Opinião

Por que os juízes ainda se recusam a obedecer ao novo CPC?

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16 de fevereiro de 2019, 6h39

Recebido com entusiasmo pela comunidade jurídica, o novo Código de Processo Civil foi promulgado em 2015 com a promessa de conferir celeridade e segurança às decisões judiciais. Passados, no entanto, três anos desde a sua entrada em vigor, ainda não há muito que comemorar.

Um dos principais avanços do novo código trata da fundamentação das decisões judiciais e prevê requisitos específicos para que uma decisão seja considerada válida, dentre os quais a obrigação de enfrentar todos os argumentos apresentados pelas partes no processo (artigo 489, parágrafo 1º, inciso III). Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça foi o primeiro a descumprir essa regra, ao decidir que a mesma não se aplica quando o juiz já tiver “encontrado motivo suficiente para proferir a decisão”[1]. Ou seja, o juiz decide o que quer fundamentar.

Outra importante conquista da nova lei processual diz respeito ao estímulo à solução consensual dos conflitos e obriga os juízes a agendarem uma audiência prévia de conciliação entre as partes, sempre que possível (artigo 334). Essa regra, no entanto, vem sendo ignorada pelos juízes[2], sob a alegação de que poderia trazer morosidade ao processo, esquecendo-se da possibilidade de acordo, que pouparia anos de discussão às partes envolvidas no litígio.

Mas a afronta mais acintosa ao novo CPC trata dos chamados honorários de sucumbência, ou seja, aquele valor que a parte vencida deve pagar ao advogado da parte vencedora, como parte de sua remuneração, minimizando os custos da ação judicial para a parte vencedora e inibindo demandas frívolas ou com poucas chances de sucesso. Em especial, nas causas que envolvem a Fazenda Pública.

Isso porque, na vigência do código anterior, quando o poder público vencia uma ação judicial, o particular era obrigado a pagar honorários de sucumbência em percentuais que variavam entre 10% e 20% do valor da condenação. Já quando o vencedor era o particular, o valor dos honorários era fixado pelo juiz de acordo com o seu livre convencimento, o que, não raras vezes, resultava em valores irrisórios e aviltantes ao trabalho desempenhado pelo advogado[3].

Para corrigir essa distorção e criar um tratamento igualitário entre as partes, o novo CPC previu que não há mais discriminação no valor dos honorários quando a Fazenda Pública for vencedora ou vencida, fixando patamares para os percentuais a serem aplicados, inversamente proporcionais ao valor da condenação. Além disso, para inibir recursos protelatórios, o novo código previu a obrigação de majoração do valor desses honorários pelo tribunal que julgar o recurso considerado improcedente (artigo 85, parágrafos 3º e 11).

Ocorre que alguns juízes vêm, simplesmente, se recusando a aceitar tais mudanças, buscando justificativas para tentar manter a regra prevista no código anterior, como se percebe no seguinte trecho, extraído de uma recente sentença, proferida pelo juiz federal substituto da 15ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, Felipe Eugênio de Almeida Aguiar: “Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, a possibilidade de fixação dos honorários advocatícios por apreciação equitativa do magistrado continua presente, conforme se verifica pela redação do art. 85, §8º”[4].

O dispositivo mencionado pelo magistrado no trecho acima, no entanto, trata de uma exceção à regra geral, prevista somente para as “causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico”, o que não representa a maior parte das ações judiciais envolvendo a Fazenda Pública.

Em outra recente decisão, a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, confrontada quanto à omissão da condenação da parte vencida ao pagamento dos honorários recursais, limitou-se a dizer que “a matéria discutida nos autos é eminentemente de direito e repetitória, razão pela qual devem ser mantidos os honorários advocatícios fixados na sentença”5. Ou seja, a turma criou requisitos para a aplicação do artigo 85, parágrafo 11 do CPC/2015, não previstos na lei.

Mas, voltando à pergunta que inaugura este artigo, por que alguns juízes se recusam a obedecer ao novo CPC?

De acordo com o recém-eleito presidente da OAB-PR, Cássio Telles, “parte da magistratura paranaense tem confiado a tarefa de decidir e julgar a assessores, deixando de ler e revisar os projetos de decisão”, o que estaria levando a um número maior de erro nas decisões judiciais[6]. Já para o jurista Lenio Streck, a explicação estaria no apego da magistratura ao “livre convencimento”, ou seja, ao subjetivismo na tomada de decisões, que faz com que convicções particulares se sobreponham às opções legislativas[7], que parece mais acertada.

As metas aprovadas pelo Conselho Nacional de Justiça para o Judiciário brasileiro alcançar no ano de 2019 envolvem julgar mais processos que os distribuídos; julgar processos mais antigos e priorizar o julgamento de casos que estejam na pauta do dia, como os casos de corrupção e envolvendo feminicídio[8]. Não há qualquer menção à qualidade da prestação jurisdicional ou à redução das decisões de instâncias inferiores reformadas pelos tribunais superiores, o que denota a falta de preocupação com o teor das decisões.

Ademais, o exemplo vem de cima. Se o Superior Tribunal de Justiça não obedece à lei, por que os juízes das instâncias inferiores o deveriam fazer? Se o juiz não concorda com o legislador, simplesmente deixa de aplicar a lei. Ou, nas palavras do professor Lenio Streck, “o que diz a lei? Não importa. O importante é saber o que dizem os tribunais acerca do que que queria ter dito o infeliz do legislador”.

E, nesse sentido, são estarrecedoras as palavras do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio Noronha, durante evento jurídico realizado no Rio de Janeiro, quanto ao que disse e ao que deveria ter dito o legislador, ao promulgar o Código de Processo Civil de 2015: “o novo CPC foi feito para dar honorários para advogado. (…) Há um movimento no Brasil de que o povo tem que dar emprego para o advogado”[9].

Esquece-se sua excelência, no entanto, que sem o advogado não há Justiça e que, por esse motivo, é a Constituição que exige sua presença face às arbitrariedades passíveis de serem perpetradas pelas autoridades instituídas, como produto de sua subjetividade (artigo 133). Mas, afinal de contas, o que diz a Constituição? Importa?

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