Constituinte clássico

Autobiografia de Afonso Arinos é relato de agente da história brasileira

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19 de fevereiro de 2019, 11h35

Afonso Arinos de Melo Franco talvez seja a maior tradução de "agente da história" que o Brasil teve no século 20. Deputado, senador, ministro e jurista, trafegou da democracia à ditadura e voltou à democracia, deu nome a lei, xeque-mate em presidente e organizou as bases da Constituição que rege nossas vidas hoje em dia. Em posição de destaque junto às mãos que mandavam e às cabeças que pensavam, circular entre o poder e a intelligentsia sempre lhe foi natural.

Edição unificada da autobiografia de Arinos

Toda essa saga foi contada em detalhes pelo próprio Afonso Arinos em caudalosa autobiografia lançada em partes. Recentemente, a editora Topbooks relançou A Alma do Tempo em volume único de 1.779 páginas.

Nascido em Belo Horizonte em 1905, o membro da Academia Brasileira de Letras está um tanto encravado na memória popular pela Lei Afonso Arinos. Elaborada por ele e promulgada por Getúlio Vargas em 1951, proibia a discriminação racial.

Mas pouco tempo depois, em 1954, essa dupla já não se mostrava mais afinada. No dia 23 de agosto daquele ano, o então deputado e chefe da UDN na Câmara Afonso Arinos fez um discurso contundente pedindo a renúncia do presidente Getúlio Vargas. A base do ataque foi o infame e histórico atentado da rua Tonelero, quando membros da segurança pessoal de Getúlio tentaram assassinar o jornalista Carlos Lacerda, maior crítico do governo.

Getúlio Vargas e Afonso Arinos conversam em 1953Arquivo Nacional

Duas semanas depois o presidente se matou. A relação entre o discurso e o tiro no peito já é aceita como fato histórico. O jornalista Villas-Boas Corrêa classificou a fala de Arinos como "o maior discurso político já feito no Brasil".

Excelência: Preze o Brasil que repousa na sua autoridade; preze a sua autoridade, sob a qual repousa o Brasil. Tenha a coragem de perceber que o seu Governo é, hoje, um estuário de lama e um estuário de sangue; observe que os porões do seu palácio chegaram a ser um vasculhadouro da sociedade; verifique que os desvãos de sua guarda pessoal são como subsolos de uma sociedade em podridão. Alce os olhos para o seu destino e observe as cores da bandeira, e olhe para o céu, a cruz de estrelas, que nos protege, e veja como é possível restaurar-se a autoridade de um governo que se irmana com criminosos, como e possível restabelecer-se a força de um Executivo caindo nos últimos desvãos da desconfiança e da condenação."
(discurso de Afonso Arinos dirigido ao presidente Getúlio Vargas em 23 de agosto de 1954)

Principal constituinte
Arinos formou-se em 1927 em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e logo se tornou promotor público. Passou a dar aulas de Direito e chegou a ministrar um curso de cultura brasileira na Sorbonne, em Paris.

Afonso Arinos é autor de diversos livros sobre Direito Constitucional

Autor de diversos livros sobre Direito Constitucional, foi eleito deputado constituinte em 1987. Neste momento, presidiu a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, que tinha como missão elaborar o anteprojeto da Constituição. O grupo ficou conhecido como Comissão Afonso Arinos.

Embora o anteprojeto da Comissão Afonso Arinos não tenha sido formalmente adotado no processo de elaboração da Constituição de 1988, exerceu grande influência sobre o trabalho dos constituintes.

Chanceler
Outra atuação de destaque de Afonso Arinos foi como ministro de Relações Exteriores do governo de Jânio Quadros. Foi o primeiro chanceler brasileiro a ir à África, tendo visitado o Senegal em 1961. Chefiou a delegação brasileira na ONU em Nova York em duas ocasiões.

Não é verdade que Afonso tem o rei na barriga. Pode ser que o jeito da barriga seja o de quem tem rei lá dentro. Mas o que Afonso tem na barriga é um berço. No fundo Afonso é humilde e bom como o pão."
(Manuel Bandeira)

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