Gestão do tribunal

"Não dá para administrar R$ 12 bilhões sem os princípios básicos da economia"

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30 de junho de 2019, 7h00

O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Manoel Pereira Calças, aponta como grande marca da sua gestão a racionalização da administração do tribunal. Exemplifica com a redução de cargos, a fusão de secretarias e a renegociação de contratos de aluguel.

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SpaccaPresidente do TJ-SP quer deixar como marca da sua gestão a racionalização de recursos

A administração pública tem um mau costume de imaginar que os cofres do tesouro são mananciais que nunca se esgotam, o que não é verdade. Não posso administrar uma instituição do porte do Tribunal de Justiça, que tem um orçamento que supera R$ 12 bilhões por ano, sem levar em conta os princípios básicos da economia”, disse.

O balanço de sua gestão à frente do tribunal, que será divulgado pelo Anuário da Justiça em 11/9, é positivo e consistente. Ele entra para a história do tribunal como um de seus melhores gestores. Corajoso e pragmático, enfrentou interesses localizados em favor da coletividade. Não fez média com ninguém, como mostra o Anuário. Ele cita, com orgulho, o projeto do novo prédio do tribunal, que vai reunir os gabinetes dos 360 desembargadores em um mesmo local. “Minha menina dos olhos”, afirmou. Pereira Calças o projeto pronto e aprovado para o próximo presidente. O mandato de Pereira Calças termina em dezembro deste ano.

Até lá, já adiantou que não haverá reajuste salarial aos servidores do tribunal. “Não há dinheiro. Não adianta sindicalista ficar bravo. Quem não estiver satisfeito, tem que ir embora ”, afirma. O recado também vale para os juízes: “Ninguém vem para a magistratura para ficar rico. Tem que ter uma vida digna, é claro. Mas para ficar rico tem que ir para a iniciativa privada.”

Leia a entrevista:

ConJur — Como estava a situação do Tribunal quando o senhor assumiu? O que conseguiu fazer e qual é a situação hoje?
Manoel Pereira Calças Na parte de gestão, o primeiro objetivo era a racionalização da administração do tribunal, a aplicação de princípios da ciência da administração, e imprimir valores que são aplicados na iniciativa privada. Isso porque, no meu modo de ver, a gestão da coisa pública, por excesso de burocratização, acaba sendo muito lenta na solução dos problemas urgentes e mesmo na preparação dos projetos que se pretende implantar. Eu fui criado numa família de empresários e aprendi desde o começo que o orçamento de uma empresa ou de uma instituição é a pedra angular para você ter sucesso nos seus objetivos.

ConJur — O senhor acredita que o tribunal era administrado sem profissionalismo ou a burocracia atrapalhou?
Manoel Pereira Calças Eu não posso dizer isso. A administração pública tem um mau costume de imaginar que os cofres do tesouro, seja nacional, estadual ou municipal, são mananciais que nunca se esgotam, o que não é verdade. Os recursos públicos são arrecadados com base no recolhimento dos impostos dos tributos em geral que os cidadãos pagam. Então, não posso administrar uma instituição do porte do Tribunal de Justiça, que tem um orçamento que supera R$ 12 bilhões por ano – maior que alguns Estados e que grandes empresas brasileiras – sem levar em conta os princípios básicos da economia. E o maior dos princípios, a regra de ouro, é não gastar mais do que você tem à disposição.

ConJur — A Justiça Paulista estava gastando mais que seu orçamento?
Manoel Pereira Calças Normalmente, não é só a Justiça Paulista. Os governos, os administradores públicos gastam mais do que têm. Por isso foi criada a Lei da Responsabilidade Fiscal anos atrás. Para evitar e tornar crime gastar mais do que tem. Mas, de qualquer forma, você precisa verificar quais são os objetivos primordiais que pretende atingir e canalizar os recursos financeiros para isso. Por exemplo, uma questão de recursos humanos. Nós tínhamos no tribunal a nomeação de coordenadorias e supervisões de chefias que, muitas vezes, não observavam a racionalidade dos princípios da administração moderna. Não é possível ter mais chefes que chefiados. Então, no setor de recursos humanos, tivemos grandes reformas administrativas, com uma redução sensível de cargos de chefia e a fusão de três secretarias em uma. Outra mudança foi na administração patrimonial do tribunal. Nós restituímos um número muito grande de prédios alugados ao Tribunal de Justiça. Por dois motivos: primeiro, pela adoção do processo virtual. Com a diminuição de processos em papel, o espaço que era utilizado para a colocação dos arquivos acaba sendo reduzido. Com isso, tivemos a possibilidade de restituir prédios locados e o adensamento das atividades jurisdicionais dos cartórios em prédios mais reduzidos. O segundo motivo foi a renegociação dos valores locatícios. Nós conseguimos o abatimento no valor dos aluguéis mensais em todas as renegociações de contratos.

ConJur — O valor do aluguel diminuiu em todos os casos que foram renovados?
Manoel Pereira Calças — De 20 a 30%. Isso significa que os aluguéis estavam superfaturados? Não. O mercado imobiliário brasileiro, por força da crise, reduziu tanto o valor de venda dos bens imóveis quanto os locatícios. E nós usamos isso, e é correto, porque na lei de locações você pode pedir a ação renovatória, que é própria para o reajustamento do locatício, a preços de mercado. Com isso, pudemos negociar em outras condições. Não foi milagre, apenas usamos a teoria da economia e a realidade do mercado. Tem prédio que estava alugado por R$ 700 mil, e do outro lado da Marginal, eu conseguia por R$ 400 mil. Falei: ‘olha, nós vamos devolver o prédio. Eles nos oferecem por R$ 400 mil e ainda vão adaptar’. Aí o proprietário acaba falando: ‘Não. Eu reduzo para R$ 400 mil’. Ótimo, vamos prestigiar o antigo locador.

ConJur — E como está o projeto do prédio novo?
Manoel Pereira Calças — Está quase pronto e vai mudar o centro de São Paulo. É a minha menina dos olhos. Nós vamos colocar todos os desembargadores no mesmo prédio e não vamos alugar mais nenhum local para gabinete. O Hilton, por exemplo, fica em mais de R$ 1,5 milhão, o criminal mais R$ 1,5 milhão por mês. E nós ainda pagávamos outro valor para a seção de Direito Privado.

ConJur — Além da questão financeira, qual seria a vantagem de juntar todos os desembargadores no mesmo prédio?
Manoel Pereira Calças — Vantagem logística. Em primeiro lugar, menos gastos com transporte dos desembargadores para as sessões. Com um prédio só, a segurança também é reduzida. Os juízes têm que ter segurança. As pessoas pensam que os que correm mais riscos são da área criminal, mas não, são da área de família. Os grandes problemas de ataques aos juízes envolvem questões ligadas à guarda de menores, a divórcios, a separações judiciais onde as paixões se afloram com mais intensidade.

ConJur — Há um plano de aumentar o número de cargos?
Manoel Pereira Calças — Espero que não, porque sou totalmente contra. Com o processo virtual e, principalmente, a possibilidade de ampliar as assessorias, tal qual ocorre no STF e no STJ, não há necessidade de novos desembargadores.

ConJur — Em vez de aumentar o número de desembargadores, ampliar o gabinete?
Manoel Pereira Calças — Exatamente. Os gabinetes do STJ e do STF são muito maiores. Essa concepção usada nos tribunais superiores é mais adequada e econômica. Hoje, no TJ, cada gabinete tem quatro assessores e dois escreventes. Nada impediria que houvesse seis, oito assessores. A despesa é muito menor e ainda há investimentos na capacitação dos servidores. Pelo menos, idealmente, é isso que imagino como o futuro do Poder Judiciário.

ConJur — As Câmaras Extraordinárias acabaram? A que se deve a redução do acervo dos desembargadores?
Manoel Pereira Calças — As Câmaras Extraordinárias praticamente acabaram. Nós quase não temos mais acervo. O acervo que existe é pontual de algum problema de gabinetes que receberam acervos anteriores, mas o tribunal em si não tem mais. A adoção do sistema de Câmaras Extraordinárias foi muito eficiente e conseguiu exaurir o acervo global do tribunal. Agora, isso se deve também à intensa implementação do processo virtual.

ConJur — Por que o senhor acredita que o sistema da Microsoft seria o melhor para o tribunal (o contrato foi suspenso pelo Conselho Nacional de Justiça, mas foi amplamente defendido pelo presidente)?
Manoel Pereira Calças — O contrato foi feito depois de profundos estudos com nossa Secretaria de Tecnologia e Informação, em que se constatou uma pletora de queixas sobre o funcionamento do eSAJ. O sistema eSAJ, que foi criado para o TJ de forma customizada, fez muito pela Justiça paulista. Gradualmente, fomos investindo na capacitação dos servidores, e obtendo, graças a aditivos contratuais, uma melhoria no sistema. Mas eu fui eleito para resolver problemas. Como todo mundo se queixa do sistema, tive que encontrar algo melhor. Se eu cobrei a empresa e ela não atendeu às melhorias e às ferramentas que nós necessitamos, tenho que procurar outro prestador de serviço. E foi isso que nos moveu a buscar algo diferente e mais inovador. Nós procuramos Amazon, Google e Microsoft. Os três foram convidados a participar do certame. Depois, procuramos saber se, com base na Lei de Inovação, poderíamos contratar sem licitar, a chamada contratação direta. Acionamos a USP, a maior e mais respeitada universidade da América Latina. Contratamos a Fundação Arcadas e dois professores deram parecer favorável à contratação direta. A Softplan também foi contratada sem licitação, pela notória especialização à época. Economicamente, o contrato também era muito bom. Nem que fosse mais caro, eu pagaria mesmo assim. Hoje, o orçamento anual do tribunal é de R$ 12 bilhões. Em cinco anos, são R$ 60 bilhões. Então, R$ 1,3 bilhão do contrato com a Microsoft é 2% desse total. Gastar esse percentual em TI está abaixo da média das grandes empresas, que é de 3,5%.

ConJur — Como os juízes, desembargadores e funcionários do tribunal reagiram à negociação com a Microsoft?
Manoel Pereira Calças — O Órgão Especial aprovou por votação unânime tudo. Acho que não preciso responder mais nada. O Órgão Especial é o órgão de cúpula. Conseguir 25 votos dos 25 desembargadores do órgão de cúpula do tribunal é inédito. A maior parte dos juízes é a favor. Tivemos alguns pontos de vista contrários de pessoas que se sentiram ofendidas porque não foram ouvidas na etapa de estudos. Durante uma fase, com base na Lei de Inovações, estabelecemos o sigilo do processo, por força das informações. Muita gente gostaria de ter sido informada, mas não foi e ficou magoada. De qualquer forma, São Paulo precisa se preparar para o futuro. Ou nós ficaremos deitados em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo?

ConJur —  Qual é a situação dos servidores do tribunal?
Manoel Pereira Calças — Os servidores estão bem pagos, ganham muito mais que na iniciativa privada. Um escrevente ganha muito bem, não vamos dar o nível universitário para escrevente porque o tribunal não aguenta, não há recurso para isso. Fizemos a reposição das perdas inflacionárias e uma reposição da gestão anterior. Os servidores trabalham em horário e ambiente bons, não podem se queixar. Nem os juízes e desembargadores, que também ganham muito bem no Brasil. Os nossos motoristas ganham mais que os motoristas da iniciativa privada. Os nossos ascensoristas mais que os ascensoristas da iniciativa privada. E os nossos escreventes, mais que os auxiliares de escritórios da iniciativa privada, em torno de R$ 6 mil líquido para uma jornada de oito horas por dia. Tanto que você não vê ninguém saindo daqui para a iniciativa privada. Pelo contrário. Há engenheiro, sociólogo, economistas, administrador de empresas fazendo concurso para escrevente.

ConJur — O senhor já disse que não vai ter reajuste?
Manoel Pereira Calças — Não. Não há dinheiro. O Estado de São Paulo não tem dinheiro hoje para aumentos. Não adianta sindicalista ficar bravo. Tem que ir embora quem não estiver satisfeito. E os juízes também. Ninguém vem para a magistratura para ficar rico. Tem que ter uma vida digna, é claro. Mas para ficar rico tem que ir para a iniciativa privada.

ConJur — A gente tem sentido um aumento do número de aposentadorias, de desembargadores que estão saindo antes dos 75 anos. Muitos estão indo para a iniciativa privada ou decidem dar aulas. Há essa tendência?
Manoel Pereira Calças — Não. Eu soube que em outras carreiras isso ocorreu. Aqui, não. No Tribunal de Justiça de São Paulo, nem de servidores. Nós não tivemos, por ora, uma debandada, apesar de todos esses boatos sobre a Reforma da Previdência. Se tivermos uma debandada, estamos preparados porque temos escreventes concursados em número suficiente. Temos um plano B. Mas até agora não houve. E eu não estou nem um pouco preocupado.

ConJur — Teve uma lei aprovada no final do ano passado que permite que a vara seja criada, mas o tribunal decida onde ela vai ser instalada.
Manoel Pereira Calças — Foi uma grande vitória do tribunal. Nós podemos realocar, alterar, modificar cargos, varas, de um lugar para outro. Por exemplo: uma comarca que tem 20 juízes auxiliares criados e dez providos. Dez estão lá, aguardando oportunidade. Nisso, outra comarca próxima tem um crescimento econômico-social muito grande. Você pode realocar as varas entre essas comarcas. O tribunal estava muito engessado antes dessa lei. Toda vez que precisava mudar alguma vara, tinha que acionar a Assembleia Legislativa.

ConJur — O plano plurianual está chegando ao fim. Já há algo previsto para os próximos cinco anos?
Manoel Pereira Calças — Já está sendo preparado. Antigamente, era uma secretaria com 16 pessoas que estudava o plano. Reduzimos para uma diretoria, que continua trabalhando. O plano está em andamento e vai ser apresentado na época adequada.

ConJur — Que avaliação o senhor faz das reportagens do site The Intercept Brasil, que mostram o ex-juiz Sergio Moro orientando o trabalho dos procuradores da “lava jato”? Se ficar provado que Moro influenciou na investigação, e atuou em conluio com a acusação, isso poderia invalidar provas ou anular a operação?
Manoel Pereira Calças — Acho que o impacto muito maior é político. A quem interessa desqualificar tudo aquilo que ocorreu no âmbito da operação “lava jato”? E respondo com outra pergunta: a quem beneficia? Essa é a pergunta que eu faço. Alguém praticou um crime para desqualificar uma investigação feita pelo Poder Judiciário, pelo Ministério Público e que foi já analisada pelo Judiciário em diversas instâncias.

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