Opinião

A complexidade legal e normativa no setor elétrico e as decisões judiciais

Autores

  • Nelson Fonseca Leite

    é presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).

  • Wagner Ferreira

    é advogado e árbitro diretor institucional e jurídico da Abradee integrante do Comitê de Energia da Camarb do Conselho Fiscal do Fórum do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico e do Comitê Gestor da plataforma consumidor.gov pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários MBA em Gestão Empresarial pela FGV e liderança pela Fundação Dom Cabral

6 de fevereiro de 2019, 11h47

Há uma tendência inequívoca nos dias de hoje: há mais complexidade, em tudo. Assim em todas as relações e interações sociais vê-se um número intensamente maior de correlações e influências, sejam elas normativas ou não. De fato, o mundo hoje é mais plural e quem assim não enxerga possivelmente não acompanhará as necessidades e exigências futuras.

No campo legal não é diferente. Todos os dias inúmeras leis e decretos (firmando diretrizes e obrigações) são promulgadas.

Afora as novas legislações como dito acima — sem entrar no mérito da legalidade das referidas leis —, há ainda um absoluto complexo de leis, consubstanciado na definição e estruturação constitucional, orientado pelas leis federais e regulado pelos normativos impostos pelo regulador, no caso, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que formam e estruturam o setor elétrico brasileiro.

Esse plexo legal e normativo define direitos e obrigações de todo o setor elétrico, incluindo as interfaces entre os agentes setoriais (geradores, transmissores, distribuidores e comercializadores), os consumidores livres e cativos, bem como as principais instituições setoriais (Câmara de Comercialização, Operador Nacional do Sistema, Aneel, Ministério de Minas de Energia) e tantos outros agentes que, juntos, são responsáveis por entregar energia elétrica a toda a sociedade com qualidade e segurança.

Dada essas interconexões e inter-relações entre agentes na busca de um objetivo comum, as questões conflituosas são submetidas cotidianamente à Aneel, que, com presunção constitucional e legal da legitimidade de seus atos administrativos, tem o papel vital de interpretar as questões de acordo com as leis e normativos e impor a solução para o caso concreto.

É de se imaginar, mesmo sendo a Aneel um órgão proativo pautado pela técnica, forma e acurácia de seus atos, que questões extravasem ao Judiciário.

Aqui cabe um pequeno registro. Por questões nem sempre jurídicas e normalmente associadas a conveniências políticas de que quem as questiona, alguns processos de reajuste e revisão tarifários das distribuidoras de energia são submetidos ao Judiciário, principalmente agora em razão das distribuidoras recém-privatizadas. Para quem não é da área, vale dizer, com absoluta franqueza, que o processo de reajuste e revisão tarifários — seja para qual distribuidora for — possui denso e estruturado arcabouço técnico, regulatório e econômico, formal e criteriosamente estabelecido pela Aneel. Porém, não se pode olvidar que é um assunto fundamentalmente técnico, que exige um olhar especializado para sua adequada compreensão.

Retomando ao ponto anterior, ao Judiciário cabe a dura missão de decidir sobre questões eminentemente específicas. Essas questões por muitas das vezes podem parecer simples, contudo, ao se observar minimamente o plexo normativo do setor e as inter-relações entre agentes, pode-se asseverar com toda certeza que toda questão merece, por dever de cautela, o contraditório e aprofundamento antes de qualquer pronunciamento judicial.

E nesse sentido merece destaque dois sinais importantes de amadurecimento do nosso processo judicial na busca de decisões mais equilibradas e sustentáveis.

Um primeiro e mais amplo está no novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), que, conceitualmente, trouxe ao mundo jurídico um caderno de regras mais moderno, portanto atento às complexidades, capaz de orientar decisões mais acertadas e principalmente que não se revelem inadequadas. Talvez a mais forte e paradoxalmente mais simples é a leitura do disposto no artigo 9º, ao estabelecer que o magistrado “não proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”. Podemos citar ainda artigos que conferem ao juízo um dever de cautela diante de causas complexas (artigos 10, 218, 357, 364) e tantos outros correlatos contidos no referido diploma processual civil.

Nessa mesma toada, o Fórum Nacional da Concorrência e da Regulação (Fonacre), vinculado à Associação dos Juízes Federais (Ajufe), que tem por objetivo o debate de temas processuais entre magistrados federais, advogados, membros do Ministério Público e demais operadores do Direito, por meio de programação científica, estabelece enunciados e recomendações administrativas que, posteriormente, são encaminhados ao Conselho Nacional de Justiça, ao Conselho da Justiça Federal e aos tribunais regionais federais, material técnico que orienta a magistratura federal brasileira quanto aos temas abordados[1].

O Fonacre recentemente decidiu por vários enunciados, sendo dois deles fruto da maturidade obtida no enfrentamento de várias questões complexas do setor elétrico. São eles: “As demandas em matéria de energia elétrica que apresentem efeitos sistêmicos devem ser preferencialmente reunidas para julgamento conjunto, na forma do parágrafo terceiro do artigo 55 do CPC”; e “Ao decidir sobre questões regulatórias no setor de energia elétrica, os juízes devem ter em conta os problemas sistêmicos e econômicos que suas decisões podem causar”, conforme estabelecem os enunciados 19 e 20, respectivamente.

Percebe-se, portanto, nas causas judiciais do setor elétrico, a necessidade de um absoluto protagonismo do juiz no tratamento responsável dessas causas tão complexas, muitas delas com pedidos de tutela ou cautelares.

Nós, enquanto associação que representa os distribuidores de energia elétrica, pautados pela ética e diálogo técnico, trabalhamos pelo cumprimento dos contratos e pela segurança jurídica. Nesse sentido, perceber essa evolução legal e principalmente judicial no que toca às questões do setor elétrico é algo positivo e digno de registro.

Conclui-se, portanto, termos grande expectativa de que os enunciados acima tornem-se prática comumente observada pelos magistrados. Isso dará mais segurança, cadência e eficiência nos processos submetidos ao Judiciário e, como consequência, afastarão as decisões temerárias, pautadas pela conveniência do momento ou motivada exclusivamente por questões políticas. Numa civilização moderna e justa, decisões precárias com essas volições não terão mais guarida e ressonância na sociedade.

Vivemos novos tempos e esperamos que a responsabilidade e prudência estejam sempre presentes nas questões do setor elétrico que são submetidas ao Judiciário.

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