Função política

Witzel viola Constituição ao criar Conselho de Segurança Pública com juízes e MP

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4 de janeiro de 2019, 10h38

Em seu primeiro dia como governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) cumpriu sua promessa de campanha e extinguiu a Secretaria de Segurança Pública. Para substituí-la, criou o Conselho de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (Consperj), composto, entre outros, de magistrados e integrantes do Ministério Público.

Tânia Rego / Agência Brasil
Ex-juiz, Wilson Witzel quer magistrados e membros do MP no Consperj.
Tânia Rego / Agência Brasil

No entanto, a única função adicional que os profissionais dessas carreiras podem exercer é a de magistério. Como o posto no conselho tem natureza política, é inconstitucional e ilegal indicar juízes e membros do MP para esses cargos, apontam especialistas ouvidos pela ConJur.

Ignorando os apelos do interventor federal no Rio, general Braga Netto, Witzel acabou com a Secretaria de Segurança Pública e elevou a status de secretaria a Polícia Civil e a Polícia Militar. Porém, o ex-juiz federal criou o Consperj para integrar o trabalho das corporações.

De acordo com o Decreto 46.546/2019, publicado na edição de terça-feira (1º/1) do Diário Oficial fluminense, o conselho é um órgão de natureza propositiva, consultiva e deliberativa, vinculado ao governo do estado. Cabe ao Consperj formular e propor diretrizes para as políticas voltadas à promoção da segurança, prevenção, política criminal do estado e controle da violência.

Além disso, o órgão tem poderes para acompanhar a aplicação de recursos na área de segurança pública; orientar e promover o trabalho conjunto das forças federais, estaduais e municipais; acompanhar denúncias de abusos dos agentes e sugerir alterações na legislação, entre outras funções.

O conselho será composto de um presidente e mais 13 membros. Sete serão representantes permanentes: os secretários da Polícia Militar; da Polícia Civil; da Defesa Civil; da Administração Penitenciária; do Desenvolvimento Social e Direitos Humanos; o secretário executivo do Conselho de Segurança Pública e o controlador-geral do Estado.

Também haverá seis representantes convidados, sendo um desembargador; um juiz de primeira instância; um procurador de Justiça; um promotor de Justiça; um defensor público; e um delegado de Polícia Federal. Estes serão indicados pelo governador. O desembargador Antônio Jayme Boente, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foi apontado presidente do conselho.

Impedimento legal
Contudo, a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979) proíbem juízes de exercer qualquer outra função, salvo a de magistério. De forma semelhante, a CF e a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/1993) estabelecem que membros do MP estão proibidos de exercer outras funções públicas que não a de professor. Os profissionais de ambas as carreiras estão liberados para assumir postos em entidades de classe e na administração dos órgãos a que pertencem.

O governo do Rio de Janeiro afirmou à ConJur que juízes e membros do MP não têm impedimento legal para fazer parte do Consperj.

"Os magistrados e integrantes do Ministério Público que foram convidados para integrar o Conselho de Segurança vão atuar exclusivamente em caráter consultivo, sem desempenhar funções do Executivo, ou seja, sem remuneração e nomeação", disse a gestão Witzel.

Mas especialistas ouvidos pela ConJur apontam que magistrados e integrantes do MP não podem integrar o Consperj. O jurista Lenio Streck é taxativo: “Claro que juiz ou promotor não pode fazer parte de órgãos, entidades ou conselhos do Poder Executivo. Inconstitucionalidade chapada, como se diz no jargão do juridiquês”.

Nessa mesma linha, o ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp ressalta que qualquer função no Executivo é de natureza política. Portanto, não pode ser exercida por juiz ou membro do MP.

“Juiz e integrante do MP exercendo função pública, de governo, consequentemente, do Executivo, é algo incompatível com as regras da Loman e da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. É função de governo, não de Estado.”

Por sua vez, o advogado Daniel Sarmento, ex-procurador da República, avalia que a indicação de integrante do Judiciário para participar de órgão do Executivo viola o princípio da separação de Poderes.

“Membro do Judiciário não pode exercer função no Executivo. O Judiciário não pode se envolver na formulação e implementação de políticas públicas, pois com isso perde a imparcialidade para apreciá-las. No campo da segurança pública, que afeta as ações penais, isso é especialmente grave e constitucionalmente inaceitável”, opina.

Um ex-conselheiro destaca que o Conselho Nacional de Justiça deveria avaliar a participação de magistrados no Consperj — o mesmo poderia ser feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público com relação aos promotores e procuradores de Justiça. Em sua visão, juízes não podem definir programas do Executivo.

O CNJ já enfrentou casos parecidos, lembra o ex-membro do órgão. A Resolução 10/2005 do conselho proíbe que membros do Judiciário integrem tribunais de Justiça Desportiva e suas comissões disciplinares.

Em novembro, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, expediu recomendação à categoria declarando ser incompatível o exercício da magistratura com qualquer atuação em entidades desportivas. Com isso, ele barrou a nomeação do desembargador do TJ-RJ Marcelo Buhatem para a função de representante brasileiro no Comitê de Ética da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol).

Nos dois casos, o entendimento foi que o magistrado está proibido de exercer outro cargo ou função, salvo de magistério.

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