Opinião

Discussão sobre stock option plans está longe do fim

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14 de fevereiro de 2019, 5h02

A mecânica envolvendo a elaboração e concessão de planos de opção de compra de ações (stock option plan) é complexa, especialmente por envolver aspectos tributários, previdenciários e trabalhistas, sem contar nos aspectos contábeis. Justamente por conta dessa multidisciplinaridade do tema é que os planos têm sido objeto de intensa discussão em esferas distintas.

A discussão pode seguir na esfera tributária, caso a empresa conceda esse incentivo para seus empregados, mas venha a ser autuada pelo Fisco, como também pode seguir o caminho da Justiça trabalhista, caso o próprio empregado pleiteie a integração dos respectivos valores ao seu salário. Por isso, temos precedentes no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a instância máxima de julgamento administrativo federal, na Justiça comum, nos tribunais regionais federais e na Justiça trabalhista, em especial nos tribunais regionais do trabalho.

Embora as análises sejam feitas sob diferentes pontos de vista — tributário, relacionado à dedutibilidade da despesa por parte da empresa ou à incidência do Imposto de Renda sobre os valores recebidos pelos empregados; previdenciário, referente às contribuições previdenciárias; ou trabalhista, relativo aos encargos sobre o salário —, é importante notar que o ponto focal de controvérsia é o mesmo, qual seja, a definição do caráter mercantil ou remuneratório do plano.

Essa definição passa, essencialmente, pelo exame de três principais requisitos, quais sejam, voluntariedade na adesão, onerosidade na outorga das ações ou opções e risco quanto à variação de preço dos instrumentos patrimoniais. Esses requisitos foram criados pela jurisprudência, já que não estão previstos de forma expressa em lei.

Nas esferas tributárias e previdenciária, a discussão tem se focado no exame dos mencionados requisitos, mas também tem considerado aspectos adicionais, sobretudo após introdução da discussão acerca da precificação do valor justo das ações ou opções outorgadas no âmbito desses planos.

Recentemente, a Receita Federal editou a Solução de Consulta Cosit 258, que trata tanto da incidência do Imposto de Renda como de contribuições previdenciárias sobre Plano de Incentivo de Longo Prazo.

Ao cuidar de uma situação particular envolvendo um plano de premiação para executivos, por meio do qual o indivíduo adquire, mediante pagamento, “ações virtuais”, que, após determinado período de tempo, dão o direito ao valor que corresponderia ao preço de venda de ações reais da empresa — em linhas gerais, essa dinâmica é bem parecida com o stock option plan —, a Receita Federal entendeu que a natureza dos rendimentos auferidos seria remuneratória, exigindo assim as respectivas incidências.

Apesar de o caso envolver um plano cuja adesão é voluntária, que envolve onerosidade, já que os executivos efetivamente pagam pelas ações virtuais, e cujo risco claramente existe, uma vez que o valor das ações pode variar no prazo estipulado contratualmente, podendo o executivo incorrer em ganho ou prejuízo, a Receita Federal entendeu se tratar de um plano remuneratório.

Em síntese, a Receita Federal refutou a natureza mercantil do plano por entender que, em regra, um contrato mercantil pressupõe um contrato que esteja amplamente disponível no mercado. O Fisco destacou que o plano seria concedido para apenas parte dos empregados, altos executivos da empresa que tiveram boa performance, e que o plano estaria diretamente atrelado ao contrato de trabalho, já que, em caso de demissão, aposentadoria ou outros eventos a empresa mesmo assim pagaria valores proporcionalmente ao tempo trabalhado.

Um ponto muito importante analisado foi o matching: para cada opção de investimento pelo empregado, a empresa efetua uma contrapartida, que, na visão da Receita Federal, mitigaria muito o risco de mercado da variação do preço das ações. Esse recente exame feito pela Receita Federal mostra a relevância dos detalhes do plano para fins de determinação da sua natureza jurídica.

É relevante mencionar que, ao analisar outros planos específicos, o Carf ainda não pacificou o seu entendimento sobre o tema. Ao contrário: há uma grande divergência de entendimentos entre as turmas que compõem o conselho — e inclusive entre essas turmas e a própria Receita Federal — sobre (i) qual deveria ser base de cálculo e (ii) qual deveria ser o momento de ocorrência do fato gerador.

A título argumentativo, citamos recente decisão proferida pela 1ª Turma da 3ª Câmara da 2ª Seção do Carf[1], que anulou os autos de infração lavrados pela Receita Federal por entender que o fiscal havia considerado equivocadamente como fato gerador das contribuições previdenciárias a data da outorga das opções de compra.

Nesta ocasião, o Carf entendeu que o fato gerador no caso de plano de stock options ocorre com o efetivo exercício do direito de adquirir ações, mesmo que não tenha havido a efetiva venda a terceiros. Não obstante, o Carf já se posicionou de forma diferente em outras ocasiões: no sentido de que o fato gerador deveria ser a venda das ações e, também, na própria outorga das opões.

Além disso, na esfera judicial, há precedentes favoráveis de TRF afastando a cobrança de contribuição previdenciária e de Imposto de Renda dos empregados reconhecendo que o plano tem caráter mercantil quando presentes, essencialmente, os três requisitos acima mencionados[2].

No mais, os precedentes em matéria tributária e previdenciária que temos hoje, apesar de cuidarem dos detalhes específicos de cada caso concreto e dos requisitos acima, ainda não analisaram com a devida atenção outros dois pontos muito relevantes.

Primeiro, a previsão legal contida no artigo 33 da Lei 12.973/2014, que estabelece, de forma clara, que o pagamento baseado em ações consiste em remuneração, passível de dedução como despesa do lucro real após o efetivo pagamento. Apesar de se referir especificamente à questão da dedutibilidade da despesa, essa determinação tem reflexos nas esferas previdenciária e inclusive trabalhista.

Segundo, os precedentes em regra se limitam a analisar a natureza do plano como um todo: se é mercantil ou remuneratório. Acontece que, na maioria das vezes, a discussão é muito mais complexa: ainda que exista um pagamento baseado em ações dentro do plano, qual é a parcela que representa remuneração? Essa questão tem especial relevância, uma vez que, de acordo com o Pronunciamento CPC 10, as opções de compra de ações são instrumentos patrimoniais distintos das ações a elas subjacentes e merecem um tratamento próprio.

Já na esfera trabalhista, temos decisões relevantes dos TRT sobre o assunto. Recentemente, inclusive, o TRT da 2ª Região analisou um caso envolvendo um empregado de uma grande rede de supermercados que pleiteou a integração das opções de compra de ações ao seu salário. As opções recebidas no período correspondiam a quase 40% do seu salário.

Ao examinar o caso concreto, o TRT entendeu que o fato de o plano estar vinculado diretamente ao contrato de trabalho em nada impactaria seu caráter mercantil. Ainda, consignou que não havia qualquer garantia de lucro para o empregado, justamente porque o preço das ações estava sujeito às variações de mercado. A análise, portanto, se restringiu à verificação dos referidos requisitos.

É evidente que as análises nas três esferas dependem muito das peculiaridades de cada plano. Mas é também importante destacar que os contribuintes precisam de segurança jurídica quanto aos requisitos que definem a natureza mercantil do plano. Se o legislador não foi claro o suficiente ao tratar do instituto do stock option plan, é papel da jurisprudência fornecer parâmetros minimamente precisos para guiar as empresas quando da elaboração e concessão dos planos.

A existência de decisões administrativas e judiciais sobre o mesmo tema em sentidos diferentes só contribui para agravar o atual cenário de insegurança jurídica. O resultado é um desestímulo às empresas em adotarem tais planos, prejudicando justamente quem deles mais aproveitam: os empregados. Se os fiscais e julgadores tiverem em mente a importância de estimular o uso desse mecanismo e buscarem entender o tema de uma forma mais uniforme, considerando os diferentes pontos de vista, e de forma mais consistente, fixando critérios objetivos, quem sabe teremos um cenário mais positivo no futuro. Até lá, cabe às empresas se preocupar com os detalhes de seus planos para mitigar eventuais riscos na sua atividade.


[1] Acórdão 2301-005.771, sessão de 5/12/2018
[2] Vide decisões do TRF da 3ª Região nos autos da Apelação Cível 0021090-58.2012.4.03.6100/SP, 0017762-52.2014.4.03.6100/SP, 0007172-79.2015.4.03.6100/SP e 0037672-51.2003.4.03.6100.

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