Opinião

Governança jurídica e planejamento sucessório na empresa familiar

Autor

  • Karime Costalunga

    é advogada professora do GVLaw e membro da Comissão de Direito de Família e Sucessões do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

24 de fevereiro de 2019, 12h35

Há alguns dias, veio a público uma disputa entre herdeiros de uma grande empresa familiar, como soe acontecer, a respeito do andamento que está sendo dado aos negócios da família por aquele que foi consagrado o administrador dos negócios quando da morte de seu pai, o membro da geração anterior que dava o rumo a ser navegado.

Isso é mais uma demonstração de comportamentos. E, muitas vezes, esses conflitos são fruto da falta de diálogo e preparação de herdeiros para a continuidade do negócio. Também pode ser fruto da cultura vigente em determinada geração, em que se espera que as gerações seguintes deem continuidade automaticamente ao negócio, mas, aos poucos, percebe a impossibilidade de que isso aconteça.

Consabido é que, cada vez mais, as famílias aumentam, mas, não necessariamente, o patrimônio e a geração de renda acompanham o crescimento e a consequente demanda pelos membros da família.

Uma das soluções para evitar que esse crescimento seja um problema está no planejamento, no diálogo e na transparência.

Se os membros da família, desde cedo, conseguem encontrar o seu lugar no organismo — ou até mesmo fora dele —, fica mais fácil proporcionar o saudável desenvolvimento da empresa a ponto de que seja perpetuada para as gerações futuras. Se os membros da família conseguem conversar sobre seus desejos e aspirações, até fazem um coaching pessoal, conseguem se tornar adultos mais realizados e produtivos, seja dentro ou fora da empresa.

Consequentemente, são todos preparados para um futuro mais livre e autêntico, inclusive estabelecendo vínculos, muito embora de maneira consciente e sem deixar de atentar para o negócio, mesmo que nele não exerçam atividade laborativa.

Alguns levantamentos internacionais apontam que em torno de 65% das empresas mundiais têm seu controle nas mãos de famílias. Um levantamento do Sebrae no fim da década passada apontou que no Brasil essa concentração chega próximo a 90%. Um estudo mundial da PwC de 2010 mostrou que apenas 36% das empresas cujo controle está nas mãos de famílias chegam até a segunda geração e apenas 19% chegam à terceira. Essa baixa taxa de sobrevivência tem como causa principal a falta de governança corporativa e de planejamento jurídico sucessório adequado (da sua propriedade, controle e gestão).

Em busca de análise detalhada da necessidade de garantias que levem à continuidade de uma empresa familiar, de enorme valia o estudo da governança corporativa instaurada na instituição, sem, no entanto, desconsiderar as motivações que levaram à busca desse meio. Resta claro que podem enfrentar as empresas familiares dificuldades de relacionamento entre os membros da família, estando eles ou não presentes na gestão do negócio. E conforme o grau de desacerto entre os pares, riscos graves existem de ser inviabilizada a perenidade da empresa.

Considerando a independência entre empresa, família e patrimônio, e para bem providenciar a mantença da atividade empresarial, no que respeita ao patrimônio da sociedade familiar, indispensável que sejam buscados instrumentos jurídicos na área de Direito de Família e Sucessões.

Primeiramente, impossível tratar do tema desvinculado da realidade cultural da família fundadora e também das relações emergentes entre os membros dessa família, integrantes de diversas gerações e titulares de diferentes aspirações no que diz respeito à administração do negócio, o que demonstra, por exemplo, a importância da cultura de sucessão da gestão.

Mas qual a grande diferença entre a sucessão da gestão e do patrimônio de uma empresa? A sucessão da gestão trata da administração da empresa, com a continuidade ao negócio iniciado por um fundador que, eventualmente, tenha trazido para a sociedade membros de sua família. Ocorre que os atores que irão suceder o gestor da empresa não necessariamente serão seus herdeiros, figuras estas que recebem o patrimônio de que era titular o fundador até a sua morte. Quando flagrante a inviabilidade da fusão das figuras de sucessor e herdeiro num único membro da família, uma das alternativas para a profissionalização da empresa é a governança corporativa.

Entretanto, muito embora possa estar resguardada a figura do gestor do negócio, seja ele um profissional de mercado, ou um herdeiro do fundador da empresa, algumas questões merecem tratamento atento, no que respeita aos dispositivos concernentes à sucessão dos bens de um sócio. Vale dizer que, no momento da morte do fundador da empresa, se não estiver bem planejada a sucessão de suas ações, novos problemas podem emergir das relações familiares.

E uma das dificuldades enfrentadas é o processamento da sucessão dos bens do morto, frente às figuras que passam a ingressar o rol de herdeiros, conforme o disposto no novo Código Civil: são considerados herdeiros necessários do falecido os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Há pouco, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade do artigo que tratava o companheiro, para fins de direito sucessório, diferente do cônjuge. Em seguida, disse que o companheiro não era herdeiro necessário. Portanto, ainda se encontra de modo nebuloso o tratamento que irá receber o companheiro, mas com uma grande tendência para a equiparação.

Vale relembrar que herdeiros necessários são aqueles que não podem ser afastados de, pelo menos, 50% da sucessão dos bens do morto, sendo a ele facultativo, ainda, a deixa através de testamento sobre a outra parte de seus bens.

O único determinante para regular a sucessão do cônjuge do acionista da empresa será o regime de bens pelo qual optou o casal no momento das núpcias, através de pacto antenupcial, ou, se inexistente o pacto, com o silêncio dos consortes que pressupõe a adoção do regime legal, o regime da comunhão parcial de bens. Por óbvio que existe enorme diferença entre herdar os direitos patrimoniais e exercer os direitos políticos.

Cabe ressaltar que a empresa precisa estar bem preparada — se assim for conveniente — para prever, apenas, a extensão dos direitos patrimoniais aos herdeiros necessários do sócios, conforme sua configuração societária. Isso significa que não irá o herdeiro receber qualquer direito político, porque isso estaria, por óbvio, ferindo a affectio societatis existente entre os sócios da empresa.

Entretanto, ainda sobre o tema do regime de bens, é preciso lembrar que cada um dos regimes de bens constantes no código enfrenta a situação da sucessão de maneira distinta, não importando se o casamento foi celebrado sob a vigência do novo ordenamento ou não. Isso significa que a lei aplicável ao caso concreto será aquela em vigor no momento em que morrer o acionista da empresa, muito embora tenha contratado, por exemplo, o regime da separação total de bens com seu cônjuge através de casamento celebrado nos idos anos 1950.

E esse é um dos regimes de bens que causa maior polêmica no meio jurídico, tendo em vista a colocação como herdeiro necessário do morto o cônjuge sobrevivente casado pelo regime da separação total de bens, o que manifesta contrariedade à autonomia de que é dotado o casal no momento da pactuação.

No particular do estudo do planejamento da sucessão da empresa familiar, é fundamental que seja promovida uma análise adequada das intenções da família sobre o seu funcionamento e também sobre o eventual ingresso de novos membros. O que o dia a dia das empresas familiares pode demonstrar é que a complexidade das relações aumenta à medida que aumentam os membros da família.

Assim, que sejam a transparência e o diálogo em abundância as ferramentas mais importantes para evitar que, no futuro, se tornem escassas, prejudicando a perenidade da empresa familiar.

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