Limites à atuação

Não criminalização da homofobia é inconstitucional, afirma Celso de Mello

Autor

14 de fevereiro de 2019, 18h01

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, leu a primeira parte de seu voto sobre a criminalização da homofobia nesta quinta-feira (14/2). Para ele, é inconstitucional a omissão do Congresso em tipificar a conduta de quem comete crimes em razão da orientação sexual ou identificação de gênero da vítima. Mas o ministro é contra a criação do tipo penal pelo Supremo, como pedem os autores das ações em julgamento.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Não criminalização da homofobia é inconstitucional, mas não cabe ao Supremo criar o tipo penal, diz Celso de Mello
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Celso leu o voto durante toda a sessão desta quinta. A partir do dia 20 de fevereiro, passará a ler suas propostas de solução para o problema. O tribunal já rejeitou duas preliminares apresentadas nas ações. Por unanimidade, os ministros entenderam não ser possível o Estado indenizar vítimas enquanto a conduta não for criminalizada pelo Congresso, por não haver lei prévia nesse sentido.

No longo voto, Celso falou sobre os conceitos de sexo, gênero, sexualidade e como eles são fundamentais à constituição da individualidade e da diversidade humana. Apesar da diversidade do grupo, explica que essas pessoas são todas unidas pela "absoluta vulnerabilidade agravada por práticas discriminatórias e atentatórias aos direitos essenciais e liberdades fundamentais". E disparou: "Biologia não define gênero".

Mas ele disse que o tribunal deve ser cuidadoso em discussões do tipo. Segundo o ministro, não cabe ao Supremo estabelecer tipos penais, o que seria substituir o Legislativo. Em matéria penal, disse ele, prevalece sempre a reserva constitucional absoluta de lei em sentido formal. “Esse princípio, além de consagrado no nosso ordenamento, consta de atos de direito internacional público a que o Brasil aderiu”, apontou o decano.

“No âmbito de direito penal incriminador, só o Parlamento, exclusivamente, pode aprovar crimes e penas. E a anterioridade: lei não aprovada pelo Parlamento não é válida. Não cabe ao Judiciário aprovar lei.”

Tradição
No voto, Celso também falou sobre registros históricos e de práticas contemporâneas de discriminação conta homossexuais e pessoas transgênero. A homossexualidade, disse o ministro, é objeto de "séculos de repressão, de intolerância e de preconceito", de "graves proporções que tanto afetam as pessoas, marginalizando-as e privando-as de direitos básicos".

O ministro falou sobre a criação do pecado da Sodomia, tanto na Europa medieval quanto no Brasil Colônia e citou o Tribunal do Santo Ofício, que perseguiu, entre outros grupos, aqueles que tinham "comportamento homossexual".

Celso citou pesquisas feitas por movimentos LGBT que monitoram a violência contra essa população, como o Grupo Gay da Bahia, citando dados que colocam o Brasil como o país que mais "mais mata travestis e transexuais". "As omissões do Legislativo não pode ser toleradas”, disse, depois de citar diversos casos concretos de violência contra homossexuais e transgêneros.

Inércia
Um dos argumentos apresentados ao Supremo foi que o Congresso não está omisso por existirem projetos sobre o tema em discussão na Câmara e no Senado. Para Celso, no entanto, a "mera existência de proposições" não é suficiente para afastar a "inércia do Poder Legislativo".

“A inércia do Estado qualifica-se como um dos processos deformadores da Constituição. A inércia em tornar efetivas as imposições constitucionais, inclusives as legiferantes, traduz inquestionável gesto de desapreço à Constituição da República. Nada mais nocivo, danoso, ilegítimo do que elaborar uma Constituição sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou executá-la apenas nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes.”

Ao retornar do intervalo, o ministro afirmou que não conseguiria terminar a leitura do voto na sessão, mencionando a extensão do trabalho. Neste momento, tanto o presidente da corte, ministro Dias Toffoli, quanto os colegas elogiaram o voto como “histórico”, “que honra a corte”, “que será estudado”.

ADO 26

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!