Opinião

Quando a prevalência da substância sobre a forma favorece o contribuinte

Autor

  • Breno de Paula

    é doutor e mestre em Direito (Uerj) advogado tributarista e professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Rondônia.

1 de fevereiro de 2019, 5h57

Male enimnostro jure non debemus
(Não devemos usar mal de nosso direito)

O Código Civil português reproduz, em linhas gerais, o contido no Código Civil grego, in verbis: “O exercício de um direito é proibido se excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé ou pelo fim social ou econômico do mesmo direito”.

Pois bem. Com o advento da LC 104/2001, que introduziu o parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional, inaugura, no Brasil, um tortuoso debate acadêmico sobre a legalidade do planejamento tributário e sobre a prevalência, ou não, da substância sobre a forma.

Confrontam-se teses jurídicas exaltando o princípio tributário da tipicidade fechada e a livre-iniciativa de um lado contra o princípio da real capacidade contributiva e Justiça fiscal.

As teses da legalidade “estrita” e da tipicidade “fechada” se filiam ao positivismo formalista e conceptualista; as normas antielisivas equilibram a legalidade com a capacidade contributiva.

É evidente que devemos temer o subjetivismo da administração tributária, extirpando qualquer discricionariedade na cobrança do tributo. A atividade deve ser vinculada à lei, sempre.

Queremos registrar, todavia, que o princípio da prevalência da substância sobre a forma pode ser benéfico aos contribuintes.

Foi exatamente o que aconteceu no julgamento pelo Carf no tópico relativo ao procedimento para aproveitamento de créditos extemporâneos, muitas vezes apurados a partir de revisões fiscais realizadas e que, em decorrência de decisões judiciais, são rotinas cada vez mais frequentes.

A controvérsia a respeito do tema gira em torno da obrigatoriedade ou não de os contribuintes retificarem as obrigações acessórias para o registro e apropriação de créditos, que são indiscutivelmente legítimos.

Tal discussão tem fundamento na posição da Receita Federal, manifestado em diversas soluções de consultas, entre elas a Solução de Consulta Cosit 416/2017, na qual restou afirmada a necessidade de retificação das declarações para fins de apropriação de créditos extemporâneos, entendimento esse manifestado tanto no âmbito da Dacon (IN/RFB 1.015/2010) quanto na vigência da EFD-Contribuições (IN/RFB 1.252/2012).

Ou seja, com base em resoluções e portarias administrativas, restringe-se o legítimo direito ao crédito por impossibilidade do cumprimento de obrigações acessórias.

Felizmente, não obstante as disposições regulamentares e posicionamentos da Receita, a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Carf, por maioria de votos, acolheu as razões do contribuinte para afirmar que “o crédito apurado no regime da não-cumulatividade do PIS e COFINS pode ser aproveitado nos meses seguintes, sem necessidade de prévia retificação do Dacon por parte do contribuinte ou da apresentação de PER único para cada trimestre” (Acórdão 9303-006.247).

Prevaleceu ser mais relevante que a "formalidade" o conteúdo substancial da efetiva procedência de tais créditos.

Nesta linha, nos parece que andou bem o entendimento agora consolidado na CSRF, pois, ultrapassando meras questões formais sobre os procedimentos para fins de apropriação do crédito extemporâneo, ressaltaram os conselheiros que o relevante é a análise do direito creditório em si, ou seja, se materialmente o crédito apropriado é procedente, o que foi devidamente analisado e destacado no voto condutor.

Por fim, reproduzindo entendimento já exposto no Acórdão 3202-001.617 e, de certa maneira, aplicando-se a tese da “substância sob a forma” em favor do contribuinte, foi afirmado o primado do “venire contra factum proprium”.

Não devemos aceitar adoção de medidas contraditórias também no Direito Tributário.

A adoção da referida teoria no Direito Tributário contribui para a afirmação da transparência da relação tributária, cujo dever de observância subordina tanto o sujeito ativo como o sujeito passivo.

Autores

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    é advogado tributarista, sócio do Arquilau de Paula Advogados Associados, professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Rondônia e doutorando e mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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