Opinião

Os precedentes judiciais de Direito Administrativo no STJ em 2018

Autores

  • Emerson Affonso da Costa Moura

    é advogado professor adjunto da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) doutor em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Administrativo pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Líder dirigente do Observatório de Direito Administrativo (ODA) da UFRRJ.

  • Leonardo Pereira de Lima

    é advogado pós-graduando em Direito Público pela PUC Minas e pesquisador do Observatório de Direito Administrativo (ODA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

9 de fevereiro de 2019, 5h53

No ano de 2018, diversos foram os temas de Direito Administrativo debatidos pelo Superior Tribunal de Justiça. A corte não só apreciou processos que versavam sobre litígios individuais como também se debruçou sobre o julgamento de recursos especiais repetitivos, bem como editou súmulas para cristalizar o seu entendimento em relação a determinadas matérias[1].

Neste sentido, iniciamos a retrospectiva com quatro súmulas editadas pela corte no ano de 2018. Na Súmula 619, fixou-se que “a ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias”. Na Súmula 615, determinou-se que “não pode ocorrer ou permanecer a inscrição do município em cadastros restritivos fundada em irregularidades na gestão anterior quando, na gestão sucessora, são tomadas as providências cabíveis à reparação dos danos eventualmente cometidos”. Na Súmula 611, que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é permitida a instauração de processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração”. Por fim, na Súmula 628 veiculou-se a tese que “a teoria da encampação é aplicada no mandado de segurança quando presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) existência de vínculo hierárquico entre a autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato impugnado; b) manifestação a respeito do mérito nas informações prestadas; e c) ausência de modificação de competência estabelecida na Constituição Federal”.

No que tange aos recursos especiais repetitivos, a corte apreciou e firmou entendimento em importantes temas. Consolidado no tema 965, no Recurso Especial 1.588.969/RS, de relatoria da ministra Assusete Magalhães, a 1ª Seção, por maioria, em 28/2/2018, entendeu que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) detém competência para a fiscalização do trânsito nas rodovias e estradas federais, podendo aplicar, em caráter não exclusivo, penalidade por infração ao Código de Trânsito Brasileiro, consoante se extrai da conjugada exegese dos artigos 82, parágrafo 3º, da Lei 10.233/2001 e 21 da Lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro).

No tema 731, a 1ª Seção entendeu, através do Recurso Especial 1.614.874/SC, de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, por unanimidade, em 11/4/2018, que a remuneração das contas vinculadas ao FGTS tem disciplina própria, ditada por lei específica, que estabelece a TR como forma de atualização monetária, sendo vedado, portanto, ao Poder Judiciário substituir o mencionado índice.

Já no tema 766, de origem no Recurso Especial 1.682.836/SP, de relatoria do ministro Og Fernandes, a 1ª Seção, por unanimidade, em 25/4/2018, entendeu que o Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se refere a direitos individuais indisponíveis, na forma do artigo 1º da Lei 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).

Com o tema 699, a partir do Recurso Especial 1.412.433/RS, de relatoria do ministro Herman Benjamin, a 1ª Seção, por unanimidade, em 25/4/2018, entendeu que é possível a suspensão do fornecimento de energia elétrica quando há débitos do consumidor por fraude no medidor de consumo, desde que apurado em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Além disso, o reconhecimento da possibilidade de corte de energia elétrica deve ter limite temporal de apuração retroativa, pois incumbe às concessionárias o dever não só de fornecer o serviço, mas também de fiscalizar adequada e periodicamente o sistema de controle de consumo. Outrossim, deve ser fixado prazo razoável de, no máximo, 90 dias após o vencimento da fatura de recuperação de consumo, para que a concessionária possa suspender o serviço.

Com o tema 106, no Recurso Especial 1.657.156/RJ, de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, a 1ª Seção, por unanimidade, em 25/4/2018, fixou entendimento de que a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: (i) comprovação, por meio de laudo fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; (ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; e (iii) existência de registro na Anvisa do medicamento. Nos embargos de declaração interposto no recurso especial, em 12/9/2018, a 1ª Seção, por unanimidade, modulou os efeitos do presente repetitivo de forma que os requisitos acima elencados sejam exigidos de forma cumulativa somente quanto aos processos distribuídos a partir da data da publicação do acórdão embargado, ou seja, 4/5/2018.

Por fim, no tema 405, referente ao Recurso Especial 1.133.965/BA, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, a 1ª Seção, por unanimidade, em 25/4/2018, entendeu que a apreensão de veículo utilizado no carregamento de madeira sem autorização e posterior liberação condicionada ao pagamento de multa é inviável. Contudo, entendeu ser cabível a liberação do veículo condicionada ao oferecimento de defesa administrativa, ou seja, sendo o fiel depositário na pessoa do proprietário.

Na QO no REsp 1.328.993/CE, de relatoria do ministro Og Fernandes, julgado em 8/8/2018, por unanimidade, a 1ª Seção acolheu a proposta de revisão de entendimento firmado em tema repetitivo, referentes aos temas 126, 184, 280, 281, 282 e 283 e à Súmula 408 do STJ, com a suspensão de todos os processos em trâmite no território nacional a partir do momento em que a questão em tela — taxa de juros compensatórios aplicável às ações de desapropriação — se apresente, ressalvados incidentes, questões e tutelas interpostas a título geral de provimentos de urgência nos processos objeto do sobrestamento.

No que concerne a jurisprudência daquela corte, ainda foram levados a debate uma série de matérias, as quais destacamos a seguir.

No Recurso Especial 1.536.399/PI, de relatoria do ministro Sérgio Kukina, por unanimidade, julgado em 8/2/2018, entendeu-se que é obrigatória a prévia fiscalização do camarão in natura, ainda que na condição de matéria-prima, antes do beneficiamento em outros estados da federação, podendo tal atividade ser realizada no próprio estabelecimento rural onde se desenvolve a carcinicultura.

No Recurso Especial 1.710.155/CE, de relatoria do ministro Herman Benjamin, por unanimidade, julgado em 1/3/2018, entendeu-se que é desnecessária a inscrição dos membros da Defensoria Pública na Ordem dos Advogados do Brasil, pois o artigo 3º, parágrafo 1º, do Estatuto da OAB merece interpretação conforme a CF/88.

No Recurso em Mandado de Segurança 33.744-DF, de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, por unanimidade, julgado em 5/4/2018, em adequação ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, entendeu-se que o direito à percepção de Vantagem Pessoal Nominalmente Identificável (VPNI) não impede a sua eventual absorção pelo subsídio e, do mesmo modo, não inviabiliza a aplicação do teto constitucional, que inclui a vantagem de caráter pessoal no cômputo da remuneração do servidor para observância do teto.

No Recurso Especial 1.460.331/CE, de relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho e relator para o acórdão ministro Gurgel de Faria, por maioria, julgado em 10/4/2018, entendeu-se que o auditor fiscal do Trabalho, com especialidade em medicina do trabalho, não pode cumular o exercício do seu cargo com outro da área de saúde.

No Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei 413-RS, de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, por unanimidade, julgado em 11/4/2018, entendeu-se que o termo inicial do adicional de insalubridade a que faz jus o servidor público é a data do laudo pericial.

No Recurso Especial 1.687.381/DF, de relatoria do ministro Francisco Falcão, por unanimidade, julgado em 17/4/2018, o entendimento foi que as regras gerais previstas na Lei 8.666/1993 podem ser flexibilizadas no programa Minha Casa Minha Vida, por força do artigo 4º, parágrafo único, da Lei 10.188/2001, desde que se observem os princípios gerais da administração pública.

No Recurso Especial 1.452.798/RJ, de relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho e relator para o acórdão ministro Gurgel de Faria, por maioria, julgado em 19/4/2018, entendeu-se que a Lei 12.734/2012, que alterou os artigos 48, parágrafo 3º, e 49, parágrafo 7º, da Lei 9.478/1997 e passou a considerar os pontos de entrega de gás canalizado (city gates) como instalações de embarque e desembarque, para fins de pagamento de royalties aos municípios afetados por tais operações, não tem eficácia retroativa.

No Recurso Especial 1.306.051/MA, de relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, por unanimidade, julgado em 8/5/2018, o entendimento foi no sentido de que nas ações de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária descabe a restituição pelo expropriado sucumbente de honorários periciais aos assistentes técnicos do Incra e do MPF.

No Mandado de Segurança 19.994/DF, de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, por maioria, julgado em 23/5/2018, fixou-se o entendimento de que compete ao chefe da Controladoria-Geral da União a aplicação da penalidade de demissão a servidor do Poder Executivo Federal, independentemente de se encontrar cedido à época dos fatos para o Poder Legislativo Federal.

No Mandado de Segurança 22.813/DF, de relatoria do ministro Og Fernandes, por maioria, julgado em 13/6/2018, houve entendimento de que o candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação caso surjam novas vagas durante o prazo de validade do certame, haja manifestação inequívoca da administração sobre a necessidade de seu provimento e não tenha restrição orçamentária.

No Agravo em Recurso Especial 309.867/ES, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 26/6/2018, o entendimento foi que a sociedade empresária em recuperação judicial pode participar de licitação, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica.

No Recurso Especial 1.565.166/PR, de relatoria da ministra Regina Helena Costa, por unanimidade, julgado em 26/6/2018, reconheceu que são imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de atos de exceção praticados durante o regime militar.

No Recurso Especial 1.577.881/DF, de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, por unanimidade, julgado em 27/6/2018, entendeu-se que o reajuste geral de 28,86% concedido pelas leis 8.622/1993 e 8.627/1993 não pode ser compensado pelas novas gratificações criadas pela Lei 9.654/1998. Neste sentido, o simples aumento do valor total das gratificações percebidas pelos policiais rodoviários a partir da Lei 9.654/1998 (mas não de seu vencimento básico) não é capaz de fazer com que os integrantes da categoria houvessem de ver compensadas, em seu vencimento básico, as quantias que percebiam a título de reajuste (28,86%) a que faziam jus desde as leis 8.622/1993 e 8.627/1993. Deste modo, no caso da Lei 9.654/1998, o que se viu não foi uma nova forma de disciplinar a remuneração dos policiais rodoviários federais, mas, sim, a criação de algumas gratificações.

No Recurso Especial 1.396.808/AM, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 14/8/2018, o entendimento foi que a concessionária de fornecimento de energia elétrica não pode exigir de órgão público, usuário do serviço, multa por inadimplemento no pagamento de fatura, fundamentada no parágrafo único do artigo 4º do Decreto-Lei 2.432/1988.

No Recurso Especial 1.746.784/PE, de relatoria do ministro Og Fernandes, por unanimidade, julgado em 23/8/2018, tomando como orientação o AgR no RE 1.094.802-PE, fixou o entendimento de que a acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no artigo 37, XVI, da CF/88, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais.

No Recurso Especial 1.492.832/DF, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, por maioria, julgado em 4/9/2018, entendeu-se que não se verifica o dever do Estado de indenizar eventuais prejuízos financeiros do setor privado decorrentes da alteração de política econômico-tributária, no caso de o ente público não ter se comprometido, formal e previamente, por meio de determinado planejamento específico.

Na Execução no Mandado de Segurança 18.782/DF, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, por unanimidade, julgado em 12/9/2018, o entendimento foi que nos casos de anistia política, em sede de mandado de segurança, só é possível a inclusão de juros de mora e correção monetária na fase executiva quando houver decisão expressa nesse sentido.

No Recurso Especial 1.681.607/PE, de relatoria da ministra Regina Helena Costa, por unanimidade, julgado em 20/9/2018, entendeu que a emissão do certificado de conclusão do ensino médio, realizado de forma integrada com o técnico, ao estudante aprovado nas disciplinas regulares independe do estágio profissionalizante.

Assim, após a exposição das decisões colacionadas acima, as quais formaram precedentes judiciais no Superior Tribunal de Justiça acerca do Direito Administrativo no ano de 2018, chegamos ao fim desta retrospectiva e aguardamos pelo ano de 2019 e as novas discussões e julgamentos no que diz respeito ao ramo.  


[1] Nota dos autores: na pesquisa foram analisadas as publicações oficiais do próprio Superior Tribunal de Justiça relativas ao ano de 2018, excluindo-se os julgados de 2017 (AREsp 613.239-RS, REsp 1.687.821-SC, EREsp 1.247.360-RJ, REsp 1.238.344-MG, REsp 1.353.602-RS, EAREsp 272.665-PE, RMS 45.817-RJ, AREsp 1.029.385-SP e REsp 1.442.440-AC), o que resultou em 4 súmulas, 19 Resp, 1 QO no REsp, 1 ED no REsp, 1 PUIL, 1 RMS e 3 MS. Assim, foram selecionados 26 julgados de 2018, porém, na retrospectiva haverá apenas 25 sendo analisados, pois dois foram sintetizados já que versam sobre o mesmo julgado.

Autores

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    é advogado, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), da PUC-Rio e da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj). Doutor em Direito pela Uerj e mestre em Direito Constitucional e especialista em Direito Administrativo pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Vice-presidente da Comissão de Direito Administrativo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e membro da American Society For Public Administration (Aspa).

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    é advogado. Pós-graduando em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Pesquisador do Observatório de Direito Administrativo (ODA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

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