Novo Congresso

"É preocupante ver parlamentar votando apenas com base em redes sociais"

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14 de fevereiro de 2019, 10h34

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É positivo que a população acompanhe e pressione seus representantes no Congresso Nacional. Porém, é preocupante ver que há parlamentares que estão votando apenas com base na repercussão de sua decisão nas redes sociais.

"Quando o parlamentar começa a pautar a sua ação, a sua decisão apenas com o que as redes sociais estão sinalizando, isso gera um risco de produzirmos uma legislação que não seja ótima do ponto de vista social", afirma Bruno Carazza em entrevista ao podcast Rio Bravo.

Mestre em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carazza fez uma análise do perfil do novo Parlamento, que apresentou seu cartão de visitas ao longo dos últimos dias.

Para o entrevistado, dada a fragmentação deste Congresso, não é difícil a repetição do nível da disputa que aconteceu na eleição do Senado. “O fato de não termos líderes incontestes explica muito da confusão e do acirramento da competição para a eleição do Senado.”

Em outro momento da entrevista, Carazza observa que, mesmo com a força do partido do presidente Jair Bolsonaro (PSL), ainda não é certo que o governo tenha a força necessária para implementar as reformas. Sobre o pacote "anticrime" apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, Carazza afirma que o maior risco de o projeto não ir adiante é se o Supremo Tribunal Federal barrá-lo.

Ouça o podcast:

Leia a entrevista:

Tomando como referência os resultados das eleições na Câmara e no Senado, há quem diga que o governo obteve uma vitória relevante e por isso pode ser bem-sucedido na aprovação das reformas. Essa avaliação, na sua opinião, é muito otimista a partir da leitura desses resultados?
Bruno Carazza — Eu acho que a gente precisa ter um pouco de cautela ao analisar o resultado dessas eleições para a Presidência tanto da Câmara quanto do Senado. Acho que, começando pela do Senado, que foi a que deu a maior confusão no último final de semana, a vitória do Davi Alcolumbre foi uma vitória muito magra. Se a gente pegar os históricos para votação da Presidência do Senado, a gente vai ver… Primeiro, um ponto importante. O Senado tradicionalmente é uma casa em que, em geral, se busca o consenso. Os senadores, em geral, para essas decisões, buscam evitar o conflito. E se a gente observa a história das votações desde o início da década de 1990, o que a gente tem? Primeiro, até 1997 as eleições eram realizadas apenas no âmbito dos partidos que tinham a maior bancada, então se a gente tomar, por exemplo, a eleição do José Sarney em 1995, ele foi eleito apenas com os votos dos senadores do PMDB, que era então a maior bancada. A partir de 1997, essa regra foi alterada. Todos os senadores passaram a votar e, em geral, a gente observa pouca competitividade na disputa para o Senado.

Nós tivemos aí três eleições em que houve chapa única, não houve sequer contestação à escolha do presidente, e nas outras eleições em geral, tirando o caso que foi o Jader Barbalho, em 2001, a eleição é pouco competitiva. Então, a eleição agora do Alcolumbre com apenas 42 votos, um a mais do que o mínimo necessário para se definir o primeiro turno, é um sinal de que não há um consenso fechado no Senado e isso pode representar para o governo Bolsonaro um certo risco na aprovação das reformas que ele pretende colocar em pauta.

Era uma eleição difícil, sem dúvida nenhuma. Havia toda a articulação do senador Renan Calheiros, que estava buscando a sua quarta eleição para presidente do Senado. O governo jogou bastante pesado, mas apesar de ter saído vitorioso ele sai de uma certa forma desgastado, colocando um senador importante na oposição. Foi uma eleição, sem dúvida nenhuma, traumática, uma eleição que chegou a ser judicializada, que envolveu um pedido de decisão do Supremo.

Sem dúvida nenhuma, foi uma vitória do governo, mas foi uma vitória que tem que ser interpretada com certa cautela, como também temos que analisar com um pouco de cautela a eleição do Rodrigo Maia para a Câmara. Apesar de ter sido uma votação expressiva, foi a quarta maior votação para o presidente da Câmara dos últimos 20 anos, mas se a gente observar as votações para a Câmara de início de mandato dos últimos presidentes da República, a vitória do Rodrigo Maia nessa eleição de 2019 foi a menor delas.

Fernando Henrique teve uma vitória folgada com o Luís Eduardo Magalhães em 1995, porque havia uma coligação forte entre PSDB e PFL, atual DEM. Naquela época, era o principal parceiro do PSDB no início do governo Fernando Henrique. Depois, o PT, tanto com o Lula em 2003, que emplacou o também petista João Paulo Cunha, quanto Dilma, em 2010, com o Marco Maia, ambos tiveram votações mais expressivas do que Bolsonaro e Rodrigo Maia nessas eleições de 2019, então foi uma vitória folgada, foi uma vitória que demonstra a habilidade do Rodrigo Maia de construir um arco de apoio, que foi da esquerda até a direita.

Isso tudo são fatores muito positivos, mas, por outro lado, não foi uma vitória avassaladora a ponto de termos um cenário totalmente tranquilo para, por exemplo, a reforma da Previdência, que deve ser submetida em breve para a Câmara.

Voltando um pouco para o ano de 2018, a renovação no Congresso foi alta e chamou atenção de muita gente por ocasião também desse volume de embates e também da falta de consenso durante a campanha eleitoral. Em termos práticos, na sua avaliação, o que a gente pode esperar desse novo Congresso tão fragmentado?
Bruno Carazza — 
Realmente, a eleição tanto para a Câmara quanto para o Senado surpreendeu a maior parte dos analistas políticos. Houve uma renovação expressiva nas duas Casas, mas a gente também tem que observar que não são totalmente parlamentares completamente novatos que chegam para o Congresso. A gente tem um número expressivo de novatos que são novatos apenas no Congresso Nacional.

Vários desses novatos, dessa renovação que a gente tem apontado depois que saiu o resultado das urnas, muitos deles já têm uma certa experiência com o Legislativo, tanto vereadores quanto prefeitos quanto deputados estaduais. De novatos, novatos mesmo, totalmente neófitos na política, nós temos em torno de 20% dos parlamentares eleitos.

Por outro lado, o que pode gerar consequências nessa nova legislatura não é nem tanto a chegada de muitos novatos, mas o fato de que o eleitor nas urnas acabou fazendo uma limpeza naqueles parlamentares associados com essa velha política que a gente tem apontado agora. Do ponto de vista prático de análise das reformas, a gente tem uma mudança aí no jogo, como se a gente tivesse dado uma mexida nas peças do tabuleiro, que vão ter que ser recolocadas em ordem para ver como que o governo vai conseguir, então, avançar com as suas peças nesse jogo político parlamentar a partir desse ano.

Em um texto que você publicou recentemente no Valor Econômico, você cita o relatório "Os cabeças do Congresso", do DIAP, para comentar a presença de parlamentares com menos destaque. Fala um pouco pra gente dessa questão, por que é que ela importante? Em outras palavras, qual é o impacto disso, de a gente não ter parlamentares com tanto destaque assim?
Bruno Carazza — O relatório "Os cabeças do Congresso" é um relatório elaborado pelo DIAP, que é o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Desde 1994, eles elegem com base em algumas variáveis quantitativas sobre relatorias de projetos, sobre Presidência e atuação em comissões, sobre proposições, então eles usam essas variáveis quantitativas, fazem um ranking dos parlamentares e também utilizam algumas variáveis qualitativas.

Eles conversam com lobistas, com representantes sindicais, com cientistas políticos, buscando pontuar cada um dos parlamentares, tanto na Câmara quanto no Senado, e eles elegem a cada ano os cem parlamentares mais influentes do Congresso. É a principal publicação do gênero aqui no Brasil, então eu tive a ideia de verificar a cada uma das novas legislaturas quantos são os parlamentares que ocuparam posições nesse ranking de cabeças do Congresso nos quatro anos anteriores.

Foi um exercício pra verificar de que forma essas lideranças continuariam exercendo o seu poder nas legislaturas seguintes, e o que a gente observa nesses dados, até em função dessa renovação e desse recado das urnas em relação a esses parlamentares tradicionais envolvidos em corrupção, mas o fato é que nessa legislatura atual de 2019 há uma queda expressiva desses líderes, dessas cabeças coroadas tanto da Câmara quanto do Senado nessa próxima legislatura.

Então, só pra gente comparar, a legislatura anterior tinha 85 cabeças que vieram no período de 2011 até 2014, então em 2015 85 desses cabeças continuaram. Na legislatura atual, que começa agora em 2019, são apenas 68. Quando a gente vê toda essa confusão que foi a votação para a Presidência e para a Mesa Diretora do Senado, esses dados ilustram muito esse fato. O fato de termos menos líderes incontestes nesse novo Senado que começa agora explica muito da confusão, do acirramento da competição, do número de concorrentes na eleição para a Mesa Diretora do Senado agora em 2019. Não seria de se espantar se esse show de horrores vier a acontecer novamente em votações futuras.

No auge das administrações petistas, tanto o ex-presidente Lula quanto a ex-presidente Dilma Rousseff contavam com o apoio, que se transformaria em coalização, do PMDB. Agora em 2019, o partido do presidente Jair Bolsonaro, o PSL, embora tenha uma presença relevante, parece não ter essa mesma musculatura, sobretudo no que tange aos assuntos espinhosos como a já citada reforma da Previdência. De acordo com a sua leitura, esse é um dos nós da governabilidade? Eu sei que você gosta dessas análises históricas. Como é que você enxerga isso?
Bruno Carazza — De uma certa forma, todos os partidos diminuíram as suas bancadas em relação ao que grandes partidos normalmente ocupavam no Congresso nas legislaturas anteriores, então se a gente tomar mesmo o caso do PSL, que cresceu assustadoramente entre a legislatura passada e a atual, ele vai se tornar o partido de maior bancada. Mas, o partido de maior bancada com uma bancada muito menor do que, por exemplo, o PMDB ou PT ou mesmo o PSDB já tiveram no passado. 

A gente tem uma legislatura com os partidos com pesos menores, nós temos uma legislatura mais fragmentada, então um maior número de partidos e, ao invés de uma situação que tradicionalmente a gente tinha de três partidos grandes — normalmente, PT, PSDB e PMDB —, agora a gente tem uma gama muito grande de partidos médios e isso vai fazer com que a legislatura, a base do governo seja mais fragmentada, o governo vai precisar de se apoiar não apenas no seu partido, o PSL, mas em vários outros partidos, buscando uma coalizão maior e, sendo maior, ela será mais heterogênea, sendo mais heterogênea, se torna mais cara a aprovação das medidas, a busca de consensos acaba sendo mais difícil.

E do ponto de vista específico do PSL, partido do presidente Bolsonaro, a gente tem uma outra questão que a gente não pode perder de vista, que é sem dúvida nenhuma o partido com o maior número de novatos nessa legislatura. Dos 50 e tantos, talvez chegue a 60 e poucos parlamentares do PSL, deputados eleitos pelo PSL, mais da metade deles são marinheiros de primeira viagem que surfaram na onda do Bolsonarismo nas eleições, então a gente tem um número muito grande de deputados do PSL totalmente neófitos em política e que vão ter um custo de aprendizado do jogo político agora que não é desprezível. Isso joga contra o partido nesse seu protagonismo sendo base do governo.

Além disso, a gente tem que observar o perfil dos parlamentares do PSL. Temos muitos deputados militares ou, de uma certa forma, ligados ao funcionalismo público, então se a principal pauta desse governo é a reforma da Previdência e a aprovação de uma série de medidas que acabam sendo necessárias para combater o déficit público — reforma administrativa, reforma tributária —, paira no ar uma dúvida sobre o real posicionamento desses parlamentares ligados ao funcionalismo público em relação ao corte de privilégios da categoria. Isso também é uma dúvida que paira no ar a respeito do comportamento do PSL.

Em relação à oposição, tomando como gancho o processo eleitoral na Câmara e no Senado, quais são as possibilidades de um bloco de contra-poder à agenda do presidente Jair Bolsonaro?
Bruno Carazza — Eu vejo que a oposição, pelo menos nesse início de governo, está um pouco desnorteada. O papel de liderança exercido pelo PT parece abalado ainda pelo resultado das últimas eleições presidenciais. Nas articulações em relação à eleição tanto da Câmara quanto do Senado, o PT perdendo esse protagonismo da liderança da oposição. A gente vê uma mobilização muito maior de partidos como o PSOL ou mesmo PCdoB ou parcelas mais à esquerda do PSB, do PDT do Ciro, tentando articular uma frente e cogitando, inclusive, manter o PT fora dessa base unida de oposição.

A oposição começa esse governo Bolsonaro um pouco desarticulada, mas eu acredito que haverá um rearranjo dessa oposição, principalmente em relação a temas que são caros à oposição, como, por exemplo, a oposição à reforma da Previdência, então ela vai buscar se articular. Certamente, as categorias vão buscar apoio dessa oposição para manter os seus benefícios, os seus privilégios, então acho que a própria colocação em discussão da reforma da Previdência vai ter um papel de gerar uma rearticulação da oposição.

Nesse cenário que se apresenta, o pacote anticorrupção do ministro Sergio Moro tem mais chances no Congresso?
Bruno Carazza — Eu acredito que a resistência ao pacote do ministro Moro talvez seja maior no STF do que até mesmo dentro do Congresso. A gente sabe que há um sentimento generalizado na população de que algo precisa ser feito em relação ao combate à criminalidade e à corrupção, então o pacote do ministro Moro é até emblemático ser a primeira grande medida que o governo anuncia.

Antes mesmo dos detalhes da reforma da Previdência vêm os detalhes da reforma de todo o aparato legal sobre segurança pública e corrupção. Há uma base no Congresso muito favorável a essa agenda, principalmente a bancada da bala e setores mais conservadores do Congresso, eles tendem a apoiar as medidas. Acho que as perspectivas de aprovação do pacote do Moro são muito boas no Congresso, mas tenho dúvidas sobre qual vai ser a reação do Supremo. Eu acho que o maior risco ao pacote do Moro está do outro lado da Praça dos Três Poderes, justamente no STF.

Muito já se falou a respeito das eleições do ano passado, a gente comentou um pouco disso há algumas questões. Parece, sobretudo pelo que aconteceu no último fim de semana, que a opinião pública e a população de um modo geral tendem a pressionar mais os parlamentares via mídias sociais, por exemplo. Essa percepção é correta? Quais são as consequências disso?
Bruno Carazza — Se há um lado positivo dessa polarização tão traumática que a gente vivenciou nos últimos anos, desde pelo menos o impeachment ou, se a gente for um pouco mais atrás, desde as manifestações de 2013, culminando nas eleições agora de 2018, justamente essa é a maior mobilização da sociedade em acompanhar a política brasileira.

Vejo com bons olhos o fato de que a política voltou a ser um assunto que ocupa as mesas de bar, os almoços familiares, então isso eu acho um ponto positivo. Sem dúvida nenhuma, é louvável o fato de que a população acompanhe as votações e pressione nossos representantes a respeito do seu comportamento no dia a dia, no exercício dos seus mandatos. O que é arriscado nesse processo, o que é preocupante, é o fato de certos parlamentares começarem a pautarem as suas decisões com base exclusivamente na repercussão nas redes sociais.

Não se trata apenas de dizer se é a favor ou contra a reforma da Previdência. A reforma da Previdência tem uma série de nuances, uma série de pontos que estão sendo colocados que têm que ser analisados, têm que ser sopesados, têm que ser balizados com números e com estudos, então quando o parlamentar começa a pautar a sua ação, a sua decisão apenas com o que as redes sociais estão sinalizando, isso gera um risco de produzirmos uma legislação que não seja ótima do ponto de vista social.

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