo com o material didático fornecido pelo CNJ e na forma da Resolução do CNJ n.125/2010 e do novo CPC.

Cumpre destacar que, ao nosso sentir, no âmbito da Justiça federal não há matéria que não possa ser objeto de conciliação/mediação, já tendo sido realizados mutirões de conciliação nos Juízos, Juizados ou Varas com competência na área cível, criminal, fazendária, previdenciária e no âmbito do Tribunal.

Outra inovação positiva é que as mediações podem ser feitas via internet ou qualquer outro meio de comunicação à distância, desde que as partes estejam de acordo. Nas questões de sequestro internacional de crianças já se tornou uma alternativa de composição do conflito.

A Justiça Federal tem necessidade de cursos voltados exclusivamente para a Justiça federal, que tem suas especificidades. A proposta, portanto, seria a aprovação de um modelo de curso de Formação Básica envolvendo exclusivamente a Justiça Federal.

É fundamental realizarmos um modelo gerencial para a obtenção de melhores resultados, com aperfeiçoamento constante. A gestão de qualidade das conciliações judiciais tem como objetivo melhorar a prestação do serviço de conciliação judicial com competência (técnica, ambiental, social e ética) e padronização das atividades desenvolvidas voltadas para a Justiça Federal.


[1] Azevedo, André Gomma (org.). 2009. Manual de Mediação Judicial (Brasília/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD)

[2] Há um conflito aparente entre os métodos consensuais de resolução de conflitos e o Princípio da Inafastabilidade de jurisdição. Doutrinadores de escol como Ada P. Grinover, Cândido Dinamarco (Teoria Geral do Processo, 2007, Ed. Malheiros, p. 145) delimitam a jurisdição como uma das funções do Estado. Autores mais modernos, como Fredie Didier Jr (Curso de Direito Processual Civil, 2009, Ed. Juspodivm, p. 77-78), destacam a autotutela, autocomposição, mediação e o julgamento de conflito por tribunais administrativos como equivalentes jurisdicionais.

[3] Cf. Relatório Justiça em Números 2012, disponível em http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z.

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito da Cidade pela UERJ, membro do Comitê Nacional da Conciliação do CNJ, juíza em Auxílio ao Coordenador do Núcleo Permanente de Solução de Conflitos e Cidadania do TRF da 2ª Região no biênio de 2013-15 e juíza federal titular da 6º Vara Federal Cível de Vitória

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