Consultor Jurídico

CVM condena estado de SP por se beneficiar de empresa pública

6 de fevereiro de 2019, 16h29

Por Gabriela Coelho

imprimir

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu, por unanimidade, condenar o estado de São Paulo, na qualidade de acionista controlador da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE), ao pagamento de multa de R$ 500 mil por ter se beneficiado gratuitamente dos Serviços de Controle de Cheias.

A decisão se baseou em um processo administrativo instaurado pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP) para apurar a responsabilidade do estado de São Paulo pela suposta utilização gratuita de Serviços de Controle de Cheias pela EMAE. A SEP entende que os serviços deveriam ser remunerados pelo estado, na qualidade de beneficiário do serviço e, ao não fazê-lo, o acionista controlador teria violado seus deveres.

Atividade de Controle
No voto, o diretor relator, Henrique Machado, afirma que houve infração do artigo 116, segundo o qual o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

“A alegada conexão entre a atividade de controle de cheias e a atividade de geração de energia elétrica, baseada em normativos históricos, não significa que o serviço de controle de cheias prestado atualmente pela EMAE seja revertido necessariamente ou integralmente para a produção de energia elétrica. Ao contrário, como se verá, a conexão das atividades, tal como pretendida pela defesa, não revela a adequada interpretação jurídica dos normativos nem se sustenta sob o aspecto fático-material”, explica.

Segundo o relator, a redação de leis anteriores não permite concluir que a EMAE seja responsável por toda e qualquer atividade de controle de cheias. Para ele, respeitar os limites das vazões de restrição é uma obrigação geral de todas as concessionárias de geração.

“Assim como cumprir a legislação ambiental e de recursos hídricos, em vista da natureza do serviço prestado e sua íntima relação com o movimento das águas. É cediço que a geração de energia elétrica por meio de energia hidráulica pode gerar grandes impactos ambientais e sociais, especialmente no caso do Brasil, onde, dentre as fontes de energia exploradas, a hídrica representa 64,49%”, aponta.

De acordo com a Lei n° 10.848/04 e o Decreto n° 5.177/04, e antes da MP n° 579/12, as prestadoras de serviços públicos de geração de energia elétrica, como a EMAE, não eram remuneradas por tarifa, mas por preço fixado por lotes de MW médios em leilões de energia promovidos pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.

“Entretanto, o novo modelo remuneratório de geração de energia da Companhia tem por fundamento a Receita Anual de Geração (RAG), que é o valor em Reais (R$) a que a geradora de energia elétrica tem direito pela disponibilização da Garantia Física, em regime de cotas de garantia física, de energia e de potência da usina hidrelétrica. Esse valor é pago em parcelas duodécimas e sujeito a ajustes de indisponibilidade ou desempenho da geração”, explica.

Para o relator, nesse novo cenário, diante do conjunto fático-probatório constante dos autos, "não é possível asseverar que todas as atividades do Serviço de Controle de Cheias estão sendo adequadamente remunerados por tarifa e, não, pelo estado de São Paulo".

Segundo o relator, não há a informação de que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tenha reconhecido a validade da inclusão dos respectivos custos na composição das despesas que deveriam ser remuneradas pela RAG.

“A Aneel reiterou por meio do Ofício 644/2015-SFF/ANEEL, de 6 de novembro de 2015 o entendimento de que a prestação do Serviço de Controle de Cheias não é atividade atinente à geração de energia elétrica, devendo-se concluir que seus custos não deverão ser considerados para o cálculo da tarifa”, diz.

Casos Semelhantes
Em uma nota Nota Técnica n° 006/2006-SCG/SRG/ANEEL, de 17 de fevereiro de 2006, por meio da qual é analisado o pedido da EMAE de desativação parcial da Usina Hidrelétrica Henry Borden, a agência relata que diversas oportunidades em que o de São Paulo reconhece o desequilíbrio financeiro da concessão e afirma reconhecer sua responsabilidade na solução do problema.

 “De acordo com as condições específicas da usina e em função das restrições ambientais impostas, que limitam a geração de energia, cabe ao Governo do estado de São Paulo, que detém o controle acionário da EMAE, efetuar estudos e desenvolver ações com o objetivo de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do empreendimento, conforme compromisso assumido”, diz a nota.

Responsabilização Técnica
A SEP concluiu por não atribuir responsabilidade aos administradores da EMAE ao considerar o caráter continuado da suposta prática irregular e entendeu que “seria excessivo responsabilizar os administradores por não terem adotado outras medidas com vistas a fazer com que a EMAE fosse remunerada pela prestação do Serviço de Controle de Cheias”.

Na prática, a SEP considerou regular a decisão tomada pela administração da Companhia de prosseguir com a prestação dos serviços ao Estado, mesmo sem a devida contraprestação.

Na ocasião, o relator da CVM votou pela adoção de medidas para responsabilizá-los na ausência de esforços imediatos para superar a situação irregular descrita no processo. O diretor Gustavo Gonzalez apresentou ressalva e foi acompanhado presidente Marcelo Barbosa.

“Na hipótese de se mostrar necessária nova atuação sancionadora da SEP para apuração das responsabilidades pelos atos praticados após este julgamento, recomendo que a SEP apure o montante da vantagem econômica anualmente obtida, de modo a contribuir com a efetividade da decisão”, pede.

Clique aqui para ler o voto do relator.
CVM Nº 19957.000714/2016-12