Opinião

É possível o patrocínio de obras públicas além do que prevê a Lei 13.800/2019

Autores

  • Thaís Marçal

    é advogada corregedora Suplente de Controle Externo da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro mestre em Direito pela UERJ e coordenadora acadêmica da Escola Superior de Advocacia da OABRJ.

  • Thiago C. Araújo

    é procurador do estado do Rio de Janeiro advogado professor da EPGE e doutor e mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

8 de fevereiro de 2019, 5h34

A Lei Federal 13.800, publicada em 4/1/2019, instituiu nova forma de doação para administração pública. Embora a possibilidade já existisse no ordenamento, o novo diploma legal consolida o emprego de instrumentos de parceria e termos de execução de programas, projetos e demais finalidades de interesse público com, e aí reside a principal inovação da lei, organizações gestoras de fundos patrimoniais. Trata-se da incorporação — e normatização —, entre nós, do endowment, de amplo emprego no Direito anglo-saxão.

Tal medida se mostra salutar para consecução dos objetivos públicos, principalmente em um cenário de crise orçamentária prolongada. A possibilidade de a administração se valer de doações privadas vai ao encontro, inclusive, do conceito de administração pública dialógica, sob o prisma da cooperação entre os atores público e privados para fins de desenvolvimento nacional, com a construção concertada de objetivos comuns.

Diante da apreensão de não utilização dos recursos doados para concretização das finalidades pretendidas, o que inibiria a transferência voluntária de recursos por particulares, a possibilidade de instituição de um fundo, nos moldes da Lei 13.800/2019, seria uma forma de permitir a arrecadação de verbas com destinação específica, que estaria, inclusive, protegida quanto à possibilidade de usos alternativos pela administração pública, haja vista que seria verba “carimbada”[1], ou seja, com vinculação específica, não podendo, por consequência, ser utilizada para fins de remanejamento orçamentário.

Verifica-se que a lei introduz algumas salvaguardas relativas à segurança, impondo a organização de cláusulas obrigatórias no ato constitutivo da organização gestora do fundo patrimonial (artigo 5º), previsão de conselho de administração, fiscal e comitê de investimento (artigo 8º e seguintes)[2]. Com isso, a um tempo, cria-se um ambiente de maior segurança, estimulando o aumento de doações. Por outro lado, não se ignora que os custos de transação fatalmente serão elevados, o que implica um maior grau de dificuldades para que os recursos doados sejam empregados.

Nessa ordem de ideias, importante relembrar que a Lei 13.800 não esgota a possibilidade de doação de bens e recursos pecuniários para a administração pública.

No tocante a bens imóveis, diversos são os exemplos que podem ser encontrados na prática estadual e municipal, além de exemplos de universidades públicas[3].

Bancos internacionais (por exemplo, BID, Bird e Banco Mundial) permitem doação de verba para países[4]. No Brasil, essa modalidade de recebimento de apoio financeiro não é rara na área ambiental, diante da preocupação de tais instituições com a sustentabilidade, questão de nível global.

Questão interessante a esse respeito refere-se à possibilidade de doação privada de dinheiro para financiamento de obras públicas que, por imperativo constitucional, deverão ser licitadas. Não se desconhece a necessidade de se ter prévia dotação orçamentária para realização de certames para consecução de obras públicas. Contudo, é cediço também que a frustração da expectativa orçamentária, principalmente em momentos de escassez de recursos públicos, também é um grande desafio para os gestores darem continuidade a projetos de infraestrutura, tão necessários ao desenvolvimento nacional

Assim, uma solução para arrecadação de recursos necessários a viabilizar grandes projetos de infraestrutura, que demandam vultosos recursos financeiros, seria a possibilidade de realizar uma chamada pública para habilitar pessoas físicas e jurídicas interessadas em realizar a doação financeira para projeto público específico.

Insta destacar que, no edital de chamamento público, deverá ser especificada qual será a contrapartida conferida ao particular, que, no caso de obras públicas, pode consistir em anotação na placa do empreendimento do patrocínio, por exemplo.

Importante salientar que para diversas sociedades empresariais a possibilidade de realizar esta doação, ainda que sem a existência de incentivos fiscais de abatimento de impostos, o ganho de imagem representa um impacto positivo de maior relevância, inclusive sendo algo de indispensável avaliação na função social da empresa, que deve ser avaliada inclusive em momentos em que estas passam por situações excepcionais como recuperações judiciais e celebrações de acordo de leniência.

Em relação às pessoas físicas, observa-se que diversas são as pessoas engajadas e com possibilidade de disposição de quantia financeira para realizar doações para administração pública com puro ânimo de cooperação para projetos em específico.

Não se desconhece que, diante de diversos casos de desvio de verba, bem como eleição de prioridades de gastos que não atendem aos anseios da população, haveria uma desconfiança social na doação de dinheiro para a administração pública. Por isso, é necessário que haja uma afetação do dinheiro gasto para a finalidade à qual o referido foi destinado, sem possibilidade de remanejamento orçamentário, através de vinculação de fonte orçamentária destinada a um programa de trabalho específico, a exemplo de convênios e financiamentos, com a previsão de conta específica.

Em resumo, conclui-se que a Lei 13.800/2019 consolidou uma forma de doação de dinheiro para a administração pública, mas que esta não se revela a única admissível no ordenamento jurídico brasileiro. Outros caminhos podem ser percorridos a fim de possibilitar a atuação cooperadas entre os agentes públicos e privados em prol do desenvolvimento nacional.


[1] Como regra geral. De fato, a lei prevê três tipos de doação: (i) permanente e não restrita: o recurso é incorporado ao patrimônio do fundo e os rendimentos podem ser usados em programas projetos e demais finalidades públicas; (ii) permanente restrita de propósito específico: o recurso é incorporado ao patrimônio do fundo e os rendimentos podem ser utilizados em projetos relacionados ao propósito definido no instrumento de doação; (iii) de propósito específico: o recurso é atribuído a projeto previamente definido no instrumento de doação. Ou seja, no caso de doação permanente e não restrita a única vinculação é a concretização do interesse público termo que em nenhum momento a lei conceitua. Então, a princípio, nessa categoria, não haveria uma vinculação específica expressa, podendo ocorrer algum tipo de remanejamento.
[2] Alguns pontos da lei trazem, ao menos numa interpretação superficial, certa perplexidade. Veja-se, por exemplo, o artigo 12, com o seguinte teor: “Os membros do Conselho Fiscal, do Conselho de Administração e do Comitê de Investimentos poderão ser remunerados pela organização gestora de fundo patrimonial, observado o rendimento do fundo nos termos do estatuto”. Com isso, parece haver um incentivo a que os membros do Conselho Fiscal restem mais inclinados a desconsiderar riscos, desde que haja a perspectiva de retorno financeiro ao fundo, majorando sua remuneração.
[3] À guisa exemplificativa, confira-se a Resolução 7.157/2015, que cria o Programa Parceiros da USP. Disponível em: http://www.leginf.usp.br/?resolucao=resolucao-no-7157-de-10-de-dezembro-de-2015.
[4] Exemplificativamente, veja-se: (i) Bird: https://stf.jusbrasil.com.br/noticias/3088199/bird-assina-acordo-de-doacao-para-o-cnj; (ii) Banco Mundial: http://www.worldbank.org/pt/news/press-release/2012/02/23/gef-grant-help-brazil-protect-additional-135-million-hectares-amazon; (iii) BID: http://www.planejamento.gov.br/assuntos/assuntos-internacionais/noticias/bid-doa-us-2-4-milhoes-para-programa-de

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  • Brave

    é advogada, mestre em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenadora acadêmica da Escola Superior de Advocacia da OAB-RJ.

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    é procurador do estado do Rio de Janeiro, advogado, professor da EPGE e doutor e mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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