Insatisfação recorrente

"Despachos de juízes do Trabalho afetam relação do advogado com cliente"

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1 de fevereiro de 2019, 8h00

Renato Gama
Renato Gama

A advocacia trabalhista de Santa Catarina está insatisfeita com algumas decisões que interferem na relação com os clientes. É o que conta o presidente da seccional de Santa Catarina da OAB, Rafael Horn, em entrevista exclusiva à ConJur.

As decisões, diz, desconsideram “os poderes para ‘receber e dar quitação’ outorgados aos advogados pelos seus constituintes e indeferem a transferência dos recursos para a conta do procurador”. “Em alguns despachos, chegam a exigir do advogado a juntada do contrato de honorários firmado com o cliente, sob pena de considerar quitada a verba honorária e transferir na íntegra os recursos para a conta corrente do constituinte”.

De acordo com o advogado, a medida continua aparecendo nas decisões mesmo depois de a OAB conseguir liminar no CNJ para suspender um provimento da Corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região que tinha orientação nesse sentido.

Horn afirma ainda que há reclamação de boa parte da advocacia catarinense em relação à elaboração de atas de audiências que, segundo ele, “muitas vezes não espelham o ocorrido no ato judicial, especialmente quando não há gravação do ato por parte do Poder Judiciário”.

Recém-eleito para o triênio 2019-2021, Horn foi tesoureiro da seccional e pretende começar na sua gestão um projeto para permitir que sejam gravados os atos judiciais de interesse do advogado. Além disso, vai usar ferramentas tecnológicas para identificar os problemas em cada unidade do Poder Judiciário, que hoje como principal gargalo no estado a Justiça comum de primeiro grau. 

Leia a entrevista:

ConJur  — Quais os principais gargalos da advocacia no seu estado?
 Rafael Horn —
A Justiça comum de primeiro grau. O presidente da OAB-SC que me antecedeu, Paulo Brincas, conselheiro federal eleito, liderou diversas conversas com o Tribunal de Justiça de Santa Catarina para pedir investimentos e melhorias. Mas ainda estamos longe do ideal. Há déficit de juízes e servidores, o que causa insatisfação da advocacia catarinense e do jurisdicionado. A gestão 2019-21 implantará uma ferramenta tecnológica para avaliação constante de cada unidade do Judiciário, para identificar os principais problemas em cada uma delas e poder contribuir, e dará continuidade ao diálogo com o TJ para reivindicar ainda mais atenção especial ao primeiro grau.

ConJur  — O Tribunal de Contas da União decidiu, em novembro, que a OAB deve prestar contas ao tribunal. Como avalia a medida?
Rafael Horn —
A OAB não é um órgão público. Os recursos que administra não têm origem tributária e não há nada que obrigue a instituição a se submeter ao Tribunal de Contas da União. O TCU tem papel importantíssimo no controle dos gastos públicos e deve se manter vigilante. Mas a decisão do tribunal sobre a OAB não tem qualquer validade constitucional porque não cassa decisão do Supremo Tribunal Federal, que já havia se manifestado sobre o mesmo assunto.

Não se pode admitir fiscalização estatal da OAB por vias transversas, com o disfarçado intuito de reduzir sua missão estatutária. E uma das missões da Ordem é pugnar pela aplicação das leis, exigindo que a atuação dos agentes e autoridades públicas, dentre os quais, aqueles que integram a estrutura do TCU, observem os limitadores legais e constitucionais. Não bastasse isso, há de se ressaltar que a seccional catarinense investe seus próprios recursos em auditorias externas independentes, fiscalização e transparência dos gastos, devidamente publicados no Portal da Transparência da instituição, cabendo à própria advocacia fazer o controle financeiro.

Por fim, cabe à OAB, isto sim, ampliar ao máximo a transparência na gestão dos recursos da instituição, seja no âmbito federal, seja nas seccionais e subseções.

ConJur  — Quais as principais prerrogativas desrespeitadas hoje?
Rafael Horn —
Em Santa Catarina há insatisfação da advocacia trabalhista com alguns despachos que interferem na relação cliente/advogado, ao desconsiderar os poderes para “receber e dar quitação” outorgados aos advogados pelos seus constituintes e indeferindo a transferência dos recursos para a conta do procurador. Em alguns despachos, chegam a exigir do advogado a juntada do contrato de honorários firmado com o cliente, sob pena de considerar quitada a verba honorária e transferir na íntegra os recursos para a conta corrente do constituinte. A OAB-SC já obteve liminar no CNJ suspendendo um provimento da Corregedoria do TRT-12 que continha orientação nesse sentido. Mas ainda há decisões judiciais nesse sentido.

Cabe também destacar as vitórias judiciais obtidas pela OAB contra as ações intentadas pelo MP contra advogados públicos apenas por não concordar com o teor de seus pareceres. É inadmissível a tentativa  de criminalizar a advocacia pública e cabe à OAB proteger os colegas que se limitam a emitir sua opinião jurídica a respeito de um determinado assunto.

Também há reclamação de boa parte da advocacia em relação à elaboração de atas de audiências, que muitas vezes não espelham o ocorrido no ato judicial, especialmente quando não há gravação. Em razão disso, pretendo iniciar ainda em 2019 um projeto piloto para disponibilizar câmeras de áudio e vídeo aos advogados e permitir que eles gravem os atos judiciais de seu interesse, em atendimento ao contido no  artigo 367, parágrafos 5º e 6º, do CPC.

Temos ainda casos pontuais de não atendimento de advogados, falta de acesso aos autos. Na gestão passada, tivemos mais de mil atendimentos e 200 colegas assistidos em razão de orientações e defesas de prerrogativas profissionais em Santa Catarina. Para a próxima gestão temos o desafio de colocar em vigor a lei que criminaliza a violação de prerrogativas da advocacia, bem como a aprovação de leis estadual e municipais que tornem delito funcional a violação de prerrogativas pelo servidor público.

ConJur  — O direito de defesa está enfraquecido?
Rafael Horn —
O direito de defesa, o contraditório e o devido processo legal são pilares de um Estado Democrático de Direito.  O sentimento geral da sociedade de insegurança, de falta de confiança nas instituições e na classe política, intensificado pelas redes sociais, acabou fazendo com que boa parte da opinião pública passasse a apoiar medidas punitivistas, sem atentar para a importância do direito de defesa. De todo modo, cabe à OAB permanecer vigilante na defesa do direito de defesa, não permitindo seu enfraquecimento, esclarecendo à sociedade a sua importância para a manutenção do Estado Democrático de Direito.

ConJur  — A OAB deve se colocar politicamente a favor do direito de defesa?
Rafael Horn —
“Politicamente” não é o termo adequado. A OAB tem de se colocar “institucionalmente” a favor do direito de defesa, do contraditório e do devido processo legal. Cabe à OAB, ainda, esclarecer à sociedade a importância do direito de defesa para garantir uma sociedade civilizada e o Estado Democrático de Direito.

ConJur  — A OAB é democrática internamente?
Rafael Horn —
A advocacia é hoje um dos pilares da democracia e, dentre todos os órgãos de classe, a OAB é um dos mais democráticos do Brasil. Exemplo ocorreu recentemente, com as eleições democráticas nas seccionais e também nas subseções instaladas no país para a escolha dos novos dirigentes e também dos representantes que cada estado tem no Conselho Federal. Não há dúvidas de que é possível incrementar a democracia na OAB. Outra alternativa é o uso da tecnologia para implantação de consulta direta à advocacia sobre temas institucionais relevantes a serem decididos pelo conselho pleno, permitindo maior interação entre a advocacia e a diretoria da instituição. Por fim, o formato de eleição para os cargos diretivos no Conselho Federal merece ser reexaminado.

ConJur  — O que o senhor espera do "superministério da Justiça"?
Rafael Horn —
Não parece adequado o termo “superministério”. Há uma proposta de redução das pastas, com o intuito de concentrá-las no Ministério da Justiça. Como presidente da OAB-SC, primeiramente, espero o estrito cumprimento da Constituição e da legislação.

ConJur  — Qual o piso ideal para um iniciante?  
Rafael Horn —
 Em Santa Catarina, a OAB tem a tabela de honorários, na qual estão parâmetros que devem ser usados para estabelecer valores compatíveis com o adequado exercício da profissão. A OAB deve estar atenta aos casos de aviltamento da remuneração dos advogados, seja pelo poder público, seja por empresas ou mesmo por escritórios de advocacia. Importante combater o aviltamento dos honorários diante do aumento da oferta de serviços advocatícios em todo o país, sob pena de enfraquecimento da própria advocacia.

ConJur  — Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro falou contra o Exame de Ordem. Segundo ele, o exame cria “boys de luxo de escritórios de advocacia”. O modelo do exame precisa ser revisto? A quem cabe fiscalizar os cursos de Direito?
Rafael Horn —
Com o número crescente de cursos de Direito no país e também em Santa Catarina, o Exame da Ordem tornou-se um mecanismo indispensável de avaliação dos profissionais que estão ingressando no mercado. Um dos grandes objetivos da prova, que é prática comum nos Estados Unidos e nos principais países da Europa, é garantir que os profissionais tenham o conhecimento suficiente para garantir e resguardar direitos básicos do cidadão. O modelo não tem de ser revisto, mas a política que vem sendo adotada pelo Ministério da Educação, que vem aprovando a instalação de cursos de Direito que claramente não oferecem aos alunos o preparo necessário para a profissão, sim. Importante que o futuro governo se comprometa com essa fiscalização e aja com responsabilidade para impedir o uso político do MEC.

ConJur  — O senhor é a favor de segundo turno nas eleições da OAB? O Conselho Seccional deve ser eleito separadamente da chapa do presidente?
Rafael Horn —
 Não concordo com o sistema eleitoral de “chapão”, em que toda a nominata do conselho seccional é eleita em conjunto com a diretoria. O ideal seria que o eleitor pudesse escolher os conselheiros seccionais ou subseccionais, independente da nominata de diretoria a qual estivessem ligados, ou então de forma que permitisse a participação nos conselhos seccionais e das subseções de parte dos candidatos que integraram a nominata da chapa que perdeu as eleições.

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Esta entrevista integra uma série de conversas com os presidentes das seccionais da OAB eleitos para o triênio 2019-2021.

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