Opinião

Adoção das hardship clauses gera efeito positivo e reduz risco empresarial

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1 de janeiro de 2019, 8h18

O momento atual gera grandes expectativas nos agentes econômicos. A cabeça dos empreendedores fica a mil por hora, em tempos de mudança. Mas, ao mesmo tempo, há um grande frio na barriga. Principalmente no momento de fechar um contrato de trato continuado. Será que o equilíbrio econômico-financeiro será mantido? Diante dessa dúvida, mais do que natural, os preços tendem a contemplar um extra para eventuais ajustes. Afinal de contas, a microeconomia nos ensina que pessoas racionais pensam na margem, buscando alternativas que permitam ajustes futuros em virtude das intempéries da vida.

Há duas soluções para o dilema. A primeira, um incremento no preço –– a boa e velha “gordura”. A segunda, mais sofisticada, consiste em incluir uma hardship clause nos contratos. Mas, que raios é isso? Trata-se de uma cláusula de equilíbrio constante, onde as partes estipulam os riscos que levarão a uma revisão no preço, para mais ou para menos. Os céticos dirão: mas, para isso, já temos a Seção IV do Código Civil. É verdade, mas a lei não prevê todas as possibilidades, nem, tampouco, produz incentivos econômicos. Vejamos os exatos temos legais:

“Seção IV
Da Resolução por Onerosidade Excessiva
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”

Basta ler para ver. O artigo 478 impõe condições estritas e apresenta uma solução draconiana: “a resolução do contrato”. Os dispositivos subsequentes amenizam, mas não perdem a essência. A lei, portanto, não apresenta uma solução econômica para a continuidade. Sendo assim, ela não leva os agentes econômicos a negociar uma redução no preço em troca da diminuição do risco, ao revés ela acaba estimulando o conflito como solução. É aí, justamente, que entra a hardship clause.

Com essa cláusula, é possível que as partes enumerem –– livremente –– os riscos que estão dispostas a assumir, aumentando a margem de negociação em caso de qualquer imprevisto contratualmente especificado. Por outro lado, isso provoca um incentivo econômico para a redução na “gordura” do preço, uma vez que há uma saída para problemas futuros, permitindo a continuidade do negócio.

Trata-se, portanto, de mecanismo que estimula a colaboração entre as partes, reduzindo a assimetria de informações o que otimiza, como dito, a fixação mais eficiente do preço. A adoção das hardship clauses pode, inclusive, gerar um efeito positivo na economia como um todo, uma vez que reduz o risco empresarial.

Para quem está, contudo, preocupado com a aplicabilidade desta cláusula no Direito Pátrio, vale trazer a lição de Orlando Gomes:

“A objeção só poderia partir de quem desconheça as novas técnicas de redação dos contratos que, tendo certa duração, podem dar lugar a um desequilíbrio entre a prestação e a contraprestação, que ameace sua existência, como, por exemplo, o de concessão de venda. Adotado primeiramente em contratos internacionais, o novo modelo passou ao campo do direito comercial, onde vai tendo aplicação em setores econômicos cada vez mais simples. Nesse modelo a novidade reside na adoção da hardship clause. Na definição de Frigani (transcrita na obra de Maiorca), a hardship clause é uma cláusula que permite a revisão do contrato se sobrevierem circunstâncias que alteram substancialmente o equilíbrio primitivo das obrigações das partes. Não se trata de aplicação especial da teoria da imprevisão à qual querem alguns reconduzir a referida cláusula, no vezo condenável de “transferir mecanicamente os institutos do armário civilístico clássico aos novos contratos comerciais.” Trata-se de nova técnica para encontrar uma adequada reação à superveniência de que alterem a economia do contrato, para manter, como esclarece o citado Maiorca, sob o controle das partes, uma série de controvérsias potenciais e para assegurar a continuação da relação em circunstâncias que, segundo os esquemas jurídicos tradicionais, poderiam levar à resolução do contrato. Ressalta o escritor mencionado que a característica e a novidade mais relevante da hardship clause reside nas consequências jurídicas decorrentes da sua dupla finalidade, a negativa, para evitar a dissolução do contrato, e a positiva, para a renegociação das cláusulas nas quais se apresenta a ruptura do seu equilíbrio econômico. E assim, arremata, o contrato intangível cede o seu posto ao contrato evolutivo.”[1]

O trecho acima é de uma obra publicada em 1984. Ou seja, nada de tão novo ou exótico para universo jurídico brasileiro, afastando, portanto, receios quanto a sua aplicação. Em todo caso, a Análise Econômica do Direito dá todo o suporte necessário para a utilização da hardship clause. É economicamente racional que as partes possam negociar os riscos que querem assumir, de modo a tornar a precificação mais eficiente.

Diante do cenário atual, desta feita, vale refletir sobre a utilização da referida cláusula. Por certo, isso irá provocar um maior incentivo e eficiência nas relações de Direito Privado. A definição dos riscos que as partes assumem, no que se refere aos efeitos externos que causam alteração nos preços, é a chave para um mercado mais pujante. Aliás, é exatamente isso que juízes e árbitros devem ter em mente ao avaliar um contrato com esta cláusula, considerando os seus pormenores, que, ao cabo, revelam a vontade das partes.


[1] Cf., “A ‘hardship clause’ no contrato de empreitada”, in, “Novíssimas questões de Direito Civil”, São Paulo, Ed. Saraiva, 1984, pp.187/188.

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