Opinião

Proposta do BC contra crimes financeiros e terrorismo traz mudanças positivas

Autores

  • Maria Balbina M. de Rizzo
  • André Castro Carvalho

    é bacharel mestre e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo com estudos em nível de pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology - MIT (em 2016) e na Faculdade de Direito da USP (2017-2018) professor de pós-graduação e educação executiva em diversas escolas de negócios como Insper Ibmec-SP Trevisan FIPE FIA e Fipecafi ex-vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (2019-2023) e atualmente membro do seu Comitê de Ética membro de Comitê de Auditoria em duas companhias em São Paulo consultor e advogado em São Paulo.

4 de fevereiro de 2019, 16h58

Após quase 10 anos da publicação da Circular 3.461, de 24/7/2009, que concentra os procedimentos a serem adotados em prevenção da lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo (PLD/FT) pelas instituições reguladas pelo Banco Central, foi submetida à consulta pública o Edital 70/2019, como medida de melhor ajuste às 40 recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi), entidade que desenvolve standards globais para preservar a integridade do sistema financeiro internacional.

O crime de lavagem de dinheiro previsto na Lei 9.613/1998 e do financiamento do terrorismo previsto na Lei 13.260/2016[1] exige de certas pessoas, setores e atividades a implantação de políticas e controles internos de prevenção visando assegurar a adesão à legislação brasileira, como consequência de compromissos internacionais adotados pelo Brasil em convenções e tratados, evitando-se assim multas e sanções contra o seu não cumprimento.

Embora, na prática, as instituições reguladas já façam avaliação interna e utilizem a classificação de riscos, a proposta reforça sobremaneira o processo de conhecer o cliente, suas atividades, a origem de seus recursos, sua idoneidade, ou seja, a política KYC (Know Your Customer), além da aplicação também a funcionários (Know Your Employee – KYE), terceiros (Know your Third Party – KY3P), parceiros (Know Your Partner – KYP), fornecedores (Know your Supplier – KYS) e bancos correspondentes no exterior (Know Your Correspondent Banking – KYCB). Essas políticas representam conhecer, avaliar e classificar todos os elementos de interface com as instituições sob o olhar da prevenção da lavagem de dinheiro, evitando que se transformem em veículos de facilitação da ocorrência desse ilícito. Esses riscos devem ser contemplados na gestão de risco da instituição, especificamente nos procedimentos de controle e monitoramento e complementados por revisões regulares de conformidade e auditoria interna e externa.

Essa abordagem baseada (ou com base) no risco (risk-based approach) já estava formulada na revisão das recomendações em 2012 e permite que os países adotem um conjunto mais flexível de medidas de due diligence de clientes (CDD) para aqueles que representem menores riscos de PLD/FT e direcionar medidas preventivas mais rigorosas proporcionais aos riscos, assim atuando da maneira mais eficiente e dimensionando os recursos de forma mais racional. Afinal, o compliance financeiro das instituições deve andar em harmonia com o negócio e o apetite ao risco definido pela alta administração.

Importante seria se a proposta trouxesse uma uniformização dos fatores de risco e seu nível de relevância com relação à possibilidade de utilização para lavar dinheiro e financiar o terrorismo. Esperamos que isso possa ser definido posteriormente em uma carta circular — talvez em substituição e extensão da atual Carta Circular 3.542/2012.

Outra alteração importante foi a ampliação da lista de PEPs (pessoas expostas politicamente)[2] elegíveis ao monitoramento e avaliação mais rigorosos de suas movimentações financeiras. Pela atual circular 3.461/2009, entre outras funções, apenas os prefeitos das capitais de estado eram PEPs — e é consabido que as administrações municipais representam riscos relevantes em matéria de corrupção e lavagem de dinheiro, assim como as demais administrações. Foram, então, incluídos na lista PEP todos os prefeitos de municípios e do Distrito Federal, os deputados federais, estaduais e vereadores, entre outros. Boa iniciativa que, embora multiplique a lista, faz muito sentido para o objetivo proposto. Um aporte que se registra é que a inovação poderia ser mais ousada e incluir também secretários municipais, presidentes, vice-presidentes e diretores de entidades da administração pública indireta municipal, bem como vice-presidentes e dirigentes das entidades da administração pública indireta estadual e distrital.

Em contrapartida, no texto da circular vigente, são também considerados PEPs para efeito de monitoramento os seus representantes, familiares (que, por definição da atual norma, são os parentes em linha reta até o primeiro grau, o cônjuge, o companheiro, a companheira, o enteado e a enteada) e outras pessoas de relacionamento próximo. No texto que está em consulta pública foi suprimida essa definição, ou seja, deixam de ser monitorados aqueles que, em inúmeros casos, auxiliam na dissimulação da propriedade de bens e recursos, atuando como “laranjas” de políticos corruptos.

Já os parentes colaterais, que não descendem uns dos outros, mas tem um ancestral em comum, que são irmãos, tios, primos e sobrinhos, não seriam próprios para atuar também como “laranjas”? E cunhados, sogros, amigos, sócios, contadores, funcionários domésticos e até ex-cônjuges? É bem provável que essas pessoas próximas sejam uma boa opção para a dissimulação das propriedades. Bastaria haver a cumplicidade. E é aí que deve prevalecer o bom senso da instituição financeira quanto à avaliação de operações atípicas e, caso a nova circular não discipline esse tema, o assunto seja enfrentado dentro da política interna de PLD/FT da instituição na sua abordagem com base em riscos.

Essa omissão, se não enfrentada pelas instituições, pode ser considerada um retrocesso em termos de boas práticas de PLD/FT, considerando-se o prejuízo de se perder um grande instrumento de identificação do destino de recursos obtidos ilicitamente e, por consequência, trazer certa desconfiança acerca do marco normativo de PLD/FT no país[3]. O intermediário que protege as PEPs da atenção pública deve também ser considerado PEP para efeito de vigilância, travando e dificultando a escalada da corrupção.

Ademais, deve-se trabalhar para consolidar a lista de PEPs pública, oficial, atualizada e confiável de pessoas elegíveis à classificação de PEP franqueando sua consulta não somente às pessoas obrigadas, mas, sim, a toda a população, considerando que, pela Lei de Acesso à Informação, qualquer cidadão poderia ter acesso às informações sobre pessoas que ocupam cargos públicos. Isso vai ao encontro do que faz o Office of Foreign Assets Control (Ofac) com a lista de Nacionais Especialmente Designados e Pessoas Bloqueadas (SDN), em cujo site qualquer pessoa pode fazer uma pesquisa aberta, digitando o nome de qualquer indivíduo[4].

Finalizando, conclui-se que o novo texto que pretende substituir a Circular 3.461/2009 traz alterações positivas, outras mais polêmicas, o que pode trazer dificuldades interpretativas. Talvez fosse o caso de se adotar, a exemplo do Gafi, no estabelecimento das recomendações que estabelecem padrão internacional de prevenção de PLD/FT, a divulgação de notas interpretativas no esclarecimento dos procedimentos exigidos. Isso poderia ser objeto de futuras cartas circulares a serem publicadas pelo Banco Central.


[1] Já pudemos nos manifestar anteriormente sobre a pouca abordagem a respeito do financiamento ao terrorismo na referida lei em https://www.conjur.com.br/2016-mai-15/lei-antiterrorismo-nao-suficiente-combater-terrorismo.
[2] Sobre o tema, ver nosso texto sobre PEPs em https://www.dci.com.br/dci-sp/voce-e-pep-talvez-seja-e-n-o-saiba-1.400402.
[3] Em outra ocasião, pudemos expor as deficiências do conceito de PEP na legislação de Angola, em desacordo com os parâmetros internacionais traçados pelas 40 Recomendações do Gafi: www.lecnews.com/artigos/2016/11/24/breve-analise-das-mudancas-na-legislacao-de-angola-e-mocambique-com-relacao-ao-combate-ao-branqueamento-de-capitais-e-ao-financiamento-do-terrorismo-cbccft.
[4] Como teste, basta o leitor acessar o site https://sanctionssearch.ofac.treas.gov e digitar, no campo de busca, o nome de algum narcotraficante ou organização terrorista conhecidos internacionalmente.

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