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Tributação das cooperativas nos contratos de integração vertical

Autor

  • Heleno Taveira Torres

    é professor titular de Direito Financeiro e chefe do Departamento de Direito Econômico Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e advogado.

27 de fevereiro de 2019, 10h00

Spacca
O artigo 1º, parágrafo único, da Lei 13.288/2016, ao dispor sobre contratos de integração vertical, regula as obrigações e responsabilidades nas relações contratuais entre produtores integrados e integradores, no âmbito de cadeias de produção agroindustriais, de modo a garantir tratamento jurídico especial ao modelo produtivo. Neste sentido, nada impede que a atividade seja desempenhada no âmbito das cooperativas, o que se vê garantido até mesmo pelo parágrafo único do artigo 1º da Lei 13.288/2016.

Eis a redação do artigo 1º, parágrafo único, da Lei 13.288/2016, in verbis:

“Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre os contratos de integração vertical nas atividades agrossilvipastoris, estabelece obrigações e responsabilidades gerais para os produtores integrados e os integradores, institui mecanismos de transparência na relação contratual, cria fóruns nacionais de integração e as Comissões para Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração – CADEC, ou similar, respeitando as estruturas já existentes. Parágrafo único. A integração vertical entre cooperativas e seus associados ou entre cooperativas constitui ato cooperativo, regulado por legislação específica aplicável às sociedades cooperativas.

Parágrafo único. A integração vertical entre cooperativas e seus associados ou entre cooperativas constitui ato cooperativo, regulado por legislação específica aplicável às sociedades cooperativas”.

Como observa Paulo Alves de Sousa de Vasconcelos, ao tratar sobre o cooperativismo, haverá cooperação vertical sempre que “cada um dos membros do agrupamento exercer a sua atividade distinta da dos demais, mas complementar”, a partir de suas especialidades, “concertando com os demais as suas atividades”[1]. Portanto, as cooperativas, quando atuam com atividades integradas e complementares, atendem ao disposto na Lei 13.288/2016.

Por certo, essa relação de coordenação entre cooperativa e cooperados não deve servir para onerar esta entidade de concertação em custos maiores ou equivalentes ao que sofreria, não fosse a forma de integração cooperativa (Lei 13.288/2016, artigo 1º, parágrafo 1º) adotada.

A integração vertical consiste apenas na conduta de um participante da relação jurídica, chamado de integrador, fornecer insumos e depois concentrar a industrialização ou a comercialização da produção rural dos demais participantes, os integrados. Não se pode admitir qualquer forma de discriminação das cooperativas nesse propósito. Se uma cooperativa exerce a atividade de industrializar a produção rural dos cooperados, como uma integradora, ainda que não se dê o nome de contrato de integração vertical, o efeito há de ser o mesmo.

Ademais, o parágrafo único do artigo 1º da Lei 13.288/2016 é expresso em estabelecer que a integração vertical entre cooperativas e seus associados constitui ato cooperativo. Não se tem aqui “letra morta”. A clareza do texto é solar para determinar o dever de compreender no ato cooperativo o tipo do contrato de integração vertical, caso assim queiram os cooperados.

A lei não afirma que cooperativa e cooperativados não podem estabelecer, entre si, a relação jurídica de integração vertical. Esse dispositivo legal adota a premissa de que tal relação se encontra “permitida”, com obediência ao regime próprio de ato cooperativo.

Deveras, em uma relação de integração vertical entre empresa integradora e produtor integrado, não vinculados por relação de cooperativa, este estará submetido à contribuição social do artigo 25 da Lei 8.212/1991 apenas em relação à parcela da produção que ficar reservada à sua propriedade, sem que esse tributo incida sobra a parcela da produção que pertencerá à empresa integradora.

Nos termos do artigo 25, da Lei 8.212/1991, a base de cálculo abrange a receita bruta proveniente da comercialização da produção do empregador rural pessoa física. No mesmo sentido, a Instrução Normativa RFB 971/2009 estabelece que o “fato gerador das contribuições sociais ocorre na comercialização: I – da produção rural do produtor rural pessoa física e do segurado especial (…)” (artigo 166). Consequentemente, confirma-se que a hipótese de incidência não reside na mera entrega da produção à cooperativa.

A Lei 8.212/1991 previu, em seu artigo 25, a contribuição do produtor rural segurado especial de 3% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção. Segurado especial, em termos simples, seria a pessoa física produtora rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros. Essa determinação legal encontrava autorização no parágrafo 8º do artigo 195 da Constituição Federal.

A Lei 8.540/1992 alterou a redação do artigo 25 da Lei 8.212/1991 e incluiu, como contribuinte da mesma contribuição, a pessoa física que explorasse atividade agropecuária em caráter permanente ou temporário, inclusive com auxílio de empregados. Ou seja, esse contribuinte também passou a ser obrigado ao recolhimento de contribuição com base na receita bruta proveniente da comercialização da sua produção.

No entanto, existe ainda o debate jurídico sobre a persistência da obrigação de recolhimento pela empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa, na qualidade de sub-rogada e nos termos do inciso IV do artigo 30 da Lei 8.212/1991. Isso porque, ao julgar o Recurso Extraordinário 363.852, a respeito da contribuição do artigo 25 da Lei 8.212/1991, ainda antes da EC 20/1998 e da Lei 10.256/2001, o STF deu provimento ao RE, “declarando a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos (…) 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97”. Como decorrência, o Senado Federal, em sua Resolução 15/2017, suspendeu “(…) a execução do art. 1º da Lei nº 8.540, de 22 de dezembro de 1992, que deu nova redação ao (…) art. 30, inciso IV, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, todos com a redação atualizada até a Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, declarados inconstitucionais por decisão definitiva proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 363.852”.

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, somente após o advento da Lei 10.256/2001 passou a ser devida pelo empregador rural pessoa física a contribuição social de 2% “da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção” (adicionada da contribuição de 0,1% para financiamento das prestações por acidentes do trabalho).

A recente Lei 13.606/2018 impôs nova modificação redacional ao artigo 25, para reduzir a alíquota da contribuição social para 1,2% da receita bruta proveniente da comercialização da produção. Essa previsão normativa começou a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2018[2].

O parágrafo 3º do artigo 25 da Lei 8.212/1991 traz regra a respeito da base de cálculo, ao prever que integram a produção “(…) os produtos de origem animal ou vegetal, em estado natural ou submetidos a processos de beneficiamento ou industrialização rudimentar[3], assim compreendidos, entre outros, os processos de lavagem, limpeza, descaroçamento, pilagem, descascamento, lenhamento, pasteurização, resfriamento, secagem, fermentação, embalagem, cristalização, fundição, carvoejamento, cozimento, destilação, moagem, torrefação, bem como os subprodutos e os resíduos obtidos através desses processos”. Este grupo de atividades define, portanto, a incidência e respectiva sujeição passiva.

Numa síntese, a contribuição social exigida da pessoa física, produtor rural empregador, nos termos do artigo 25 da Lei 8.212/1991 (ainda chamada atecnicamente de Funrural), deve incidir sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção de sua própria e exclusiva titularidade. Logo, apenas quando há produção, comercialização e receita bruta por aquele sujeito, surge a exigência fiscal. Não é o caso da integração vertical, como demonstrado.

Para qualquer desconsideração do contrato de integração vertical, deve a administração fazendária comprovar, caso a caso, a existência de vícios, previstos no ordenamento jurídico, a exemplo da simulação ou da fraude. Apenas, diante de violação expressa a comandos jurídicos prescritivos, poderá suplantar a garantia de liberdade à escolha da melhor “forma” (dentre os itens permitidos ou exigidos pelo artigo 4º da Lei 13.228/2016); do melhor “tipo” negocial, o que envolve o contrato de “integração vertical”, conforme o artigo 1º da Lei 13.228/2016; e da melhor causa jurídica, segundo as preferências autorizadas.

O regime dos contratos de integração vertical, como parte do ato cooperativo entre cooperativas e seus associados ou entre cooperativas, reclama o reconhecimento de contrato típico e plurilateral, e não bilateral, em razão do interesse comum que as partes, institucionalmente reunidas, postulam alcançar.

Satisfeitos esses requisitos que marcam a pluralidade dos contratos cooperativos de integração vertical no segmento agrossilvipastoril, para além das condições gerais de contratação do artigo 4º da Lei 13.288/2016, nenhum outro elemento poderá ser exigido pelas autoridades fiscais dos atos cooperativos dos negócios jurídicos celebrados entre a cooperativa e os seus cooperados, até por um dever de adequado tratamento tributário (artigo 146, III, “c” da CF) que, no mínimo, não agrave ou onere as cooperativas sobre as demais empresas do setor.

A relação entre cooperativa e cooperado, como dito, lastreia-se na liberdade de autodeterminação e conjuga-se com outros tipos autorizados pelas leis, como aquele do contrato de integração vertical, do artigo 1º, parágrafo único, da Lei 13.288/2016. Tudo para a realização de importantes imperativos constitucionais, a exemplo da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho.

Apenas existirá ato cooperativo na parcela dos produtos que cabem à própria cooperativa, e não na parcela que cabe à pessoa física de seus cooperados-integrados. Assim, a hipótese de incidência do artigo 25, I, da Lei 8.212/1991, de fato, não se aperfeiçoa nesta hipótese, pela falta de conformidade ao “adequado tratamento tributário” ao ato cooperativo, como exigido pelo Constituinte de 1988.


[1] VASCONCELOS, Paulo Alves de Sousa de. O Contrato de Consórcio – no âmbito dos contratos de cooperação entre empresas. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 172. Ver ainda: PAIVA, Nunziata Stefania Valenza. Contratos agroindustriais de integração econômica vertical. Curitiba: Juruá, 2010. p. 43-45. TROMBETA, Oscar Antonio e LOPES, Paoline Schmatz Schultz. Cooperativas Agropecuárias. In GONÇALVES NETO, Alfredo e Assis (coord.). Sociedades Cooperativas. São Paulo: Lex, 2018, p. 507 a 521. LOUBET, Leonardo Furtado. Tributação Federal no Agronegócio. São Paulo: Noeses, 2017, p. 521 a 546.
[2] Outra regra inaugurada pela Lei 13.606/2018 foi a previsão de o produtor rural pessoa física poder optar por contribuir com base na folha de salários. É o que consta do novo parágrafo 13 do artigo 25 da Lei 8.212/1991: “§ 13. O produtor rural pessoa física poderá optar por contribuir na forma prevista no caput deste artigo ou na forma dos incisos I e II do caput do art. 22 desta Lei, manifestando sua opção mediante o pagamento da contribuição incidente sobre a folha de salários relativa a janeiro de cada ano, ou à primeira competência subsequente ao início da atividade rural, e será irretratável para todo o ano-calendário”. No entanto, essa permissão só será viável a partir de 1º de janeiro de 2019.
[3] O parágrafo 11 do artigo 25 acrescenta ainda: “§ 11. Considera-se processo de beneficiamento ou industrialização artesanal aquele realizado diretamente pelo próprio produtor rural pessoa física, desde que não esteja sujeito à incidência do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI”.

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