Omissão ou falta de estrutura

MPF ajuíza ação para obrigar DPU a atender em cidade sem sede

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25 de fevereiro de 2019, 17h42

O Ministério Público Federal em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, ajuizou ação civil pública para obrigar a União a indicar defensor público federal ou advogado contratado para garantir a pessoa com deficiência visual severa acesso à justiça e à assistência judiciária integral e gratuita. O pedido foi feito depois que Defensoria Pública da União alegou não poder prestar o atendimento por não ter unidade no município.

O MPF alega que a DPU mantém esquema de teletrabalho, e que não haveria justificativa para não atender um cidadão no interior do Rio Grande do Sul. A DPU, por sua vez, explica que os servidores atuando nesta modalidade estão lotados em unidades com sede física e estrutura de trabalho, com servidores e material.

"Destaca-se que a atuação do MPF no caso busca suprir a omissão na prestação de serviços públicos de atendimento jurídico da Defensoria Pública da União, assim como o MPF atua para cobrar atuação de outros órgãos na consecução de serviços de saúde, educação, transporte e habitação", diz o MP na ação.

De acordo com o MPF, a DPU não mantém convênio com instituições que poderiam auxiliá-la a prestar atendimento, como a OAB, a DPE-RS, ou universidade, nem contratou escritórios de advocacia para atender a região.

Para o MPF, a justificativa da DPU para não prestar atendimento em município onde não possui unidade instalada não se sustenta, uma vez que a defensoria possui regime de teletrabalho. O órgão citou que há defensores trabalhando no Canadá e nas Bahamas, e um defensor lotado em Brasília atuando a partir da Suíça. Os avanços tecnológicos implantados pela Justiça Federal por meio do processo eletrônico (E-Proc) permitiriam a atuação dos defensores por videoconferências sem a necessidade de deslocamento até a sede da JF de Santo Ângelo.

A DPU, por sua vez, informa que está presente em sete cidades no RS: Porto Alegre, Bagé, Canoas, Pelotas, Rio Grande, Santa Maria e Uruguaiana. A Defensoria concorda que precisa ampliar sua área de cobertura, mas alega não dispor de orçamento. Diz, ainda, que tem apenas três defensores em teletrabalho, atuando de forma autorizada.

Via sacra
Em novembro de 2018, Dionízio Maciel da Silva foi à Procuradoria da República da cidade para se informar sobre seus direitos de acesso ao ensino superior, já que tem deficiência visual grave. Ele entrou no Instituto Federal Farroupilha por meio de vaga especial pelo Enem, mas a instituição não oferece acompanhamento especializado. Sem esse auxílio, ele alegou correr o risco de reprovar em algumas disciplinas.

Dionízio começou, então, uma via sacra de encaminhamentos para outros órgãos. A procuradoria do município expediu ofício ao defensor público-chefe da DPU no Rio Grande do Sul pedindo que indicasse representação para atuar na representação jurídica.

Após o contato do MPF com a DPU, a unidade da Defensoria em Porto Alegre respondeu não ter unidade instalada em Santo Ângelo ou cidade próxima, com atuação na Justiça Federal, o que inviabilizaria o atendimento. Esclareceu ainda que os defensores públicos federais lotados naquele núcleo têm atribuição para atuar apenas nos limites territoriais da Subseção Judiciária de Porto Alegre, ou seja, se atendesse Dionízio, a atuação poderia ferir a isonomia entre os assistidos.

Foi encaminhado, então, ofício à OAB local, que também respondeu não ter como atender Dionízio por não ter defensor dativo. Como a defensoria estadual está presente na comarca, não seria função da OAB atender casos do tipo. O órgão estadual, porém, afirmou que o atendimento é responsabilidade da DPU, já que o caso envolve um instituto federal.

Omissão arbitrária
"Dessa forma, é contra tal omissão arbitrária e inconstitucional e ilegal da Defensoria Pública da União que se insurge o MPF, ou seja, a DPU se omite em atuar no caso em comento, mesmo tendo aberto procedimento administrativo para tanto, sob o pretexto de não existir sede na Subseção Judiciária de Santo Ângelo, causando prejuízo ao direito fundamental à educação de pessoa com deficiência", argumenta o MPF.

Nesse cenário, o MPF afirma que continua a receber, diariamente, dezenas de pessoas noticiando possíveis lesões a direito, sem que possam, além de requisitar informações às autoridades, promover na esfera individual a defesa de seus direitos, como ocorre no caso de Dionízio. "Diante da resistência injustificada do órgão de assessoria jurídica dos pobres em atender pobres, vem o MPF propor a devida ação civil pública."

A ação, de 27 páginas, diz ainda que a DPU tem liberdade para decidir como vai prestar o atendimento, mas não pode não oferecê-lo. E cita iniciativas da DPU por meio das quais um defensor público é deslocado para a prestação jurídica em localidades sem sede.

Além disso, o MPF aponta que, conforme constatado em inquérito civil, a DPU teve um aumento de 400% no orçamento de diárias. Desta forma, estaria provado que existem recursos financeiros suficientes para a designação de um defensor público ou o pagamento de um advogado especialista para atuar no caso. "A ausência de atuação da DPU, seja por meio direto ou por meios indiretos (convênios e contratos administrativos), é arbitrária, ilegítima e imoral", ressalta.

A ação afirma, por fim, que, ao negar a atuação na subseção de Santo Ângelo, a DPU deixa de cumprir o dever de promover os direitos humanos, em violação da Convenção Americana de Direitos Humanos e da Constituição Federal. A atuação do MPF no caso estaria buscando suprir a omissão na prestação de serviços públicos de atendimento jurídico da Defensoria Pública da União.

Redes sociais
A DPU informou ter tomado conhecimento da ACP por meio das redes sociais, depois que o perfil oficial do MPF postou um tweet sobre o caso. "A DPU não tem unidade em Santo Ângelo. Rigorosamente, a Defensoria Pública da União está presente em menos de 30% dos municípios que contam com seção ou subseção judiciária do Judiciário Federal", respondeu a DPU.

Numa sequência de cinco tweets, a entidade também defendeu a própria atuação frente às restrições orçamentárias que sofre. "Mesmo com sérias limitações orçamentárias e 10% do orçamento de outras instituições do sistema de justiça, a DPU orgulha-se do reconhecimento da população, apontado em pesquisa do CNMP de 2017. Como os cidadãos atendidos, a DPU faz mais com menos! @MPF_PGR", publicou.

Quanto ao teletrabalho, afirmou que o aplica em situações excepcionais e que segue o caminho inicialmente trilhado pelo próprio MPF, que, em 2013, concorreu ao Prêmio Innovare pela iniciativa. Afirma, também, que precisa chegar na cidade citada pelo MPF e mais 200 municípios até 2022 e que tem trabalhado para reforçar a importância disso com governantes.

Conclusões falsas
A DPU tem mais de 600 cargos vagos. Os cargos não podem ser preenchidos, segundo o próprio órgão, em razão do limite orçamentário instituído pela Emenda à Constituição nº 95/2016, conhecida como PEC do Teto, que estabeleceu novo regime fiscal. A nomeação dos novos defensores públicos federais dobraria a capacidade de atendimento da instituição. Atualmente, 24 anos depois da criação da DPU, são 630 membros da carreira distribuídos em 70 unidades nos 26 estados e no Distrito Federal.

O Congresso promulgou, em 2014, a Emenda à Constituição 80, que estabeleceu prazo de oito anos para que todos os locais que contem com a presença da Justiça Federal para julgar e do MPF para acusar tenham também defensores públicos federais para garantir a assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.

"A EC 80 é um marco na história do Estado brasileiro. Lamentavelmente, com a crise fiscal e a consequente promulgação da EC 95/2016, a DPU, que se encaminhava para cumprir o mandamento constitucional e chegar enfim aos rincões deste país de dimensões continentais, se viu na necessidade inadiável de reajustar radicalmente seu orçamento, ano após ano, para evitar o fechamento de unidades e fazer mais com menos. Por essa e outras razões, amplamente divulgadas na imprensa de massa e referenciadas em precedentes jurisprudenciais de casos análogos, a ACP não tem a mínima condição de prosperar", disse a DPU por meio de nota.

O texto da Defensoria critica ainda a inclusão na ação de uma imagem do perfil do Instagram de uma defensora de Guarulhos, em São Paulo, que não tem relação com a demanda gaúcha. No trecho, o MPF usa uma imagem em que a defensora diz que estava em audiência, mas não na sede da Defensoria, para dizer que é possível trabalhar à distância. "Dotada de invasividade invulgar mesmo para uma manifestação de instituição acusadora em ambiente democrático, a peça inicial dada ao conhecimento público demonstra devassa em redes sociais de defensores públicos federais."

De acordo com a DPU, as fotos colhidas nas redes sociais pessoais da defensora e incluídas na inicial de ACP levaram o MP à ideia de que o teletrabalho adotado pela Defensoria permitiria o atendimento em Santo Ângelo. "Erro crasso. A defensora pública federal e cidadã em pleno exercício de seus direitos e deveres, que teve sua privacidade exposta pelo signatário da petição, não exerce suas funções por meio de teletrabalho, mas na unidade de Guarulhos. A audiência à distância mencionada ocorreu em um domingo, dia em que, em regra, não há expediente. Em caráter excepcional e pela necessidade, esse domingo tornou-se um dia de trabalho para a defensora, que registrou justamente a atipicidade daquele fim de semana", afirmou a Defensoria.

Além disso, esclarece que há três defensores públicos federais atuando do exterior: um no Canadá, uma na Suíça e uma no Timor Leste. Os três acompanham os cônjuges em missão nos respectivos países de forma previamente autorizada. A questão orçamentária também foi atacada e rebatida: "A falta de uma simples consulta ao orçamento da Defensoria Pública da União, onze vezes menor que o do MPU, bastaria a que a peça não incorresse em rebarbativas assacadilhas contra a instituição reconhecida pela população, em pesquisa do CNMP, como a mais importante e confiável do sistema de justiça."

Leia aqui a íntegra da ACP.
Leia aqui a íntegra da nota da DPU.

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