Opinião

A sutileza da Lei 4.950/66 e o cálculo do salário mínimo profissional

Autor

13 de fevereiro de 2019, 14h03

A Lei 4.950/66 estabelece o salário mínimo dos profissionais diplomados em Engenharia, Química, Arquitetura, Agronomia e Veterinária em moldes semelhantes àqueles trazidos na Lei 3.999/1961 para médicos e cirurgiões dentistas.

Em que pese sua singeleza e o fato de contar com apenas oito artigos, existe bastante controvérsia acerca do cálculo do piso dos profissionais contemplados pela norma.

Lamentavelmente, as análises nos nossos tribunais têm ficado, via de regra, restritas à constitucionalidade da Lei 4.950/66 e superficialmente ao cálculo do piso para uma jornada de oito horas diárias, cingindo-se a discussão ao acréscimo para as horas excedentes a seis por dia: se de 25% tal qual expresso na lei ou 50%, acréscimo constitucionalmente determinado para o serviço extraordinário; e assim concluindo as cortes (com alvissareiras exceções que a seguir serão exemplificadas) que o salário mínimo profissional seria de 8,5 salários mínimos nacionais ou 9 salários mínimos nacionais para a jornada de oito horas diárias.

O primeiro entendimento (8,5 salários mínimos nacionais) vem sendo a conclusão majoritária da Justiça do Trabalho, e o segundo (9 salários mínimos nacionais), aquele defendido pelas entidades de classes — notadamente os sindicatos dos engenheiros —, eventualmente com sucesso.

Mas existe uma terceira via, muitas vezes olvidada, e que entendemos ser, com as devidas vênias, a única correta. A seguir explicamos o porquê.

Diversamente do comumente defendido, a Lei 4.950/66 não determina o pagamento de 9 salários mínimos nacionais ou, tampouco, 8,5 salários mínimos nacionais ao engenheiros, arquitetos, agrônomos, químicos e veterinários para carga de oito horas diárias.

Com efeito, quando da edição da lei, a carga horária semanal normal era de 48 horas, e não 44, como hoje. Se considerarmos a semana, que tem seis dias úteis, a carga semanal de 44 horas acarreta em uma média diária de 7,33 horas, de forma que, com o acréscimo de 25% sobre a 1,33 hora excedente, nos leva a um piso de 7,66 salários mínimos nacionais, mesmo valor que se encontra em cálculo valendo-se do número de horas mês (6 salários mínimos nacionais para 180 horas; 7,66 salários mínimos nacionais para 220).

O TRT-12 (SC) já adentrou na matéria, possibilitando decisão de rara clareza, como o Acórdão-2ªT RO 01447-2006-008-12-00-5, que assim decidiu: "a ré deve remunerar o autor com o valor equivalente a 6 salários mínimos para a jornada de seis horas diárias, o que representam 180 horas mensais. As excedentes, ou seja, as 40 horas para atingir o limite de 220 horas mês, é que devem ser remuneradas com o acréscimo de 25%".

Ainda mais elucidativa foi decisão do TRT-4 (RS), de lavra da desembargadora Laís Helena Jaeger Nicotti, no processo 0000368-72.2012.5.04.0027, tendo constado do acórdão acerca da lei em comento:

Desta forma, considerando-se que a referida lei foi promulgada em 1966, é necessário inicialmente que se observe as modificações legislativas posteriores, especialmente a redução da carga semanal máxima de trabalho de 48 horas para 44 horas e o estabelecimento pela CF/88 do adicional de, no mínimo, 50% para as horas extras laboradas além desta carga horária.

Em razão da modificação da carga semanal máxima de trabalho, o cálculo do salário-base mínimo estabelecido no art. 6º da Lei n. 4.950-A/66 deve ser feito levando-se em conta a carga máxima de 44 horas vigente desde 1988 e não a de 48 horas semanais, como fez o Juízo da origem.

(…) Assim sendo, se para a jornada de seis horas diárias e 36 semanais é devido o salário profissional de seis salários mínimos, para a jornada de 7h20min (7,33 decimais) é devido o salário profissional equivalente a 7,33 salários mínimos.

A Lei n. 4.950-A/66 estabelece ainda o acréscimo de 25% sobre as horas laboradas além das 6 diárias. Todavia, a jurisprudência é pacífica no sentido de que a previsão de salário profissional para a jornada de seis horas não implica em adoção de jornada reduzida para as profissões ali descritas, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada, nos exatos termos da SJ n. 370 do TST.

(…)

Decidida esta questão, prosseguindo no cálculo do salário profissional devido ao reclamante, faz ele jus ao acréscimo de 25% sobre as horas laboradas além da sexta diária, ou seja, sobre 1h20min (1,33), o que resulta em 7,67 horas diárias (7,6625), devendo este ser o parâmetro para o cálculo, uma vez que, considerada a jornada de 8 horas diárias, em seis dias por semana, o cálculo resultaria em carga horária de 48 horas semanais, carga esta que não mais vigora em nosso ordenamento jurídico.

Nesta linha, naquela ocasião pudemos demonstrar o cálculo que vemos como acertado para uma jornada de 220 horas mensais, o que aqui refazemos utilizando o atual salário mínimo, de R$ 998:

Jornada de 6 horas diárias equivalente a 180 horas mensais acarreta em piso salarial de R$ 5988,00 (6 x 998).

Já para a jornada amplamente difundida de 44 horas semanais teríamos uma jornada de 220 horas mensais, sendo 40 horas com o acréscimo legal de 25%, totalizando 50 horas.

Portanto, 180 + 50 (40+25%) = 230 horas mensais.

Em simples regra de três:

180 = 5.988

230 = R$ 7.651,33

Observe-se que 7.651,33 equivale a 7,66 salários mínimos nacionais (7651,33/998)

Portanto, fica demonstrado que podemos chegar a este valor (7,66…, que entendemos correto) partindo de vários pontos, desde que tenhamos em mente que a jornada usual de 44 horas semanais (220 horas mensais, computados os descansos) acarreta em 7,33 horas diárias, já que os dias úteis na semana são seis, ainda que comumente o sábado seja compensado.

Ora, se para uma jornada de 36 horas semanais (6 horas diárias em média) o piso é de 6 salários mínimos nacionais, para uma jornada de 44 horas semanais (7,33… horas diárias) deve-se acrescer 25% apenas àquelas horas que ultrapassem 36, logo, 8 (8+25%=10). Com o acréscimo de 25% a estas, totaliza-se 46 horas (36+10) na semana, ou seja, 7,66… horas diárias (46/6).

Conforme bem salientado no acórdão acima transcrito, o artigo 6º da lei 4.950/66 estabelece que o cálculo do piso deve ter por base o "custo da hora" acrescidas de 25% as horas excedentes das seis diárias de serviço e, dizemos nós, o salário mínimo mencionado é o mensal — logo, esse é o universo a ser considerado.

Para simplificar: normalmente os empregados cujo salário se discute judicialmente são contratados para carga semanal de 44 horas, ou seja, 7h20min (7,33 horas) diariamente. Note-se que 1,33 mais 25% acarreta em 1,66…, donde o salário mínimo de 7,67 efetuado o necessário arredondamento.

Em relação ao percentual de acréscimo, embora assunto menos tormentoso, ainda oportuno lembrar que não se está a tratar de horas extras e sim de salário mínimo. O TST não deixou dúvidas quanto ao equívoco de entendimento diverso ao editar a súmula 370, in verbis:

"Súmula nº 370 – TST – Res. 129/2005 – DJ 20, 22 e 25.04.2005 – Conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 39 e 53 da SDI-1.Médico e Engenheiro – Jornada de Trabalho. Tendo em vista que as Leis nº 3999/1961 e 4950/1966 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias. (ex-OJsnºs 39 e 53 – Inseridas respectivamente em 07.11.1994 e 29.04.1994).

Assim, resta claro que para jornada contratual de 44 horas semanais, o salário mínimo para os diplomados por cursos regulares mantido por escola de Engenharia, de Química, de Arquitetura, de Agronomia e de Veterinária com curso universitário de quatro anos ou mais seria de 7,66 salários mínimos nacionais.

Entendimento diverso acarretaria em extremas e esdrúxulas injustiças.

Usa-se um caso extremo para exemplificar: engenheiro que trabalhe apenas um dia em determinada empresa por 10 horas teria um mínimo (muito) maior que aquele que trabalha 36 horas semanais, 6 horas por seis dias ao longo da semana. Ou, ainda exemplificando, aqueles engenheiros que trabalharem sábado terão um piso menor que aqueles com mesma carga semanal que compensarem o sábado.

Gize-se que o salário mínimo aplicável é aquele vigente à época da contratação; isso é o que se extrai da OJ71 da SDI2:

AÇÃO RESCISÓRIA. SALÁRIO PROFISSIONAL. FIXAÇÃO. MÚLTIPLO DE SALÁRIO MÍNIMO. ART. 7º, IV, DA CF/88(nova redação) – DJ 22.11.2004.A estipulação do salário profissional em múltiplos do salário mínimo não afronta o art. 7º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, só incorrendo em vulneração do referido preceito constitucional a fixação de correção automática do salário pelo reajuste do salário mínimo.

Ora, entendimento contrário claramente ocorreria inegável vinculação ao salário mínimo nacional, o que foi explicitamente refutado pela Constituição Federal e mais recentemente pela Súmula Vinculante 4 do STF.

Como já largamente decidido, “a evolução salarial sujeita-se aos reajustes assegurados à categoria profissional por liberalidade ou por negociação coletiva” (TRT da 4ª Região, 4ª Turma, 0000872-97.2010.5.04.0011 RO, em 27/09/2012).

Em suma, observa-se uma certa resistência dos operadores do Direito em se aprofundar nas questões de cálculo que, uma vez superada, no que diz respeito à aplicação da Lei 4.950/66, fica bastante simples e acessível, inobstante a lógica — a nosso ver equivocada e injusta — que grassou nas cortes trabalhistas, quiçá por derivar de uma redução simplista do raciocínio matemático básico, sendo, portanto, deveras atraente.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!