Justiça Tributária

Judiciário pretende aperfeiçoar julgamento de crimes tributários

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

4 de fevereiro de 2019, 7h03

Spacca
“Para transformar um Estado do mais baixo
barbarismo ao mais alto grau de opulência
são necessários: paz, tributação leve e uma
tolerável administração da justiça. Todo o resto vem pelo curso natural das coisas”.
(Adam Smith, “Ensaios sobre Matérias Filosóficas”, 1755)

A administração da Justiça só é tolerável se conseguir afastar o desequilíbrio que resulta dos equívocos (quase sempre premeditados) praticados pelos servidores públicos que fazem o lançamento do tributo e a aplicação das multas. A coisa é bem complicada.

Exatamente por isso é bem-vinda a notícia de 28 de janeiro: mais de 1.500 ações penais e quase 7.000 inquéritos em andamento no Fórum Criminal da Barra Funda serão redistribuídos para as 33ª e 34ª varas criminais da capital. Tais varas serão especializadas em crimes tributários, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Afinal, os magistrados do Fórum da Barra Funda já estão assoberbados com o grande volume de trabalho decorrente dos demais crimes.

A especialização tem tudo para dar certo, afastando situações injustas e até certo ponto grotescas, como, por exemplo, a que registramos em 12 de fevereiro de 2018 — aqui — com o título “Não existe justiça se a apuração dos crimes tributários é distorcida”, de onde destacamos:

“Já se tornou comum lavratura de vários autos de infração contra o mesmo contribuinte, como resultado de uma mesma ação fiscal. Ou seja: inicia-se um trabalho de fiscalização, com um ou mais agentes do Fisco, e no mesmo ato são desenvolvidas várias atividades diferentes, assim ensejando diversos autos de infração.”

A Constituição Federal no artigo 37 ordena que um dos princípios que a administração deve observar é o da eficiência. Para cumprir essa norma o artigo 196 do Código Tributário Nacional ordena que:

“A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas.”

Trabalhos de fiscalização devem ser concluídos em um prazo máximo fixado pela autoridade fazendária, pois o contribuinte não pode ficar indefinidamente à espera do resultado. Isso decorre do princípio da eficiência, contido no artigo 37 da Constituição Federal.

Ao lavrar vários autos contra o mesmo contribuinte, num pequeno intervalo de tempo, podem ocorrer erros de fato de difícil correção.

Em determinada empresa – vamos identificá-la como “A” – um agente fiscal de ICMS considerou como indevido crédito com suposta base em documento inidôneo. Todavia, juntou como prova a nota fiscal de emissão da empresa “B” , que a emitiu em suposto fornecimento para a empresa “C”. Ocorreu um erro singelo: o agente fiscal, por certo com excesso de trabalho, sequer conferiu os dados das partes… Todavia, isso acabou gerando CDA, e depois uma ação penal por sonegação… Aproximando-se o carnaval, parece ser caso equiparável ao “samba do crioulo doido…” !

Em certo inquérito, envolvendo empresa de cosméticos em crime de sonegação, juntaram-se cópias de parte de inquérito relacionado com crime ambiental, onde foi lançada multa contra um posto de gasolina!

A digitação dos inquéritos, face ao seu grande volume (alguns ultrapassam 1.000 páginas) , possibilita esses erros materiais, eis que a digitalização nem sempre é executada por pessoas com experiência forense, mesmo em nível médio.

A multiplicação de inquéritos e ações penais relacionados com uma mesma empresa e seus responsáveis, poderia ser objeto de norma expressa prevista no Código de Processo Penal, facilitando o trabalho dos operadores do direito.

Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

Realmente, se a empresa passa por fiscalização que tem prazo para terminar, não observa o princípio da eficiência se disso resultarem vários autos de infração, diversos processos e outras tantas ações penais.

A conexão pode e deve ser utilizada nessas situações, não só em benefício dos operadores do direito, mas sobretudo em respeito à ordem do artigo 5º da Constituição Federal, que trata da duração razoável do processo.

Esperamos que no decorrer deste ano a implantação dessas varas especializadas tenham condições de encontrar formulas capazes de superar tais problemas, em beneficio da justiça tributária.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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