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Streck e Morais da Rosa: Lei conceituou coisa julgada e não se sabia

31 de dezembro de 2019, 11h01

Por Alexandre Morais da Rosa

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Estávamos tomando um suco na orla de Ipanema falando sobre as reviravoltas das decisões judiciais desprovidas de integridade e coerência, na linha de Dworkin. Claro que chegamos na decisão sobre prisão em segunda instância, do julgamento da ADC 43 e 44, sobre a eficácia do artigo 283 do CPP.

Lembramos de Luis Alberto Warat e do livro clássico A Ciência Jurídica e seus Dois Maridos que está sendo relançado em 2020, em que se falava dos estilos de juristas, os chatos em sua literalidade e os descolados, esperando o novo acontecer, na pujança do momento.

Perguntávamos o que LAWarat falaria disso. Sobre a brisa de Garota de Ipanema ao mesmo tempo, talvez iluminados por Warat, lembramos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (a famosa LINDB) e o conceito de coisa julgada.

Abrimos rapidamente o celular e estava lá:

Art. 6º, § 3º – Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”.

Bingamos. Quer algo mais simples do que o conceito de coisa julgada ali posta?

A sequência de nossa discussão pareceu um jogral, como se cada um estivesse com um banquinho e um violão:

Lenio: “— Se o artigo 5º da Constituição aponta que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado e o artigo 283 do CPP diz que ninguém será preso senão depois de trânsito em julgado, salvo cautelarmente”…
Alexandre: “ — Se o artigo 5º da Constituição garante a coisa julgada, quando não caiba mais recurso”…
Lenio: “— Se também a Lei de Execução Penal exige decisão condenatória”…
Alexandre: “— Nem nós, nem o Supremo podem inventar a roda (coisa julgada)”.

Pena se cumpre após coisa julgada. Se a coisa (culpa) não foi definitivamente julgada, porque cabe recurso, há coisa não julgada, na qual cabe prisão cautelar e não definitiva. No cível, em que os direitos são disponíveis, há requisitos para execução antecipada. Em todos os casos, os processualistas sublinham a necessidade da reversibilidade do mundo da vida. Mas no processo penal, não se reverte liberdade porque a linha do tempo segue para o futuro.

Entre coisas julgadas e não julgadas, argumentos os mais carnavalizados, ao contrário do estilo de Warat, pedimos mais um suco funcional porque a nossa idade não permite mais os arroubos juvenis. Mas podemos dizer que temos vergonha de quem sequer sabe da existência do artigo 6º, § 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e decide conceituar coisa julgada em votos aleatórios à legalidade brasileira (assim como parlamentares — e até professores de Direito — redefinindo e reescrevendo, à revelia de gente como Liebman, o conceito de coisa julgada).

E concluímos:

Lenio: “— De que modo, então, essa gente quer fazer emendas e projetos mudando o nome das coisas?”
Alexandre: “— Se coisa julgada é, mesmo, a decisão da qual não caiba mais recurso, então como será possível dizer que a prisão poderá ser feita antes de não caber mais recurso?”
E, em coro: “— Os parlamentares e os defensores da prisão antes do trânsito em julgado (fora da hipótese de cautelar, como consta no artigo 283 do CPP) deveriam ler a LINDB. Afinal, ela vale para algumas coisas e não vale para outras? E deveriam também ler Shakespeare, Romeu e Julieta: O que é que há, pois, num nome? Aquilo a que chamamos rosa, mesmo com outro nome, cheiraria igualmente bem.

E saímos, como dois flanêurs… E pensando em O Nome da Rosa. Em Eco. E pensando em Gadamer. O nome e as coisas. Enfim…

Talvez o perfume da rosa seja como uma cláusula pétrea. Podem trocar o nome, mas…! Talvez coisa julgada seja uma coisa simples: é decisão da qual não cabe mais recurso.

Eureka!

E Feliz 2020! Porque 2019 já se tornou coisa julgada.