Opinião

Pacote "anticrime" tem o insofismável intuito de sedar a opinião pública

Autor

  • Mathaus Agacci

    é advogado criminalista graduado em Direito pela Faculdade Cesusc doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA) sócio fundador do escritório Mathaus Agacci Advocacia Criminal e membro da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de Santa Catarina (Aacrimesc) e da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).

13 de fevereiro de 2019, 5h32

Só se fala do “pacote anticrime de Moro”, proposta de nome sugestivo que, em alguns aspectos, é meramente cosmético e populista e, em outros, perigoso se posto em prática.

Um dos pontos do projeto que mais me geraram perplexidade — são tantos que me parece difícil valorar — foi no tocante à alteração da Lei 11.671/2008, para alterar o regime jurídico dos presídios federais, permitindo a gravação das conversas entre presos e seus advogados.

É cediço que nos dias atuais os discursos de ódio, os extremismos, a justificação de atos antidemocráticos em prol de uma cega busca pela punição, com o sacrifício de preceitos constitucionais e regramentos normativos, estão sendo aclamados por uma população insatisfeita com a corrupção que se instalou no país e com a alta criminalidade. No entanto, deixar a atual intolerância popular interferir em atos do Estado é extremamente perigoso.

Em matéria de processo penal, forma é garantia, impera o princípio da legalidade, portanto, todo e qualquer provimento judicial deve estar respaldado nas regras do devido processo legal, respeitando-se os limites impostos pela lei, não podendo esta última contrariar os preceitos constitucionais. O desrespeito à Constituição — sim, aquele texto que tanto lutamos para conquistar e que hoje o tratamos com o maior dos desprezos — é evidente em diversas passagens do projeto.

Parafraseando o grande jurista Lenio Streck, em artigo publicado aqui na ConJur[1], o Estado “parece estar perdendo a luta contra o crime — isso está implícito nos discursos — propõem mudar as regras. Querem regras mais fáceis… para o MP. E para a polícia. Pouco importa o que diz a Constituição”.

No “pacote anticrime”, visivelmente populista, Sergio Moro propõe, entre outras reformas, a mudança do artigo 3º da Lei 11.671/2008, ponto nevrálgico do presente artigo, vejamos:

“Art. 3º Serão incluídos em estabelecimentos penais federais de segurança máxima aqueles cuja medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio preso, condenado ou provisório.

§ 3º As penitenciárias federais de segurança máxima deverão dispor de monitoramento de áudio e vídeo no parlatório e nas áreas comuns, para fins de preservação da ordem interna e da segurança pública, sendo vedado seu uso nas celas. (grifei)

A começar, é preceito constitucional, ínsito no artigo 133 da Constituição Federal, que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”, assim como a Lei 8.906/1994, no artigo 7º, incisos II e III: “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia” e “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”, respectivamente.

A medida é absolutamente antidemocrática e esdrúxula, até pior que isso, é um atentado ao princípio da ampla defesa e ao sigilo profissional. Publicar um “pacote anticrime” com essa proposta absurda me faz pensar que, daqui a pouco, será exequível dizer que basta a denúncia ofertada, por membro do Ministério Público, para que seja condenado o acusado, sem direito a instrução probatória. Quem duvida é “louco”.

Me parece que são tempos onde quem pleiteia pela observância aos princípios constitucionais, ao fiel cumprimento do devido processo legal, das regras do “jogo” processual, é tido como criminoso, como defensor de uma criminalidade generalizada que se instalou no país, em claríssima inversão de valores.

O projeto, em diversos sentidos, “joga a poeira para debaixo do tapete”, com o insofismável intuito de sedar a opinião pública, que clama pela punição a qualquer custo, e, pior, sem adentrar em pontos importantes como a calamitosa situação do sistema penitenciário nacional, por exemplo.

E a historinha de dizer que “as gravações das visitas não poderão ser utilizadas com meio de prova de infrações penais pretéritas ao ingresso do preso no estabelecimento” é balela. Sim, balela. Vai imperar a subjetividade, será o regramento do juiz, do promotor, que poderão “moldar” a conversa como bem entenderem e, claro, sempre em prejuízo daquela massa social eleita para ser o cliente do processo penal.

A estratégia defensiva, ética e respaldada nos ditames legais pode acabar sendo entendida, por mau intérprete, como criminosa. Um exemplo? A utilização de teses defensivas, respaldada em regramentos legais, poderá ser classificada como obstrução da Justiça, por exemplo.

A grande verdade, difícil pro leigo entender, é que com o aumento da “violência” perpetrada pelo Estado, em projetos como esse, não seguindo as regras processuais e garantias legais, tendo como fazível mudá-las em desfavor do particular, somente gerará mais violência. E sabe quem “pagará o pato”? A população, sim, esta mesma que, por estar cega pela punição a qualquer custo, aplaude as vilipendiações que aos poucos vêm se instalando em nossa pátria amada como se fossem normais. Triste.

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