Direto do Carf

Carf diverge sobre a possibilidade da denúncia espontânea ser por compensação

Autor

  • Carlos Augusto Daniel Neto

    é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Tributário pela PUC-SP com estágio pós-doutoral em Direito Tributário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) é visiting scholar no Max-Planck-Instituts für Steuerrecht und Öffentliche Finanzen ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf pesquisador do NEF/FGV presidente da Comissão de Direito Aduaneiro do Iasp e professor permanente do mestrado profissional do Cedes e da pós-graduação do IBDT.

13 de fevereiro de 2019, 7h05

Na coluna de hoje trataremos sobre tema altamente controverso no âmbito do Carf, com posições divergentes não apenas entre as turmas das câmaras baixas, mas também entre as câmaras superiores de seções distintas: a possibilidade da compensação de crédito tributário gerar os efeitos da denúncia espontânea, prevista no artigo 138 do CTN[1].

O cerne da controvérsia verificada nos julgados consiste na determinação do sentido da expressão “pagamento” no dispositivo. Há julgados que defendem que ela é utilizada em sentido estrito, com o significado que tem no artigo 156, I e nos artigos 157 a 164 do CTN; outros entendem ser em sentido lato, como forma de adimplemento da obrigação. Para o primeiro grupo, a compensação do crédito, ainda que anterior a qualquer procedimento fiscal, não teria o condão de afastar a responsabilidade por multas, enquanto para o segundo grupo a compensação — enquanto forma de extinção do crédito — teria o mesmo efeito do pagamento.

A 1ª CSRF possuía posição consolidada no sentido de negar os efeitos da denúncia espontânea no caso de compensação, a exemplo do Acórdão 9101-002.969, com suporte na posição exarada pelo STJ no AgRg no AREsp 174.514/CE[2] e no AgRg no REsp 1.461.757/RS[3].

Entretanto, esse colegiado, em nova composição, reformou a sua posição, e vem adotando reiteradamente a posição contrária (veja Acórdão 9101-003.687). A posição fundou-se principalmente no argumento de que o CTN utiliza a expressão “pagamento” em diversas ocasiões no sentido amplo, significando o adimplemento da obrigação. Além disso, a compensação efetuada pelo contribuinte possui efeito extintivo, sob condição resolutória, de modo que não sendo homologado perderá a eficácia a denúncia espontânea, podendo ser cobrado o débito tributário acrescido de multa. Por fim, pontua também que o STJ possui acórdãos que acatam expressamente essa posição, a exemplo do REsp 1.122.131/SC[4] e o AgRg no REsp 1.136.372[5].

Na 3ª CSRF, o movimento da jurisprudência se deu no sentido oposto. No julgamento do Acórdão 9303-004.985, que versava sobre a contagem do prazo decadencial do artigo 150, parágrafo 4º do CTN, o colegiado deliberou que a expressão “pagamento antecipado” equivalia a “adimplemento”, em razão da eficácia extintiva da compensação, ainda que sujeita a homologação.

Entretanto, passou a adotar um posicionamento mais restrito, mas com fundamentos distintos. No Acórdão 9303-006.011, o fundamento adotado foi o de que a compensação, diferente do pagamento, não extinguiria imediatamente o crédito, ficando sujeita à homologação e, portanto, não poderia ser equiparada a ele para fins do artigo 138 do CTN. Noutra linha, no Acórdão 9303-006.010 votou por rechaçar o pleito do contribuinte com fundamento na Súmula 208 do TFR[6] — que trata de débitos confessados e submetidos a pedido de parcelamento (meio de suspensão do crédito, artigo 151, VI do CTN), e não de compensação (meio de extinção, artigo 156, II do CTN).

Na esteira da 3ª CSRF, as turmas de julgamento da 3ª Seção têm, em sua maioria, votado por rejeitar os recursos voluntários e aplicar um conceito estrito de “pagamento”, na interpretação do artigo 138 do CTN.

Nos acórdãos 3302-005.487, 3401-004.325 e 3402-006.022 (neste último, o colegiado reformando a posição assumida no Acórdão 3402-003.486), o voto vencedor sustentou que deveria ser aplicado ao caso o REsp 1.149.022/SP[7], por ser recurso repetitivo aplicável, nos termos do artigo 62, parágrafo 2º do Regimento Interno do Carf, e pontuou en passant que a compensação seria sujeita a homologação, não tendo eficácia extintiva. Com a devida vênia, devemos pontuar aqui que o referido recurso especial versava sobre a abrangência ou não das multas moratórias no alcance da exclusão de responsabilidade do artigo 138 do CTN, não guardando similitude fática com a discussão do alcance da expressão “pagamento” — tanto que posteriormente a ele foi julgado o REsp 1.122.131/SC, já mencionado acima.

Em sentido contrário, o Acórdão 3201-004.475 votou por atribuir os efeitos da denúncia espontânea à compensação. No fundamento, o relator fez referência às decisões do STJ favoráveis à tese, mencionadas alhures, e à posição da 1ª CSRF, especialmente ao Acórdão 9101-002.969. Ademais, pontuou que, mesmo que a compensação esteja sujeita à condição resolutória, ela seria uma modalidade extintiva e também pressuporia um pagamento anterior do contribuinte — ressaltando que no caso concreto o crédito utilizado via Per/Dcomp fora reconhecido pela fiscalização.

Pode-se verificar o mesmo fenômeno no âmbito da 1ª Seção, com a maior parte das turmas encampando a posição adotada na 1ª CSRF.

Em favor da posição restrita, o Acórdão 1302-003.024 pontua que a Receita Federal editou a Nota Técnica Cosit 1/2012, equiparando compensação a pagamento para seis meses depois cancelá-la por meio da Nota Técnica 19/2012, que retoma o sentido estrito de “pagamento” pra fins do artigo 138 do CTN. Além disso, ressalta também a divergência de entendimentos dentro do próprio Carf para, por fim, entender que não há como fazer a equiparação em razão da condicionalidade da compensação.

Favorável à equiparação, o Acórdão 1201-002.619 ressalta os precedentes do STJ e da 1ª CSRF no sentido pleiteado pelo contribuinte, e aduz que a interpretação literal do artigo 138 do CTN contraria a sua mens legis, aduzindo que o texto deve ser interpretado extensivamente, e afirma que no autolançamento tanto o pagamento quanto a compensação extinguem o crédito, mas ficam sujeitos à homologação. No mesmo sentido é Acórdão 1401-002.415, no qual a relatora entendeu que a compensação corresponde à “quitação concomitante”, para fins de atender aos requisitos estatuídos na jurisprudência do STJ para que se verifiquem os efeitos da denúncia espontânea, apontando que o próprio artigo 150, parágrafo 1º do CTN[8] condiciona o pagamento antecipado à homologação.

No Acórdão 1301-002.787, o colegiado decidiu pela não aplicação nos casos de compensação, sob o fundamento da taxatividade do artigo 138 do CTN e da necessidade de homologação da compensação efetuada. Deve-se pontuar, entretanto, que no Acórdão 1301-003.691 esse mesmo colegiado mudou sua posição majoritária, em julgamento datado de janeiro de 2019, e a posição prevalecente trouxe alguns novos pontos para o debate.

A posição que passou a prevalecer apontou inicialmente que nos trabalhos da comissão de elaboração do CTN já se vinculava a denúncia espontânea à reparação ou regularização da infração, não restringindo o alcance apenas ao pagamento, mas a qualquer meio de satisfação do erário. Em seguida, aduziu que a distinção semântica entre os termos "pagamento" e "compensação" é utilizada apenas em parte específica da legislação, enquanto que no restante do CTN a expressão "pagamento" é utilizada de forma indiscriminada, como sinônimo de "adimplemento", trazendo diversas menções do código para ilustrar esse argumento, com destaque ao artigo 165[9], que dá direito à restituição, “seja qual for a modalidade do seu pagamento”.

Em seguida, rebate o argumento de que o pagamento extingue imediatamente o crédito tributário com a hipótese de pagamento por cheque, com extinção apenas no seu resgate (artigo 162, parágrafo 2º do CTN), ou estampilhas, que pode se sujeitar a homologação (artigo 162, parágrafo 3º do CTN). Além disso, aduz que a natureza extintiva do pagamento antecipado só foi consolidada normativamente com a Lei Complementar 118/2005, que introduziu novo comando no sistema tributário, como reconhecido pelo STF no RE 566.621/RS[10].

Por fim, aduz que o CTN não exige que a compensação se sujeite a homologação. O artigo 170 franqueia à lei estipular condições e garantias para sua realização[11], mas essa exigência decorre do artigo 74, parágrafo 2º da Lei 9.430/96[12] — desse modo, não pode o estabelecimento de garantias para a compensação, por lei federal, alterar a interpretação do artigo 138 do CTN, de hierarquia superior na cadeia normativa.

Como se pode ver do levantamento de decisões recentes do Carf, de praticamente todas as turmas da 1ª e 3ª seções, há uma evidente divergência de entendimentos, com uma nítida tendência de as turmas se alinharem com a posição da sua Câmara Superior correspondente.

Entretanto, a diversidade de posições nas CSRFs justificaria, regimentalmente, o exercício da competência do Pleno para uniformizar as decisões divergentes dessas duas turmas, por meio de resolução (artigo 10º do Anexo II do Regimento Interno do Carf[13]). Até lá, o tema segue gerando insegurança para o contribuinte, mas em amplo debate no Carf.


[1] Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. [grifo nosso]
[2] AgRg no AREsp 174.514/CE, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 10/09/2012.
[3] AgRg no REsp 1461757/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/09/2015, DJe 17/09/2015.
[4] REsp 1122131/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/05/2016, DJe 02/06/2016.
[5] AgRg no REsp 1136372/RS, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 18/05/2010.
[6] "A simples confissão da dívida, acompanhada do pedido de parcelamento, não configura denúncia espontânea."
[7] REsp 1.149.022/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/06/2010, DJe 24/06/2010.
[8] Art. 150 (…) § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
[9] Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos: (…)
[10] RE 566.621, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 04/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL.
[11] Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.
[12] Art. 74 (…) § 2º A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.

[13] Art. 10. Ao Pleno da CSRF compete a uniformização de decisões divergentes, em tese, das turmas da CSRF, por meio de resolução.

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  • é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, com estágio pós-doutoral em Direito Tributário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é visiting scholar no Max-Planck-Instituts für Steuerrecht und Öffentliche Finanzen, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf, pesquisador do NEF/FGV, presidente da Comissão de Direito Aduaneiro do IASP e professor permanente do mestrado profissional do Cedes e da pós-graduação do IBDT.

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