Até Congresso legislar

Por omissão legislativa, Celso de Mello declara LGBTfobia punível como racismo

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20 de fevereiro de 2019, 18h58

Em longo voto de mais de 150 páginas que tomou duas sessões plenárias, o ministro Celso de Mello equiparou as práticas de LGBTfobia às de racismo, aplicando as mesmas punições a ambas. Ele reconheceu a mora inconstitucional em criminalizar homotransfobia do Congresso e, por isso, defendeu interpretação conforme a Constituição enquanto não houver legislação específica, produzida pelo Legislativo.

Os efeitos da posição dada por Celso de Mello, que julga a ação como procedente com eficácia geral e efeito vinculante, somente se aplicarão a partir da data em que se concluir o julgamento. Ele dá, ainda, ciência ao Congresso Nacional para que dê andamento da produção de legislação para o caso.

Para o decano, o conhecimento da ação constitui um dever e um reforço ao respeito e o apreço do Supremo Tribunal Federal ao texto da Constituição. "Incumbe aos juízes da Corte Suprema do Brasil o desempenho do dever que lhes é inerente: o dever de zelar pelos direitos fundamentais de todas a s pessoas, de repelir condutas governamentais abusivas ou de conferir prevalência à essencial dignidade da pessoa humana ou de fazer cumprir os pactos internacionais que protegem os grupos vulneráveis expostos a práticas discriminatórias e o de neutralizar qualquer ensaio de discriminação estatal ou de agressão perpetrada por grupos privados", apontou.

É por isso que se pode proclamar, de acordo com ele, que o Supremo desempenha as suas funções institucionais e exerce a jurisdição que lhe é inerente de modo compatível com os estritos limites traçados pela própria Constituição. 

"Esta Corte Suprema não se curva a pressões de grupos sociais majoritários que buscam impor exclusões e negar direitos a grupos vulneráveis e isso significa, portanto, reconhecer que a prática da jurisdição constitucional quando provocadas por aqueles atingidos pelo arbítrio, pela violência, pelo preconceito, pela discriminação e pelo abuso não pode ser considerada, ao contrário do que muitos erroneamente supõem e afirmam, um gesto de indevida interferência da Suprema Corte na esfera orgânica dos demais poderes da República", enfatizou o relator.

O STF, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivem restaurar a Constituição violada pela inércia dos Poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão constitucional e demonstrar com este gesto o respeito incondicional que os juízes deste tribunal pela atualidade da lei fundamental da República.

Conceito amplo
Nesse contexto, raça é, para o ministro, uma construção social arbitrária para criar hierarquias artificiais entre grupos sociais. O conceito geral e abstrato de racismo tem caráter amplo e abarca homotransfobia, conforme, inclusive, dispositivos e organismos internacionais. Haveria, então, um dever do Estado em editar norma ao grupo vulnerável, sob risco de desconsiderar preceitos constitucionais.

Na segunda metade da sessão, o decano se dedicou a desconstruir o argumento de que o reconhecimento das ações seria uma possível afronta à liberdade religiosa. O ministro discorre sobre a separação da Igreja e do Estado como pressuposto fundamental da República. “O Estado não tem interesses de ordem confessional e a ele é indiferente o conteúdo de instituições religiosas. Estão fora do alcance do poder do Estado”, diz.

O ministro Celso de Mello afastou possível ofensa ou dano potencial à liberdade religiosa caso o Estado adote medidas para prevenir e reprimir criminalmente práticas homotransfóbicas, da mesma forma que pune o ultraje a sentimento religioso. Liberdade religiosa é inerente à democracia, continuará protegida, disse.

Ele ressalta, contudo, que nenhuma liberdade é absoluta e que eventuais abusos dessa liberdade religiosa poderão ser apreciados pela Justiça. Discursos de ódio, ele ressalta, não estão protegidos pelo direito a liberdade de expressão. "A incitação ao ódio público, contra qualquer público ou pessoa, não está protegida pela cláusula constitucional que garante a liberdade de expressão", ressalvou.

Neste caso, há hipóteses como excludentes de ilicitude. Sem prova do dolo, não se pune. Então, só a leitura de passagens bíblicas que apenas narram o que diz o livro religioso não é punida. Apenas incitações ao ódio deverá ser caracterizada nos tipos penais do crime de racismo.

O decano é relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, apresentada pelo Partido Popular Socialista (PPS). Além da ADO, o STF julga em conjunto o Mandado de Injunção 4733, apresentado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), que tem o ministro Luiz Edson Fachin como relator. Ele será, portanto, o próximo a votar.

ADO 26

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