Opinião

MP de Contas não pode se isentar de falhas no sistema de controle externo

Autor

  • Thiers Montebello

    é presidente da Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom) e do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro.

25 de fevereiro de 2019, 6h14

Ao ler no site Consultor Jurídico o artigo da procuradora do Tribunal de Contas do Distrito Federal Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, com a inusitada proposta de reformar os tribunais de contas sob a justificativa de que é condição essencial para combater a corrupção, não pude me calar diante das insensatas e descabidas críticas apontadas no texto sobre o exercício do controle externo que, em sua visão, “tragicamente (…) não funciona adequadamente”.

Antes de entrar no mérito das críticas apontadas no referido artigo, há que se destacar que o Ministério Público de Contas — do qual a autora é membro — integra a estrutura dos tribunais de contas, não gozando, portanto, de autonomia e independência administrativa. No entanto, é assegurada aos procuradores a devida independência de manifestação na emissão de seus pareceres. Porém, estão submetidos à mesma disciplina e código de ética que regem os servidores públicos, cujo cumprimento, diga-se de passagem, cabe-lhes velar. É também verdade que desfrutam de prerrogativas, tais como gozo de férias em dobro e recebimento de subsídios, estas não mencionadas pela procuradora.

É inaceitável, portanto, que os membros do Ministério Público de Contas pretendam isentar-se de responsabilidades sobre possíveis e eventuais falhas no sistema de controle externo, uma vez que são parte da mesma engrenagem. O que deles se espera é aumento da produtividade, até agora em níveis insatisfatórios, e o cumprimento de sua função de custos legis e de defensores da sociedade. Por que não se insurgem contra o que vislumbram como irregularidade? Certamente porque é trabalhoso recorrer de decisões, ainda que lhes pareçam anormais e irregulares. Ao se omitirem, tornam-se coniventes com as alegadas falhas no sistema de controle externo. Que apresentem, pois, projetos colaborativos, com o condão de aperfeiçoar o sistema, e não apenas críticas e propostas de cunho corporativo para desfazer o que o legislador constituinte sabiamente construiu.

Se há frustrações pessoais com o cargo que ocupam e com as funções que desempenham no âmbito dos tribunais de contas, que sejam solucionadas por meio da prestação de novo concurso público para os cargos de promotor ou procurador, junto ao órgão a que compete a persecução da Justiça, qual seja, o Ministério Público.

Entendo que a simbologia da designação do cargo — procurador do Ministério Público de Contas — parece confundir-lhes e, erroneamente, conferir-lhes status e funções assemelhados aos dos promotores e procuradores de Justiça integrantes do parquet, este sim instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado. Ademais, o Ministério Público é órgão autônomo e independente, ao contrário do Ministério Público de Contas, que, ressalto, integra a estrutura dos tribunais de contas.

Feito esse importante e longo esclarecimento, volto ao tema introduzido pela procuradora, a respeito de “reformar” os tribunais de contas, sob a inconvincente alegação de combater a corrupção, quando, o que se apresenta no texto da PEC 329/2013, apoiada pela AMPCON, se restringe essencialmente a retirar do corpo deliberativo dos tribunais de contas estaduais e municipais a representação do Poder Legislativo, titular do controle externo.

Ao propor a substituição do artigo 75 do texto constitucional, que estende, pelo princípio da simetria, as normas estabelecidas para o TCU aos tribunais de contas dos estados e do Distrito Dederal, bem como aos tribunais dos municípios, a PEC 329/2013 pretende expurgar dos tribunais de contas estaduais e municipais a representação do parlamento, legitimada pelo voto popular, alicerce do regime democrático. Altera, assim, os critérios de preenchimento das vagas de conselheiros, suprimindo tout court a presença e a participação, repito, do órgão titular do controle externo, o Poder Legislativo.

Salta aos olhos a má-fé da proposta ao afastar de seu alvo o Tribunal de Contas da União, mirando apenas os tribunais de contas estaduais e municipais. Esse ardil foi criado por seus autores e interessados para driblar as insuperáveis dificuldades de os membros do Congresso Nacional aprovarem um texto que lhes subtraísse a garantia constitucional de integrarem o quadro de ministros do TCU.

De acordo com a referida PEC, o corpo deliberativo dos TCs e TCMs seria composto na integralidade de membros concursados, sendo um do MP de Contas, um dentre os auditores de controle externo, quatro dentre os auditores substitutos de conselheiros vitalícios e um proveniente dos conselhos profissionais das ciências contábeis, jurídicas e administrativas.

A procuradora sinaliza seu apoio a tal estapafúrdia proposta de emenda constitucional ao sustentar que “as novas medidas” a serem implementadas para assegurar o combate à corrupção devem alterar o critério de escolha de juízes de contas, que passaria a ser pautado, exclusivamente, por concurso público. Eis aí o verdadeiro objetivo da PEC 329/2013, apoiada pela AMPCON.

Esse seria o modelo ideal de composição dos tribunais de contas, que garantiria, de acordo com a procuradora, a higidez do sistema, infenso à corrupção. Depreende-se, portanto, dessa visão elitista e corporativista do Ministério Público de Contas, que o concurso público é um crivo não só para medir conhecimentos, mas, também, para aferir a moralidade e a potencial capacidade corruptora, ativa ou passiva, do concursado.

Ora, trata-se de um sofisma engendrado para escamotear a verdadeira intenção da proposta, que é afastar os representantes do povo do sistema de controle externo das contas públicas, reservando-o apenas a uma seleta elite dotada de conhecimentos técnicos, porém sem nenhuma visão política do que seja o complexo ato de governar.

Com meus 72 anos de vida e 25 anos de Tribunal de Contas, espero jamais assistir a tamanho retrocesso, com a ameaça do aparelhamento do Estado por obstinados defensores do corporativismo elitista, que pretendem, dissimuladamente, afastar a participação popular das instâncias públicas de poder e aniquilar, assim, a democracia.

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