Omissão do Congresso

Supremo começa análise de ações sobre criminalização da LGBTfobia

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13 de fevereiro de 2019, 17h57

O Supremo Tribunal Federal começou, na tarde desta quarta-feira (13/2), a julgar duas ações que discutem se o Congresso está omisso em não editar leis para criminalizar a homofobia. Nesta tarde foram ouvidas apenas as manifestações das partes, sem leitura de votos.

Os autores acusam o Congresso de inconstitucionalidade ao não criar punições específicas para quem mata ou agride pessoas por causa da orientação sexual ou identidade de gênero. O ministro Celso de Mello, que presidiu a sessão, é relator da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, de autoria do PPS, e o ministro Luiz Edson Fachin é o relator do mandado de injunção, da Associação Brasileira LGBT (ABGLT).

Como ambas as ações são assinadas pelo mesmo advogado, Paulo Iotti, ele teve 30 minutos para sua sustentação. Segundo ele, "não há dúvida" de que o Congresso incorre em omissão inconstitucional ao deixar de editar as leis. E por isso decidiu se dedicar às "teses mais ousadas".

A principal delas, enquadrar a criminalização da "LGBTfobia" dentro das teses do Direito Penal mínimo, que defende uma retração do poder punitivo do Estado. “O direito penal mínimo exige a criminalização", disse.

"É um critério qualitativo, e não quantitativo. É o bem jurídico da tolerância — que é abaixo do respeito, em que você entende o outro como igual. O direito civil pode impor o respeito, o penal me parece que deve impor a tolerância”, afirmou. De acordo com ele, o "inconsciente coletivo demanda a atuação contramajoritária do Supremo", bem como a invocação de suas "funções iluministas", citando o ministro Luís Roberto Barroso.

O vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, afirmou que afetos e amores não podem produzir desrespeito. “Há um elemento de coisificação, desconsideração da humanidade dessas pessoas. Elas não mortas não porque fizeram algo, mas por serem quem são. Temos, pela nossa Constituição, o compromisso com a vida logo no preâmbulo. Há a exigência para sermos uma sociedade justa, fraterna e sem preconceitos”, disse.

Independência dos Poderes
Na sua primeira sustentação oral como advogado-geral da União, André Mendonça defendeu a rejeição dos pedidos. Para ele, o caso deve ser tratado pelo Congresso, não pelo Judiciário. Em matéria penal, argumentou, é preciso ter cuidado com o avanço do Judiciário sobre as atribuições legislativas.

“A expansão judicial do âmbito punitivo de tipos penais é abertamente atentatória à competência do Poder Legislativo. E é este quem tem a legitimidade constitucional para discernir e definir os comportamentos reprováveis pelo direito penal. A questão é tão importante, que até mesmo a edição de medida provisória, como ato com força de lei, é excepcionada como impossível de ser editada pelo presidente da República em matérias penais”, afirmou. 

Ele também lembrou que não há omissão inconstitucional do Congresso, já que há projetos em discussão na Câmara e no Senado sobre o assunto.

O advogado-geral do Senado, Fernando César Cunha, concordou. “A Constituição não confere competência ao Judiciário para criar lei, ou aperfeiçoá-las, criar novos delitos. Confere competência legislativa às Casas do Congresso Nacional”, disse.

Vidas LGBT
Mais de 10 instituições foram admitidas como amici curiae. A primeira manifestação foi do Grupo Gay da Bahia, representado por Thiago Gomes Viana. Ele lembrou mortes de pessoas LGBT e momentos históricos, como a perseguição promovida pelo nazismo e pelas ditaduras brasileiras.

“Até torcedor tem uma lei pra chamar de sua, mas as pessoas LGBT não têm um tipo específico. O que avançamos foi feito pelo Executivo e pelo Judiciário, especialmente nesta corte. Há hipocrisia quando se diz que é preciso garantir o respeito à população quando todo e qualquer projeto é barrado ou recebe propostas contrárias no Congresso. A união homoafetiva foi reconhecida em decisão irretocável desta corte e foi também atacada por dois projetos de decretos legislativos”, afirmou.

Pelo Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, Alexandre Gustavo de Melo Franco Bahia ponderou sobre os objetivos da Constituição. “Que projeto normativo é este que estamos construindo até aqui? É esta Constituição que diz que é objetivo da República promover o bem de todos sem discriminação de cor, raça, sexo. E, como projeto aberto de inclusão de novos direitos, pode abarcar novos direitos”, argumentou. Segundo ele, as proteções que a Constituição deu a mulheres, idosos, crianças, pessoas com deficiência também tinham exigência anterior. Como, no entanto, existe razão específica para cada uma dela, foi criada uma legislação específica, para além de dispositivos de acordos internacionais que pedem por isso.

Ananda Puchta, da Aliança Nacional LGBTI, lembrou, em resposta ao argumento contrário de que o pleito feriria a liberdade religiosa, que esse segmento da sociedade é diverso, como qualquer outro, fazendo parte dele, também, muitos cristãos. “Nossa diversidade permeia toda a sociedade. A criminalização não cerceia a liberdade religiosa, queremos apenas parar de estampar manchetes sangrentas de jornais. Nós ocupamos também os bancos das igrejas. Não há porque temer uma legislação que nos proteja se se professa amor, respeito, tolerância. Tendo em vista a isonomia da lei penal, a LGBTfobia deve ser punida com o mesmo rigor do racismo”, apontou.

Especificamente sobre as pessoas travestis e transsexuais, Maria Eduarda Aguiar da Silva retomou o caso de Dandara dos Santos, torturada e morta no Ceará em fevereiro de 2017. A sentença incluiu a homofobia como um dos qualificadores do caso. “Já nos deixa um precedente no Judiciário e de que há a necessidade de qualificar os crimes de homofobia e transfobia. Crimes de ódio não são crimes comuns”, disse. Ela afirma ainda que o Brasil tem uma dívida histórica com travestis e transsexuais e, dentre as mudanças que poderiam vir da criminalização, cita notificação mais acurada dos casos.

Falou ainda a favor das ações o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), na figura do advogado Rodrigo da Cunha Pereira. Ele reforçou a tese da omissão legislativa. “Se há muitos projetos tramitando no Congresso sobre o tema, nenhum deles foi votado. Não chegaram sequer a ser rejeitados”, enfatizou. Quanto à conexão com o crime de racismo, o advogada também sustentou pela pertinência da tese. De acordo com ele, essas pessoas são consideradas e tratadas como inferiores, como uma raça inferior. “E o direito é um importante instrumento ideológico de inclusão e exclusão de pessoas.”

Liberdade religiosa
Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure) tratou da questão da liberdade religiosa, segundo a qual está ameaçada com as ações. O advogado Luigi Mateus Braga afirmou que os grupos religiosos tamném sofrem preconceito e a liberdade de crença deve ser resguardada. 

“Temos de ter muito cuidado. Quando se fala do movimento LGBT, os religiosos estão acostumados também a sofrer com frequência um tipo de preconceito. Sei como dói o preconceito, o ataque. Nós não podemos generalizar. Da forma como está proposto neste pleito não está claro de que o pronunciamento nos autos para aqueles que querem professar a sua crença não sofreram com essa proposta. Liberdade religiosa é uma conquista que se perde com facilidade”, afirmou Braga. Ele reafirmou que os textos religiosos têm trechos que tratam da questão LGBT sem aceitá-la, mas que isso é um fato social. “Não podemos sofrer uma busca e apreensão pelo que está na Biblia.”

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