Opinião

É preciso repensar os contratos dos planos de saúde com as redes credenciadas

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20 de fevereiro de 2019, 15h08

A Resolução Normativa 363, de 11 de dezembro de 2014, editada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), estabeleceu as regras para a celebração de contratos escritos entre as operadoras de planos privados de assistência à saúde e os prestadores de serviços de atenção à saúde, determinando que esses devem estabelecer com clareza as condições para a sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, estabelecendo as cláusulas mínimas obrigatórias que aludidos contratos devem conter.

Foi estabelecido que, a partir de 22 de dezembro de 2014, os novos contratos já deveriam observar a citada norma, bem como que as cláusulas dos contratos escritos celebrados anteriormente à vigência da citada resolução deveriam ser ajustadas (adaptadas) em até 12 meses, contados do início da vigência da mencionada resolução.

Chamamos especial atenção para as cláusulas de reajuste dos valores, deixando expresso que a Lei 13.003, de 2014, que deu origem à citada resolução, assim como as RNs 364 e 365, estabeleceram a obrigatoriedade do reajuste anual dos valores contratados, ou seja, a indexação anual obrigatória, deixando para as partes, dentro do princípio da autonomia da vontade, a fixação da forma de reajuste, que deve ser aplicada anualmente na data de aniversário do contrato.

Citada norma permitiu a previsão da livre negociação como forma de reajuste, estabelecendo que o período de reajuste será de 90 dias corrigidos, improrrogáveis, contados a partir de 1º de janeiro de cada ano, devendo o reajuste acertado ser aplicado na data de aniversário do contrato.

Todavia, havendo a previsão da livre negociação como forma de reajuste e as partes não chegando a um acordo ou não realizando a negociação determinada, prevalecerá o índice de reajuste definido pela ANS, que é o IPCA, que não incidirá sobre órteses, próteses, materiais e medicamentos e que será aplicado em conjunto com o fator de qualidade, cujos critérios foram recentemente alterados pela ANS.

Portanto, se o contrato já estabelece, de forma clara, o índice (ou percentual de índice) de reajuste, ou até mesmo a livre negociação, porém, com o estabelecimento de índice de reajuste (ou percentual de índice) alternativo caso as partes não cheguem a um acordo, não há que se falar na aplicação do índice de reajuste e do fator de qualidade fixado pela ANS. Nesses casos, se impõe, reitera-se, o princípio da autonomia de vontade, devendo ser respeitado o que foi pactuado.

A aplicação do índice da ANS (e do seu critério de fator de qualidade) somente é aplicável em situação de excepcionalidade, ou seja, somente quando o contrato estabelecer, exclusivamente, a livre negociação, sem a fixação de qualquer índice alternativo.

Cumpre trazer à colação, porém, que a ANS, ainda recentemente, por meio da Resolução Normativa 436, de 3 de dezembro de 2018, estabeleceu que as partes “na composição da remuneração e os critérios de reajuste deverão considerar os atributos de qualidade e desempenho da assistência à saúde, previamente discutidos e aceitos pelas partes”, devendo aludidos atributos já serem considerados nos contratos firmados ou renovado a partir da edição da mencionada norma.

Também alterou os percentuais de Fator de Qualidade (115%, 110% ou 100% do IPCA), porém esses somente serão obrigatórios naquelas situações de aplicação do índice da ANS porque as partes estabeleceram a livre negociação “pura” e não chegaram a um acordo ou não realizaram tais tratativas no período de 1º de janeiro a 31 de março de cada ano. O fator de qualidade da RN 364 não se confunde com a fixação de atributos de qualidade e desempenho previsto na RN 436, que alterou o parágrafo 1º do artigo 12 da RN 363.

Como bem leciona o professor Pedro Gonçalves, da Universidade de Coimbra, a regulação pode ser realizada através de lei, por norma do agente regulador ou até mesmo pelo contrato, sendo que in casu tanto a Lei 13.003, de 2014, como as resoluções que foram editadas pela ANS delegaram às partes, através do contrato, estabelecer as condições mínimas obrigatórias para a mencionada contratualização, não fixando o conteúdo das cláusulas, mas, sim, as cláusulas que devem ser pactuadas com clareza entre as partes.

Entendemos, portanto, que a obrigatoriedade da consideração de atributos de qualidade e desempenho da assistência é condição que se aplica, necessariamente, no processo negocial, não se fazendo mister, de pronto, a inserção do conteúdo dos mencionados critérios no contrato vigente, não obstante a sua conveniência, principalmente se as partes ainda não chegaram a um acordo com referência a modelos alternativos de remuneração e reajuste, ou seja, se ainda estão se valendo da fórmula denominada fee-for-service.

A mudança do modelo é um desejo da sociedade, porém a norma não pode, sob pena de contrariar o princípio da autonomia da vontade, obrigar a adoção de alguma das formas conhecidas no mercado internacional. A ANS pode e deve induzir comportamentos e até obrigar a discussão dos citados atributos de qualidade e desempenho, porém não pode fixar o conteúdo das citadas cláusulas, tendo as partes liberdade de contratar e fixar as condições do contrato.

Recomenda-se, porém, que seja inserido no contrato cláusula deixando expresso que as partes irão observar em suas negociações de remuneração e reajuste os citados atributos de qualidade e desempenho, até mesmo em face do disposto no parágrafo único do artigo 7º da RN 436, porém sem a necessidade do estabelecimento das citadas condições, pois muitas vezes as partes ainda não possuem a expertise, o know how ou a necessária confiança para o estabelecimento dos chamados modelos alternativos de remuneração, que devem ser buscados, mas que não podem ser impostos pelo órgão regulador.

O prazo de adaptação dos contratos firmados anteriormente à edição da RN 363, já expirou em 22 de dezembro de 2015, bem como os contratos firmados a partir de 22 de dezembro de 2014 já deveriam observar os requisitos das RNs 363 e 364, constatando-se, ainda hoje, que muitas operadoras ainda não concluíram o seu processo de adaptação e/ou adequação, pois muitos de seus contratos ainda não preenchem todos os requisitos das citadas normas, constatando o órgão regulador que, muitas vezes, mesmo naqueles que foram adaptados ou redigidos após a vigência das citadas normas, diversas cláusulas e condições não são claras e/ou estão em desconformidade com os princípios estabelecidos nos normativos e/ou na Lei 9.656, de 1998, principalmente com referência: a) à remuneração de materiais e medicamentos de uso hospitalar; b) à remuneração por pacotes; c) a dificuldades de negociação contratual; d) a glosas sobre o faturamento apresentado; e) ao não pagamento da remuneração devida pelo procedimento; f) à aplicação irregular ou não aplicação do reajuste previsto no contrato ou determinado pela ANS; g) à falta de clareza com referência a rescisão contratual; i) à discussão sobre as OPMEs; h) a outras questões que não ficaram claras nos contratos firmados.

Essa falta de precisão ou clareza afeta o relacionamento entre as partes, podendo resultar em sérios prejuízos aos beneficiários e a aplicação de sanções pela ANS às operadoras de planos privados de assistência à saúde.

Por tais razões, urge que as operadoras revejam e discutam os seus contratos de credenciamento, principalmente em face das mudanças que estão ocorrendo no mercado e de novas exigências das legislações dos planos de saúde, do compartilhamento de dados, dos modelos de remuneração e custeio, sem contar com novos modelos de contratação que surgiram (ou estão surgindo) no mercado e a necessidade da adoção de mecanismos de gerenciamento de riscos, governança corporativa e compliance, que estarão sujeitos a requisitos de certificação e acreditação definidos ou a ser definidos pela ANS.

Rever e repensar os contratos de credenciamento é condição fundamental, não somente para evitar as penalidades da ANS, que são elevadas, mas também para inserir os contratos dentro dos novos mecanismos de governança, gestão de riscos, controle e aperfeiçoamento das operadoras de planos privados de assistência à saúde.

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