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Opinião: Proprietário tem o direito de locar imóvel por aplicativo

23 de fevereiro de 2019, 7h41

Por Marcos Batalha Júnior, Marcelo Dias Freitas Oliveira

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Algumas preocupantes decisões de primeira instância têm proibido proprietários de unidades condominiais a locar seus imóveis por meio de aplicativos ou plataformas on-line, principalmente a mais conhecida: Airbnb.

Baseando, equivocadamente, em disposições sobre hospedagens como hotéis e albergues, os juízos decidem proibir a livre utilização da propriedade privada, em clara contradição à Constituição e ao Código Civil.

Veja-se que o Estado brasileiro é alicerçado em alguns pilares democráticos que são norteadores da nossa sociedade, sendo um deles o da propriedade privada (artigo 5º, caput e inciso XXII da CF), garantia fundamental a todos os brasileiros estendida. Ainda nessa esteira, percebe-se que a eventual proibição sem amparo legal contraria o princípio-garantia da legalidade (artigo 5º, inciso II, CF).

Seguindo a hierarquia jurídica das normas e leis brasileiras, o proprietário e condômino detém alguns direitos inerentes ao seu imóvel, propriedade privada, podendo dele usufruir livremente, se não perturbar o sossego de seus vizinhos ou fizer obras que comprometam a segurança da edificação. As disposições sobre livre utilização do bem estão inseridas nos artigos 1.228 e 1.335 do Código Civil.

Ocorre que o Judiciário tem decidido proibir o uso garantido pela Constituição e pela lei civil com base nas convenções condominiais, que por vezes têm regras sobre festas ou barulho nas unidades condominiais, e no Decreto 84.910, de 1980, que não é aplicável aos particulares que locam imóveis.

O que se vê pela redação do decreto é a necessidade de certos registros e verificações para que uma “hospedagem de turismo” seja devidamente autorizada pelo poder público a ser utilizada pelos turistas. Diz o artigo 3º deste decreto que “somente poderão explorar ou administrar Meios de Hospedagem de Turismo, Restaurantes de Turismo e Acampamentos Turísticos, no País, empresas ou entidades registradas na Empresa Brasileira de Turismo – EMBRATUR”.

Contudo, o mesmo decreto dá o conceito de “hospedagem”, restringindo, assim, a sua própria amplitude: “os empreendimentos ou estabelecimentos destinados a prestar serviços de hospedagem em aposentos mobiliados e equipados, alimentação e outros necessários aos usuários”, e que, de certo, exclui a hipótese de o particular locar um apartamento, por exemplo.

Isso não bastasse, fica claro que o decreto não pode se sobrepor à Constituição ou ao Código Civil, de maneira que sua utilização na ação movida por condomínios ou condôminos é patentemente equivocada.

Dito isso, fica claro que não haveria empecilhos para o proprietário que quisesse locar seu imóvel por meio de uma plataforma digital, pois a forma que se faz a contratação é lícita, desde que obedecida a Lei 8.245/91, a Lei da Locação.

Ou seja, parece-nos que a situação está, infelizmente, se aproximando de outras tantas em que uma plataforma digital ou inovadora toma o mercado de surpresa e há grande confusão na aplicação da legislação em vigor, causando entendimentos equivocados, como o que comentamos neste artigo.

Entretanto, a solução é mais simples do que se imagina. Temos diversas técnicas e disposições para tratar lacunas legais ou outros tipos de inovações que traga a sociedade para a apreciação do Judiciário, tais como as regras gerais, os princípios e fundamentos da Constituição Federal, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que não foram, ao que parece, utilizados nos casos em comento.

De que maneira se trate a questão, ao nosso ver, o resultado será o mesmo: o proprietário tem o direito de locar seu imóvel nos termos da Lei 8.245/91, seja por meio de contrato escrito e mediação de imobiliária ou por aplicativo/plataforma on-line.

Se há eventual desrespeito às regras internas do condomínio, dispostas nos seus estatutos ou convenções, o proprietário arcará com as consequências neles redigidas, lembrando-se que não é possível proibir a locação por meio de tais instrumentos condominiais. Há, ainda, a figura da responsabilidade civil por eventuais excessos ou ilicitudes praticados pelos locatários, sendo certo que também haveria o direito de regresso contra os mesmos locatários.

Fato é que não se pode proibir por meio de decisão judicial ato ou contratação que a lei expressamente permite sem que haja ilegalidade ou desrespeito aos ditames da mesma lei que autoriza (no caso, a Lei 8.245/91), por força do princípio da legalidade, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (artigo 5º, inciso II, CF). Nesse sentido, como se percebe que é impossível enquadrar o condômino como “hospedagem de turismo”, não entendemos possível que as decisões proibitórias prosperem.

De certo, temos, como sociedade, que encontrar meios adequados de tratar as situações como a descrita neste artigo à luz da Constituição e da lei aplicável, sem deturpar ou extirpar direitos fundamentais dos cidadãos de bem, e, simultaneamente, tratando e punindo aqueles que excedem ao usufruir dos mesmos direitos fundamentais em detrimento dos seus iguais.

Rogamos para que o Judiciário e demais aplicadores do Direito brasileiro possam, rapidamente, criar um consenso sobre a matéria das locações de unidades condominiais por meio de aplicativos e por curto espaço de tempo, unificando a jurisprudência e protegendo a segurança jurídica necessária para a nação.