TIRO NO PÉ

Advogado que expôs antecedente em processo não será indenizado

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20 de fevereiro de 2019, 7h33

Se o próprio advogado traz ao processo os seus antecedentes criminais, dando ciência dos fatos de sua vida pregressa a todos os atores judiciais, não há motivo nem fundamento para se falar em pedido de reparação moral ao procurador da parte adversa por difamação, crime previsto no artigo 139 do Código Penal.

Por isso, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul  manteve,  na integra,  sentença que negou indenização por danos morais a um advogado que atua na Comarca de Pelotas. Tal como o juízo de origem, os desembargadores entenderam que foi o próprio autor, e não o procurador da parte contrária, que anexou ao processo a ata notarial com os seus antecedentes criminais. Além do mais, as informações são de conhecimento público e foram obtidas de forma lícita.

"Percebe-se que o autor imputa aos demandados a prática do crime de difamação, contudo, diante dos fatos narrados, tem-se que não restou demonstrado que o réu tenha atuado com a intenção de difamar Dilmar, mas tão somente alertar a sua ex-companheira, conforme já mencionado", escreveu no acórdão o relator da Apelação no colegiado, desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto.

Antecedentes criminais
Em 5 de novembro de 2015, o advogado Cristiano Lisboa Martins pediu ao 2º Tabelionato de Notas de Porto Alegre que realizasse uma pesquisa nos antecedentes criminais, a partir de informações disponíveis no Google, do também advogado Dilmar Saraiva Belchior. Este último, à época, estava representando os interesses da ex-esposa daquele, numa ação de Direito de Família, com pedido de guarda compartilhada, que tramitou na Comarca de Pelotas.

Com os documentos em mãos, segundo a inicial indenizatória, Cristiano entregou uma cópia para a sua ex-esposa, cliente de Belchior, com o intuito de, por constrangimento, causar a ruptura na relação advogado-cliente. Para completar, em 4 de dezembro, Cristiano e Bráulio Dinarte da Silva Pinto, seu advogado, protocolaram uma petição naquele processo, informando os antecedentes de Dilmar. Tudo, segundo este, com o intuito de constrangê-lo e difamá-lo frente ao juízo e servidores da 1ª Vara de Família daquela comarca, assim como diante do Ministério Público.

Dilmar sustentou que os documentos anexados ao processo de família não tinham qualquer relação com a lide nem com o interesse das partes. Afirmou que os fatos noticiados, embora verdadeiros, fazem parte de um passado remoto, antes de sua graduação em Direito. Observou que a própria juíza determinou a retirada dos documentos daquele processo, tendo em vista sua inutilidade para o deslinde da causa. Em face dos fatos narrados, pediu que Cristiano e Bráulio fossem condenados a indenizá-lo por perdas e danos morais.

A versão dos réus
Citado pela 3ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, Cristiano contestou. Afirmou, primeiro, que foi o próprio autor que juntou aos autos a informação das suas condenações criminais, a matéria jornalística da sua prisão e uma declaração da cliente sobre os fatos ocorridos entre ela e o demandado Cristiano. Tudo com o intuito de ajuizar a presente ação indenizatória.

Posteriormente, citou o momento específico em que o autor o acusou de ser usuário de drogas e alcoólatra, sustentando que foi nesse contexto que soube, pela imprensa, de seu envolvimento pretérito com uma grande apreensão de drogas. Assim, como pai da criança que estava em disputa de guarda, alertou a mãe para que não colocasse a criança em contato com Dilmar. Tal pedido, garantiu, foi feito em conversa particular entre o casal. Afinal, o advogado autor, além de um passado "conturbado", teria um histórico de ofensas a magistrados da comarca. Durante a fase de instrução, por não ter intimidade com a "matéria familista", o ofendeu várias vezes, tornando o processo conflituoso.

Bráulio, por sua vez, disse que jamais orientou o seu então cliente Cristiano a realizar qualquer pesquisa da vida pregressa de Dilmar, assim como não enviou nenhum documento à cliente dele. Também garantiu que não teve qualquer contato com a ex-esposa de Cristiano sem que ela estivesse acompanhada de seu advogado. Informou que só tomou conhecimento dos fatos narrados na inicial indenizatória mediante a petição acostada pelo autor nos autos daquela ação familiar.

Sentença improcedente
A juíza Jane Maria Köhler Vidal não viu nexo, na seara da responsabilidade civil, entre a ação dos réus e o suposto dano causado ao autor, como delineado na conjugação dos artigos 186 e 927 do Código Civil. Ou seja, as condutas descritas na inicial não podem ser consideradas causadoras de dano moral. Logo, não se poderia falar em dever de indenizar.

Para a juíza, a divulgação de fatos do passado naquele processo decorreu de ato do próprio autor, mediante petição veiculada naquela demanda. Além disso, ditas informações não foram retiradas de meios ilícitos nem serviram para denegrir a imagem do advogado, conforme declaração da própria cliente em juízo.

"Assim, um evento externo ganhou a repercussão temida pelo autor quando ele trouxe à baila todos os eventos ocorridos. Soma-se a isso o fato de que as cópias do processo demonstram a beligerância existente entre as partes", complementou na sentença, que julgou a ação improcedente.

Por fim, a juíza afirmou que a conversa havida entre Cristiano e sua ex-mulher, na qual foi mencionada a condenação criminal do advogado dela, fato que é verdadeiro, ocorreu no âmbito privado, entre o casal. E não há provas de que tal informação tenha tido repercussão negativa na imagem ou na atuação profissional do autor. Afinal, no decorrer daquela demanda, o próprio advogado decidiu deixar a causa, e não foi destituído.

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Processo 001/1.16.0115416-0 (Comarca de Porto Alegre)

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