Opinião

A obediência legal como ferramenta de proteção — uma lição de compliance

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26 de fevereiro de 2019, 7h04

A sociedade brasileira ainda não se familiarizou com a expressão “compliance”, que vem do inglês comply e indica a necessidade de empresas, entes públicos e mesmo organizações sem fins lucrativos desenvolverem suas atividades em conformidade com as leis e regramentos.

No meio jurídico e empresarial, a expressão ecoa há alguns poucos anos, mas com um destaque maior nas áreas de meio ambiente, contábil e nas relações de empresas com o poder público, estas últimas visando claramente servir como ferramentas de combate à corrupção.

Nada obstante, mesmo nesses três segmentos, o Brasil ainda leva uma nota muito abaixo do desejado, segundo aponta pesquisa feita pela Transparência Internacional no ano de 2017, que avaliou apenas o ambiente das grandes empresas, onde o tema já está mais difundido: em levantamento que pontua os itens pesquisados com notas de 0 a 100, o compliance recebeu 56,2, a auditoria e certificação recebeu 50, e, na avaliação de freios e contrapesos, a nota foi de impressionantes 33,3. (in “Integridade e Empresas no Brasil”).

É verdade que leis foram editadas com o objetivo de estimular a conformidade, estabelecendo punições mais rigorosas, e algumas das grandes empresas brasileiras adotaram códigos de conduta que, no papel, trazem o compromisso de observar e obedecer as normas, inclusive fazendo referência a toda sua cadeia produtiva, que envolve empregados, terceirizados, quarteirizados, fornecedores, consumidores e, em muitos casos, gestores públicos com os quais se relacionam.

O grande problema, no entanto, é a pouca efetividade na implementação desses códigos de conduta e a fiscalização de sua aplicação por parte de todos os envolvidos.

No Brasil, as boas leis — e nós temos boas leis — continuam a esbarrar na sua não implementação por quem tem o poder de decisão, seja nas empresas, seja nos entes públicos.

Infelizmente, duas tragédias recentes que marcaram o Brasil mostraram a importância de estar em conformidade com a lei, que o respeito aos regramentos é a única forma de agir eticamente, mas, sobretudo, de como ações mínimas de obediência e compromisso com a integridade corporativa podem repercutir na vida de cada cidadão.

Em graus de repercussão distintos, mas não menos graves, as tragédias de Brumadinho e do Ninho do Urubu (CT do Flamengo) indicam de forma flagrante a falta de preocupação com a conformidade legal. No primeiro caso, onde o rompimento da barragem resultou em mais de 300 mortos/desaparecidos, as investigações iniciais noticiam uma sucessão de atos em desconformidade com as leis por parte da própria empresa, de terceirizados responsáveis pela análise das condições da barragem e dos gestores públicos que deveriam fiscalizar o seu funcionamento.

Já no incêndio que vitimou dez jovens atletas, é dada como certa a inexistência de autorização de funcionamento da área atingida pelo fogo, que nem sequer estava prevista nos projetos apresentados à Prefeitura do Rio de Janeiro. São casos clássicos de desobediência legal, que desbordaram em terríveis consequências.

Correm, agora, para tentar minimizar o impacto dessas tragédias, mas não há dúvida quanto ao fato de que poderiam ser evitadas através do respeito às normas de regulamentação do seu funcionamento e manutenção. Isso se faz necessário em toda a cadeia de relacionamento, desde o projetista inicial, passando pelo diretor/presidente e pelos órgãos de fiscalização, interno e externo, como ferramenta de proteção das pessoas que estão à margem dessas organizações.

O agir em conformidade com as leis não pode ter apenas o objetivo de atender a um código de conduta interno, ou mesmo o de obter a diminuição da sanção em eventuais casos de responsabilização da empresa! É preciso observar as leis com o compromisso maior de atender e proteger a todos nós, cidadãos brasileiros. Infelizmente, somos nós que estamos na linha de frente, sempre à espera da próxima tragédia evitável.

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