Mais prisões

"No combate ao crime, Judiciário tem que julgar em tempo razoável"

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24 de fevereiro de 2019, 7h00

Spacca
O Rio de Janeiro está assolado pela criminalidade. Não à toa, a União interveio na área de segurança do estado em 2018. O papel do Judiciário no combate ao crime é julgar os processos em um tempo razoável. Para isso, é essencial que o Supremo Tribunal Federal continue permitindo a execução da pena após condenação em segunda instância, afirma o presidente do Tribunal de Justiça fluminense, desembargador Claudio de Mello Tavares. Ele tomou posse para o biênio 2019/2020 em 4 de fevereiro.

Mas ele também acredita ser necessário aumentar penas e dificultar a progressão de regime – medidas que constam do pacote de reformas penais apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e são apoiadas pelo governador Wilson Witzel (PSC).

"Tem crimes que realmente têm que ter penas mais severas. No Rio de Janeiro, por exemplo, antes o criminoso furtava ou roubava e levava o bem material. Hoje, além de furtar ou roubar, ele acaba assassinando a vítima. Isso aí é uma crueldade."

Tavares sabe que essas alterações aumentariam ainda mais a superlotação do sistema penitenciário. Por isso, pretende ajudar Witzel a construir novas cadeias e continuar a expandir as audiências de custódia pelo estado – uma forma de evitar prisões desnecessárias e aliviar a população carcerária.

Como o Rio, há anos, atravessa uma crise econômica e financeira, é incerto se teria recursos para construir novos presídios. O presidente do TJ-RJ diz que a corte pode ajudar o estado agilizando execuções fiscais, especialmente as que envolvem grandes valores. Dessa forma, contribuiria com a arrecadação e investimentos não só em segurança pública, mas em saúde, educação e outras áreas.

Leia a entrevista:
ConJur — Quais são os principais objetivos da sua gestão no TJ-RJ?
Claudio de Mello Tavares
— O principal objetivo é repor os serventuários no primeiro grau que vierem a se aposentar, tendo em vista a reforma da Previdência que está sendo anunciada pelo Congresso Nacional. Hoje nós temos uma carência em primeiro grau que, só no ano passado e retrasado, foi de 480 serventuários. Eu convoquei 191 serventuários do último concurso; sendo 160 técnicos, 10 oficiais de justiça, 10 assistentes sociais, 10 psicólogos e um comissário da Infância, da Juventude e do Idoso. A primeira instância é uma pedreira, e nós temos juízes que estão trabalhando com dois serventuários. Com isso, nós vamos agilizar a prestação jurisdicional. Esse é o foco principal da nossa administração: que a Justiça se torne mais rápida, inclusive cumprindo o mandamento constitucional da duração razoável do processo.

Outra questão fundamental é investirmos na informática para que o processo seja mais ágil. Hoje nós temos um foco nas varas de Fazenda Pública. No ano passado, quando eu fui corregedor, nós enviamos 30 serventuários para a 12ª Vara de Fazenda Pública, que trata de execuções municipais. Com isso o município do Rio de Janeiro arrecadou R$ 460 milhões. Esse tipo de investimento ajuda o município o estado, a sociedade. Ainda mais nesse momento de crise.

ConJur — A 12ª Vara de Fazenda Pública começou a usar inteligência artificial na execução fiscal. Mas a OAB reclamou muito disso, principalmente por alguns bloqueios de bens que foram feitos de uma vez só, sem prévia intimação dos devedores. Esse tipo de procedimento fere o contraditório e o devido processo legal, como diz a Ordem?
Claudio de Mello Tavares
Não. É uma busca que se faz para ver onde se encontra o dinheiro. O devedor, normalmente, não indica a conta. Não há como chegar e bloquear uma determinada conta. O bloqueio é total. E, claro, havendo excesso, o juiz manda desbloquear. É uma forma de se garantir o crédito. Na maioria dos casos não se trata de pessoa física, tem grandes empresas que devem milhões. E elas já tiveram direito de defesa no processo de conhecimento ou até mesmo na própria execução. Se a sentença transitou em julgado, o juiz evidentemente tem que beneficiar o credor.

ConJur — E isso pode ser feito sem a intimação do devedor, como aconteceu algumas vezes?
Claudio de Mello Tavares
Não. Desconheço essa parte. Nos dois anos que estive na Corregedoria, não recebi nenhuma reclamação contra nenhum juiz por ter se excedido em bloqueio online.

ConJur — O tribunal está preparado para a migração dos atuais sistemas de processamento eletrônico para o PJe?
Claudio de Mello Tavares
Está. Inclusive foi feito. No fim do ano passado, o TJ-RJ assinou contrato com o Conselho Nacional de Justiça para a implementação do PJe. O processo deve ser concluído em cerca de dois anos.

ConJur — O TJ-RJ é reconhecido pelo CNJ como o tribunal mais produtivo do país. Ainda assim, há uma disparidade entre primeira e segunda instâncias. Pretende enfrentar essa questão?
Claudio de Mello Tavares Isso eu comecei como corregedor. Com a crise do estado, que evidentemente afetou o Poder Judiciário, não tínhamos condições de contratar serventuários. Então procurei dialogar com os juízes para que eles prolatassem sentenças mais sucintas, sem ficar citando doutrina ou se alongando nas citações de jurisprudência, para que pudessem dar conta dos demais processos que chegam às varas — hoje, o juiz hoje não tem condições materiais, já que há uma litigiosidade muito grande. Recomendei que não retivessem as conclusões e que, principalmente, fossem gestores. Ou seja, administrassem o cartório através dos chefes de serventia. Hoje, o juiz tem condições de nomear o chefe da serventia. Antes, quando ingressava em uma vara, o juiz já tinha ali um escrivão e não tinha como mudar. Hoje, ele nomeia o chefe da serventia e tem que delegar e, ao mesmo tempo, verificar se os serventuários estão trabalhando da forma determinada. Porque não adianta ele entrar no gabinete e despachar.

ConJur — O que pretende fazer com relação à Justiça Itinerante?
Claudio de Mello Tavares
A Justiça Itinerante é espetacular. Costumo dizer que o processo morre no nascedouro, porque a maioria deles acaba em acordo. Temos vários ônibus que atendem às pessoas na porta de suas casas. Imagina quem mora em Santa Cruz, distante 70km do Rio de Janeiro, ter que acompanhar um processo no Tribunal de Justiça? Então a Justiça vai à casa do trabalhador, e tem toda uma estrutura, tem juiz, tem oficial de Justiça, e costuma dar resultados positivos. A Justiça Itinerante é excelente, e estamos investindo mais ainda nela, tentando obter doações de ônibus para que possamos implementá-la no estado inteiro.

ConJur — Como avalia o fim das câmaras de Direito do Consumidor?
Claudio de Mello Tavares
Quando elas foram criadas, alguns pensavam que seria uma solução para agilizar os processos de consumo. Infelizmente, a experiência mostrou algo completamente diferente. Ano passado, por exemplo, um desembargador de uma câmara de Direito do Consumidor recebia o dobro de processos de um desembargador de uma câmara cível. Havia acúmulo enorme de processos. Infelizmente, as câmaras não deram resultado. Hoje a distribuição é equânime. Agora, claro que isso resultou numa carga de trabalho maior para os desembargadores da área cível. Cada desembargador teve um aumento de 20% de processos. Mas é justo, porque é inadmissível que um colega desembargador receba 200 processos e outro receba 100. É uma questão até de coerência.

ConJur — O TJ de São Paulo, por exemplo, está focado na criação de varas especializadas. O TJ-RJ também pensa em criar varas e câmaras especializadas?
Claudio de Mello Tavares
Isso está em estudo. Pedi que os desembargadores apresentem propostas.

ConJur — Mas de que áreas poderiam ser essas varas e câmaras?
Claudio de Mello Tavares
Seriam câmaras de Direito Público e de Direito Privado.

ConJur — Muitos defendem a criação de mais varas de execução penal no Rio. Dizem que essa medida ajudaria a desafogar o sistema prisional, porque hoje há muitos presos por mais tempo que a condenação por falta de acompanhamento da pena. O que acha da ideia?
Claudio de Mello Tavares A vara de execuções no Rio de Janeiro funciona muito bem, porque todos os processos de réus presos estão informatizados. A prioridade máxima é verificar se o cidadão que cumpriu a pena terá alvará de soltura rapidamente expedido. A grande preocupação, não só do Judiciário, mas do Executivo também, é se a autorização para prender depois da segunda instância será mantida.

ConJur — O que o senhor acha da execução antecipada?
Claudio de Mello Tavares —
 Sou favorável. A partir do momento que houve uma sentença e três desembargadores a confirmaram, o cidadão condenado tem que ser preso. Se houver um caso diferenciado, de um crime de menor potencial ofensivo, aí compete aos tribunais superiores em cada caso analisar. Mas o que tem que ser feito é isso. Certamente vai gerar um aumento de presos porque, na medida que se esperava até o trânsito em julgado nos tribunais superiores, o crime muitas vezes poderia prescrever. E aí a sociedade fica sem resposta imediata. O ministro Sergio Moro incluiu essa medida no pacote que apresentou ao presidente Bolsonaro, e ele tem toda razão. Mas isso vai acabar superlotando as penitenciárias.

ConJur — O que fazer, então?
Claudio de Mello Tavares —
 Compete ao governo do estado construir novas penitenciárias. O próprio governador do Rio de Janeiro adiantou isso. Hoje no Rio temos 50 mil presos, e as penitenciárias têm 28,5 mil vagas. Isso não significa dizer que precisamos criar novas varas de execução penal. Essa questão está controlada, porque na vara de execução penal temos, além do juiz titular, outros quatro juízes. E todos os processos de réus presos foram informatizados e têm preferência absoluta. Não há nenhum preso cumprindo pena já extinta ou que tenha sido revertida.

ConJur — O senhor já declarou que pretende continuar a expandir as audiências de custódias no estado. Já o governador disse que pretende reformular a lei sobre elas para permitir a negociação da pena já durante as audiências. Há muitas críticas às violações ao direito de defesa e do aumento das chances de erro judicial nessa possibilidade. Qual a sua opinião?
Claudio de Mello Tavares A audiência de custódia está perfeita. A própria Constituição diz que, a partir do momento que houve a prisão, o preso tem que ser apresentado imediatamente à autoridade, no caso o juiz, e no Rio de Janeiro isso é feito em 24 horas. E o juiz vai avaliar a necessidade da manutenção da prisão. Nisso, o preso estará representado por advogado, com direito ao contraditório e ampla defesa. A audiência de custódia no Rio está funcionando perfeitamente. Não tivemos nenhuma reclamação, nem da OAB.

ConJur — Qual é o papel do Judiciário no combate ao crime?
Claudio de Mello Tavares
Na verdade, o Judiciário não é o responsável, porque quem faz as leis é o Legislativo. O Judiciário apenas interpreta e cumpre as leis que estão em vigor. Outra coisa: a decisão judicial é de livre convencimento do magistrado. Quer dizer, é uma decisão jurisdicional. Se o juiz cometeu algum equívoco ou abuso, a decisão vai ser revista pelos tribunais superiores. Mas se houve uma pena mais branda ou uma pena maior, isso está baseado em uma legislação que compete ao Congresso Nacional. O nosso Código Penal é de 1940 e estamos em 2019, precisamos de uma reformulação. O que o Judiciário tem que fazer é julgar o processo em tempo razoável. O que a sociedade quer é isso, que um processo não demore três, quatro, cinco anos para ser decidido. Compete ao Judiciário dar uma resposta imediata. Claro que temos muito a fazer, mas essa responsabilidade não é nossa.

ConJur — O governador defende mudanças na legislação para aumentar o tempo máximo que alguém pode ficar preso de 30 para 50 anos, decretar que penas sejam cumpridas integralmente em regime fechado e que visitas a presos sejam proibidas. As propostas de Sergio Moro vão nessa linha. Mas o senhor falou que o sistema penitenciário já está sobrecarregado. Essas mudanças não piorariam o quadro ainda mais?
Claudio de Mello Tavares
Isso depende do crime. Tem crimes que realmente têm que ter penas mais severas. No Rio, por exemplo, antes o criminoso furtava ou roubava e levava o bem material. Hoje, além de furtar ou roubar, ele acaba assassinando a vítima. Isso aí é uma crueldade. A sensação de insegurança é muito grande. Então precisamos, sim, ter penas mais severas. E aí é aquela questão: pode aumentar as penas, mas compete também ao Estado construir mais penitenciárias. É uma forma de se coibir o crime. Não adianta pegar o criminoso que cometeu um crime bárbaro, ele cumpre um terço da pena e vai para o regime semiaberto ou para a rua. É um risco que a população está correndo. O Rio precisa de atenção maior, e o pacote do ministro Sérgio Moro, nesse ponto, é acertadíssimo.

ConJur — Quando esteve na Corregedoria, o senhor tomou medidas com o objetivo de facilitar a ressocialização de presos, como a ajuda para tirar documentos. Mas como ressocializar uma pessoa que fica na solitária 22 horas por dia, como ocorre nos presídios de segurança máxima?
Claudio de Mello Tavares Ele tem que ficar preso, mas tem que ter o direito de ficar mais tempo fora, ir a uma biblioteca, estudar. É uma forma de ressocializar. Quando fui corregedor, os menores infratores, que estavam começando a se iniciar na criminalidade porque não tinham oportunidade, precisavam ter uma oportunidade, porque pegando no início, se corrige. É muito mais fácil educar um adolescente do que educar ou reeducar um adulto, que já virou um profissional do crime. Se você pega um criminoso que furtou um tênis ou um relógio e o coloca numa cela com um cidadão que cometeu vários homicídios, que foi envolvido com milicianos e tal, aí vai ser a escola do crime. Aquele cidadão vai sair pior do que entrou.

Para evitar isso, criamos na Corregedoria a Central de Aprendizagem. O menor infrator comete o crime, é preso, levado ao juizado da infância e juventude e enviado para o Dom Bosco, que é a instituição onde ele deve ficar. Ele tem que ficar 40 dias ali. Saindo dali, ele vai ter uma sentença. Ou seja, o juiz vai verificar se ele pode ir para a rua ou se ele vai continuar na instituição. O que eu fiz? A partir do momento em que esse adolescente sai dali, eu procurei dar uma oportunidade para ele. Fizemos um contrato com a Amil, e aí ele tem três meses de aula, palestras de educação, de como se portar. E o que acontece é que ele sai dali e tem que estar estudando. Ele cumpriu uma carga horária de seis horas na empresa e tem a autoestima dele levantada. Ele passa a ter uma oportunidade.

Todos nós sabemos: existe um medo muito grande dos empresários de dar oportunidade para os menores infratores. Nós tivemos que, através da Central de Aprendizagem, mostrar a eles que esses meninos estavam começando, precisavam de uma oportunidade. E conseguimos fazer um contrato junto à Amil, onde 25 deles tiveram essa oportunidade. Tanto é que, quando eles completaram os 90 dias de curso, fizemos uma reunião no primeiro tribunal do júri, estavam lá os familiares, se emocionaram, eles ganharam um diploma. Então foi uma medida que todo mundo deve fazer dentro das suas possibilidades.

Agora, o que nós estamos falando é de criminosos de alta periculosidade. Evidentemente, embora sejam seres humanos, muitos deles já estão viciados. É só ler os jornais: tem muitos que saem em um dia e no dia seguinte já estão cometendo crime. Tem muitos que recebem indulto e não voltam mais. Então nós temos que ver cada caso. Eu acho que nós temos que endurecer a pena, sim. Antigamente era completamente diferente, mas hoje, se o órgão do Estado não agir com rigor, nós vamos fazer com que o cidadão de bem fique dentro de casa trancafiado. Nós temos que agir com rigor. E com toda contraditório, ampla defesa, devido processo legal, tudo o que o acusado tem direito.

E não significa dizer também que o policial vai ter licença para matar. Não é isso. O policial vai entrar em confronto com o marginal. A partir do momento que ele estiver com a AR-15 e houver o risco eminente de o policial sofrer algum atentado, ele tem que reagir com rigor e compete, como diz o ministro Sérgio Moro, reduzir a pena caso haja culpabilidade. Não havendo culpabilidade, o policial deve ser absolvido. Senão ele vai ficar preocupado. Se ele se deparar com um vagabundo com uma AR-15, e ele vai, mata o vagabundo e ainda vai sentar no banco dos réus para responder?

ConJur — O fato de alguém estar portando um fuzil, ainda que sem apontar para alguém, já caracteriza um risco iminente que autoriza o policial a atirar em legítima defesa?
Claudio de Mello Tavares
— Não. Lógico que não.

ConJur — Essa é a visão do governador Witzel.
Claudio de Mello Tavares
— Eu não sei se a visão dele é essa. É claro que cada caso é um caso. Quando nós entramos na magistratura, nós fazemos um juramento: cumprir a Constituição e as leis do país. Ponto. Nós não podemos decidir fora disso. Essa é a opinião dele é como governador do estado. Ele não é mais juiz, ele resolveu ser governador. Eu sou juiz e vou interpretar o caso à luz da legislação. O próprio ministro Sergio Moro, por exemplo, tem o total conhecimento da legislação. O que ele quer é o seguinte: apresentar o projeto para o Congresso Nacional aprovar e tornar lei. A partir do momento que virou lei, nós somos obrigados a cumprir. Nós não podemos julgar o processo de acordo com a consciência. Eu posso até concordar com os termos, mas eu tenho que cumprir a lei. E disso eu não abro mão.

ConJur — 40% dos homicídios na cidade do Rio são praticados por policiais, segundo estudo do Instituto de Segurança Pública. Durante a intervenção federal, 23% dos homicídios no estado foram cometidos por agentes de segurança, um aumento de 34% em relação ao mesmo período do ano passado, conforme o Observatório da Intervenção. A proposta de Witzel de "abater" quem estiver com fuzil e a ampliação das hipóteses de legítima defesa do pacote de Moro poderiam piorar ainda mais esse cenário?
Claudio de Mello Tavares
— O senhor me deu estatísticas que eu sinceramente desconheço. O que eu tenho que ouvir é o seguinte: o número de vítimas que morreram porque foram assaltadas. Qual é a quantidade de famílias perderam parentes, de filhos que estão órfãos porque houve um homicídio, porque houve um assalto? A partir do momento que o cidadão souber que vai pagar um preço mais alto por cometer um crime, ele vai pensar duas vezes. Eu acho que é uma forma pedagógica de evitar o crime. Leis nós temos demais, mas nós temos que aplicar a lei de uma forma efetiva. Essa questão de bala perdida e tal, nós temos que verificar através de uma perícia. Mas, no momento, nós não podemos chegar e dizer “olha policial, você só pode adentrar uma casa na base da educação, com permissão”. Não, porque, infelizmente, nós vemos que os bandidos hoje estão partindo para cima mesmo. Eu acho que nós temos que defender a sociedade. O cidadão tem que pensar duas vezes antes, porque, como eu disse, nós estamos em uma guerra civil. A quantidade de mortes é enorme.

Então nós temos que dar apoio à segurança pública. Claro que sem exagero, claro que sem arbitrariedade, porque eu sou um juiz, eu não posso concordar e nenhum juiz pode concordar em absolver um policial que matou um cidadão porque estava com um fuzil na cama ou do lado da cama. Claro que ele vai ter que ser punido, vai ter que ser exonerado dos quadros da polícia. Mas a maioria dos casos que a gente vê são pessoas que têm família, são pessoas que estão arriscando a vida pela sociedade, que ganham pouco, alguns moram até em comunidade porque não têm onde morar e acabam convivendo com isso. Alguns acabam sendo assassinados porque têm uma carteira de policial no bolso. Alguns são assassinados porque vão para casa fardados no ônibus. Quer dizer, nós temos que dar todo apoio à Segurança Pública, mas evidentemente dentro da legalidade.

ConJur — Voltando um pouco, o senhor falou que não acredita na recuperação de quem esteja em presídio de segurança máxima. E, por exemplo, o sujeito que já é um adulto, mas cometeu um crime sem violência? O senhor pensa em criar um programa de ressocialização para adultos semelhante a esse que criou para os menores infratores?
Claudio de Mello Tavares
— Não. Nós temos um, por exemplo, para os vulneráveis. Para o cidadão que dorme na rua, o cidadão que realmente está precisando de uma assistência básica. Nós estamos criando uma comissão para tratar das pessoas vulneráveis socialmente, os hipossuficientes. Esse projeto de menores aprendizes foi feito na Corregedoria. Eu vou disponibilizar duas ambulâncias para que, caso o preso tenha algum problema em uma audiência, seja na mesma hora encaminhado para um hospital. E trabalhos que a própria Igreja Católica desenvolve de procurar, dentro dos presídios, levar a palavra de Jesus, tentar através da própria palavra de Deus convertê-los de uma forma humana. Eu não estou dizendo que ele não vai se ressocializar. Eu acho difícil um cidadão que já está na criminalidade chegar e, do dia para a noite, voltar a não cometer crime.

Eu acho que nós temos que fazer a diferenciação. O cidadão que comete um crime com pequeno potencial ofensivo vai cumprir medidas alternativas, prestar serviço comunitário etc. O cidadão cometeu uma agressão, violência doméstica, é completamente diferente. O que estamos falando aqui é de pessoas que estão indo para uma guerra e não querem nem saber se tem criança, se tem filho, se tem pai, se tem mãe. Vão partir para o confronto. E com dolo, com vontade de matar. É isso que me assusta. Eu tenho dois filhos pequenos e comprei um carro blindado por causa dos meus filhos, com medo de bala perdida. Para viajar, nós pegamos a Linha Vermelha e ficamos totalmente inseguros. Hoje a noite do Rio acabou. Você não sai e não vê mais ninguém na noite, nos barzinhos, que antigamente viviam cheios. Está todo mundo dentro de casa, as pessoas estão com medo. E isso é dito pelos próprios garçons, gerentes que me dizem "doutor Claudio, o que está causando isso não é a crise econômica e financeira, é a violência".

ConJur — Uma vez que disse que não acredita em ressocialização de quem praticou crimes violentos, o senhor pensa que deveria existir no Brasil prisão perpétua ou até pena de morte?
Claudio de Mello Tavares
— Não. Eu sou contra pena de morte. Prisão perpétua eu acho que deveria ter, sim. Mas pena de morte, não. Sou totalmente contrário à pena de morte. Sou contra pena de morte, sou contra o aborto. Sou a favor da vida.

ConJur — O senhor disse que vai conversar com o governador Witzel sobre a construção de mais presídios no Rio. Como seria o papel do tribunal nisso? Porque a construção de presídios é atribuição do Poder Executivo.
Claudio de Mello Tavares
— É, o governador havia me telefonado e queria conversar sobre essa questão, mas não retornou o assunto. Mas, como o senhor mesmo falou, é uma questão do Poder Executivo. O que nós temos que fazer é ajudar o governo nesse sentido. Por exemplo, essas questões de dinheiro, que o cidadão não paga impostos. Nós devemos acelerar esses processos para que o governo tenha caixa para poder utilizar em prol da sociedade. E isso compete a nós do Poder Judiciário, através da Procuradoria-Geral do Estado. Nós agilizarmos essas execuções, inclusive fazendo com que os processos de maior valor tenham preferência.

ConJur — O seu antecessor na Presidência do TJ-RJ, desembargador Milton Fernandes de Souza, promoveu uma política de austeridade no tribunal. Agora que o Rio começa a sair da crise econômica, o senhor continuará esses cortes?
Claudio de Mello Tavares
— Evidentemente, nós temos que verificar as demandas que podem vir a surgir, ver a nossa folha. Mas em relação à manutenção, por exemplo, agora mesmo vai vencer o plano de saúde dos serventuários. Eu mandei fazer uma auditoria para saber o número de sinistros e poder até negociar. Quer dizer, eu vou continuar com a política de enxugar os gastos em tudo o que for possível. Por exemplo, o magistrado que foi convidado para fazer uma palestra em determinado lugar. Tem que saber se foi oficial ou não. Se foi oficial, tem direito à passagem. Se não, ele não vai ter direito à passagem. O administrador tem que tratar a coisa pública diferentemente da coisa privada. Isso aqui não é nosso. Eu estou administrando o tribunal e a minha pretensão é ajudar os meus semelhantes, a fazer o bem para a sociedade, a deixar um legado.

ConJur — Diversas autoridades e ex-autoridades do Rio de Janeiro foram presas ou estão sob investigação. O que o Judiciário pode fazer diante desse cenário de aparente corrupção que se alastrou no estado?
Claudio de Mello Tavares
— Cumprir a lei. Isso aí é conscientização de cada um. Eu, por exemplo, me considero um servidor do povo. E estou aqui para servir. Cada um tem que ter a sua consciência, fazer o trabalho que lhe compete. Se houver abuso, punir com rigor, especialmente se tratando de um administrador. Afinal, ele tem que dar o exemplo. O administrador envolvido em corrupção tem que ter uma pena muito severa para que seja não só punitiva para aquele cidadão, mas para que todos pensem duas vezes antes de cometer crime, para evitar reincidência.

ConJur — O que o senhor pensa da reforma da Previdência? Como ela poderia afetar a magistratura?
Claudio de Mello Tavares
— A reforma da Previdência é importante, pois o sistema está falido. Eu acho que não vai afetar muito a magistratura. A maioria dos juízes são vocacionados, é muito difícil o juiz se aposentar antes da hora. Ele normalmente cumpre sua função até o final.

ConJur — A pesquisa da AMB sobre o perfil do juiz brasileiro mostrou que a maioria da magistratura não gosta de obedecer a jurisprudência e as súmulas dos tribunais superiores. A que atribui esse resultado?
Claudio de Mello Tavares
— Não sei. Até por uma questão de política judiciária, tem que ter obediência às decisões dos tribunais superiores. Mesmo porque, se o juiz, por exemplo, julga de uma forma diferenciada, ele cria uma expectativa para o cidadão, que vai ser frustrada porque já há entendimento diferente consolidado em Brasília. Então ele vai falar “opa, ganhei”, mas vai chegar em Brasília e vai perder. Além de atrasar tudo, a decisão certamente vai ser alvo de um recurso, vai levar mais um processo para Brasília, e evidentemente vai trazer uma frustração para o cidadão. Os juízes têm é que cumprir, sim, as decisões dos tribunais superiores. E se o juiz não cumprir ele vai querer ser mais realista do que o rei.

ConJur — Limitar recursos judiciais, alterar a competência do Supremo Tribunal Federal para atuar apenas como corte constitucional e limitar o efeito suspensivo dos recursos, que deve ser exceção, e não a regra. Estas são as três iniciativas apontadas por juízes de primeiro e segundo graus capazes de tornar o Judiciário mais eficiente. O senhor concorda com elas? Que outras medidas acrescentaria a essa lista?
Claudio de Mello Tavares
— Em relação ao Supremo, prefiro não emitir nenhuma opinião. Essa questão da competência compete ao Congresso Nacional. Nós deveríamos, evidentemente, reduzir o número de recursos. Determinados recursos são procrastinatórios. Deveria ter uma modificação na legislação. Por exemplo, um juiz prolata uma sentença, aí o cidadão entra com embargos declaratórios, aquele recurso para sanar omissão, contradição e obscuridade. Mas, normalmente, o recurso não é interposto com esse objetivo, mas para retardar o andamento do processo. Aí daqui a pouco vêm outros embargos declaratórios. Realmente tem que haver uma redução. E isso de redução de recursos já ocorre aqui no tribunal. A 3ª Vice-Presidência é a competente, por delegação dos tribunais superiores, para admitir ou inadmitir os recursos especiais e extraordinários. E 99% dos recursos são inadmitidos. Imagine se todos os tribunais estaduais resolvessem mandar para Brasília todos os processos. Normalmente, as decisões do segundo grau são mantidas. Há raríssimas exceções. Eu acho que tem que haver, dentro dos próprios tribunais, um controle para que algumas decisões não precisem chegar ao Supremo Tribunal Federal. A partir do momento que chegou no Superior Tribunal de Justiça, finaliza o caso. É uma forma de se agilizar o processo. Temos que procurar limitar os recursos. Esse é um dos problemas que nós temos na legislação. Querendo, o bom advogado, que conhece a legislação, se utiliza de todos os recursos possíveis para procrastinar a decisão final.

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