Opinião

É preciso alargar a competência constitucional da Justiça do Trabalho

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7 de fevereiro de 2019, 5h16

Não parece tarefa fácil nos dias atuais — em que tudo se resume a respostas com pouca ou nenhuma reflexão em articular argumentos que possam ser compreendidos por uma sociedade isenta de qualquer preconceito, em favor de uma ideia que temos certeza como correta — a permanência da Justiça do Trabalho como a única capaz de resolver os conflitos entre o capital e o trabalho.

O importante nestes tempos de muita improvisação é que o próprio jurisdicionado tenha consciência da importância da Justiça do Trabalho, que integra o Poder Judiciário desde a Constituição Federal de 1946, como a única Justiça com visão social, mas ao mesmo tempo atenta à dinâmica dos novos tempos econômicos e políticos, tendo nas diversas décadas de profícuo trabalho de todos os seus agentes sido capaz de se reinventar e procurar novos caminhos, que cada vez mais justificam a sua existência.

A Justiça do Trabalho sempre exerceu um protagonismo em relação às outras Justiças. Foram as sentenças trabalhistas as primeiras a serem prolatadas com a utilização do computador, assim como a partir das ações trabalhistas se passou a ter uma compreensão mais aprofundada do trabalho realizado com o uso da informática, os reflexos que tudo isso produziu no trabalho e no trabalhador.

Esta nova realidade exerceu alteração mais do que profunda nos serviços anteriormente realizados pelos empregados bancários, por exemplo.

A informática e a internet produziram uma revolução em toda a cadeia produtiva e geraram a exigência de novas competências e de um novo perfil de trabalhador.

Registro ainda que a Justiça do Trabalho tornou real o processo eletrônico em todo o país, o que permite um maior dinamismo na sua atuação, afora os mais diversos recursos efetivados graças aos recursos da informática, com o estabelecimento de diversos convênios (Bacenjud, Detrans, Juntas Comerciais, Registro de Imóveis), dentre tantos outros que permitem a maior celeridade na concretização de suas decisões.

E se todos esses argumentos ainda não são suficientes para justificar a eficiência e a celeridade da Justiça do Trabalho, deve ser mencionado neste ponto que desde as primeiras alterações do Código de Processo Civil e do Código Civil foram copiadas normas e práticas específicas da Justiça do Trabalho, como a inserção da obrigatoriedade da conciliação e a denominada despersonalização da pessoa jurídica, para ficar em dois exemplos, no mínimo, praticados desde 1943 no âmbito da Justiça do Trabalho, muito especialmente no primeiro grau de jurisdição.

A conciliação e a mediação são mecanismos integrantes da realidade diuturna da Justiça do Trabalho, impedindo greves, em grande maioria em serviços essenciais, assim como estabelecendo condições de trabalho entre as categorias — profissional e econômica —, mas, essencialmente, resolvendo conflitos com a convergência de vontade das partes, o que assegura a pacificação social e o equilíbrio entre o capital e o trabalho.

Hoje o grande papel da Justiça do Trabalho é impedir a formulação repetitiva de lides relativas a idênticas pretensões, prática arraigada em décadas anteriores, ou mesmo o incentivo nefasto de discussão jurisprudencial sobre matérias que indiscutivelmente deveriam ser solucionadas através de competentes projetos de lei.

Essas práticas em nada contribuíram para o aperfeiçoamento da instituição, e sim produziram atividade predatória da jurisdição.

Não se trata de impedir o acesso à Justiça, princípio constitucional inerente a qualquer país dito civilizado, mas de estabelecer objetivamente e com um mínimo de organização gerencial a resolução dos conflitos de forma coletiva, com economia de tempo e de recursos.

Este novo papel a Justiça do Trabalho tem executado de forma eficiente e eficaz, e os números das conciliações em todos os graus de jurisdição têm se tornado prática constante, o que permite afirmar que não só a Justiça do Trabalho cumpre a jurisdição de forma eficiente e eficaz como produz a aproximação mais do que necessária entre as partes para a resolução dos conflitos.

É certo que todos aqueles que sem maiores argumentos propugnam pela extinção da Justiça do Trabalho — ideia não inédita e reiterada no mínimo há mais de 20 anos — não desconhecem que os conflitos entre o capital e o trabalho não irão desaparecer junto com a Justiça especializada.

Ora, os conflitos existirão sempre que alguém descumpre a lei ou viola alguns dos direitos mínimos assegurados aos trabalhadores na Constituição Federal, portanto, garantia do valor social do trabalho efetivamente reconhecido, constitucionalmente, exatamente porque é a única forma de assegurar a sobrevivência digna de qualquer ser humano e de sua família.

O valor social do trabalho representa o parâmetro de qualquer sociedade livre, democrática, que há séculos aboliu a escravidão como método produtivo. A evolução da sociedade não permite práticas inerentes aos séculos XVII, XVIII e início do século XIX, com jornadas extenuantes de trabalho, trabalho infantil ou mesmo formas de dominação frente à fome ou miséria. Não se pode admitir trabalho que não esteja em consonância com limitação de jornada ou que máquinas e equipamentos utilizados no trabalho possam produzir acidentes ou mortes em decorrência do trabalho.

E, de resto, possivelmente os arautos da extinção da Justiça do Trabalho desconhecem a função arrecadadora de contribuições previdenciárias e fiscais decorrentes das suas decisões, que lhe foi atribuída desde a Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, o que significa dizer que o governo federal arrecada sem qualquer custo graças à estrutura da Justiça do Trabalho e o trabalho exclusivo dos juízes trabalhistas de todo o país, assim como dos servidores, peritos e advogados. E neste ponto, com o processo eletrônico trabalhista implementado em todo o território nacional, a agilidade da sua constituição produz a transparência inequívoca de todos os seus atos e, em especial, do que arrecada, sem que nenhum centavo seja desviado de sua finalidade.

A significativa quantia arrecadada de contribuições previdenciárias (R$ 2.371.427.524,95) e fiscais (R$ 339.048.214,55) até outubro de 2018, em todo o país, permite concluir que, ainda que a Justiça não tenha sido estruturada para dar lucro, porque outra a sua finalidade, fundamento emergente desde os estudos filosóficos da República de Platão, desde 2004 produz lucro.

Importante mencionar ainda que a 4ª Região, desde dezembro passado, publica em seu site listagem com todos os processos em tramitação no primeiro e segundo grau no estado, o que permite a partes e advogados a efetiva verificação da situação de cada processo individualmente, de forma mais do que transparente, além da produtividade de cada magistrado. Tudo isso representa uma nova forma de comunicação com a sociedade e a certeza da efetividade da jurisdição.

Neste viés, e como este tem por objetivo propor mudanças efetivas e representativas do aperfeiçoamento da Justiça do Trabalho, indico que há necessariamente de haver alargamento da competência constitucional da Justiça do Trabalho.

Não se admite que os trabalhadores que tenham tido o reconhecimento dos seus vínculos de emprego na Justiça do Trabalho sejam compelidos a ajuizar nova ação na Justiça Federal para o reconhecimento do tempo de serviço perante a Previdência Social. Essa matéria é inerente à competência constitucional da Justiça do Trabalho (artigo 114 da Constituição Federal, alterada pela Emenda Constitucional 45, de 2004).

Assim como os acidentes do trabalho, a função arrecadadora de contribuições previdenciárias e o Imposto de Renda decorrentes dos processos trabalhistas foram agregados à competência constitucional desta Justiça a partir da referida emenda constitucional citada, proponho, nesta data, o alargamento desta competência com a inserção das demandas previdenciárias, hoje afetas à Justiça Federal. Não há razão para que, imediatamente ao reconhecimento de vínculo de emprego, este tempo de serviço não seja agregado à Previdência Social.

E da mesma forma as ações que visam haver diferenças do FGTS também devem ser agregadas à competência da Justiça do Trabalho, por não se justificar que as instituições não se comuniquem — órgão arrecadador, no caso, a Caixa Econômica Federal, a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal. Ora, se a Justiça do Trabalho reconhece que determinada empresa não recolhe corretamente os valores devidos ao FGTS e condena no seu recolhimento, deve ser capaz de solucionar as lides que visam a haver daquela as diferenças dos recolhimentos de todos os empregados indistintamente.

A falta de interlocução entre as instituições acarreta a repetição de atos e procedimentos, afora a impossibilidade na maioria das vezes da verificação do que foi recolhido decorrente da condenação pela Justiça do Trabalho e do que é efetivamente devido em razão da ação na Justiça Federal, no que resulta, não raras vezes, em duplicidade de recolhimentos, afora o inequívoco aporte de recursos para a mesma finalidade.

Por fim, resta fazer o registro sobre os depósitos judiciais, pressuposto de admissibilidade dos recursos na Justiça do Trabalho, que enquanto o processo tramita permanecem à disposição de bancos oficiais, sem que a correção monetária corresponda ao valor efetivamente devido. E tanto é verdade que ao retornar o processo para ser executado os valores dos depósitos recursais, que por destinação deveriam garantir a integralidade da execução, pouco ou nada significam, o que importa dizer que este volume gigantesco de recursos está posto à disposição dos bancos sem que as partes envolvidas — empregados e empresas — tenham qualquer vantagem.

Há urgência na alteração dos índices de correção monetária dos depósitos judiciais para que sejam os valores efetivamente devidos em cada processo. A imobilização de ativos das diversas empresas demandadas em todo o país, sem os efetivos e justos índices de correção monetária, são indicativos claros de recursos desviados da esfera produtiva para a financeira.

Registro por importante que, no momento atual pelo qual atravessa o país, há situações muito complexas, o que exige uma visão aperfeiçoada não só dos fundamentos econômicos ou financeiros, mas, essencialmente, da reestruturação organizacional das instituições, que devem ser pautadas pela ética e honestidade, o que por certo não passa pela extinção da Justiça do Trabalho, uma Justiça célere, com cunho social, que visa garantir limites mínimos de cidadania e dignidade.

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