Código Penal

"Lei anticrime" prevê confisco alargado em favor de estados e da União

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31 de dezembro de 2019, 8h40

Sancionada na última quarta-feira, a Lei 13.964/2019 — chamada pelo governo de "lei anticrime" — prevê o chamado confisco alargado em favor da União e dos estados, permitindo o perdimento de bens mesmo que não tenham relação comprovada com o crime.

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Confisco alargado é uma das medidas propostas por Sergio Moro, ministro da Justiça Reprodução Twitter

Na prática, a mudança — que insere o artigo 91-A do Código Penal — inverte o ônus da prova e, por isso, é criticada por advogados que classificam a medida como inconstitucional e autoritária.

“A pena tem como condição precípua a estrita legalidade. Normas com termos vagos, ocos, trazem a possibilidade de caber tudo quando de sua interpretação e hermenêutica", afirma o advogado Miguel Pereira Neto, do Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados.

Para Pereira Neto, concluir ou pressupor se beneficie ou tenha o condenado auferido bens com a prática de crime sem a precisa e direta identificação da origem, invertendo o ônus da prova, é inconstitucional pois afronta a presunção de inocência, não demonstra a culpa e expropria indevidamente a propriedade, inclusive de terceiros, sem o devido processo legal. 

"Ademais, a alienação judicial de bens constritos, antecipada ou definitiva, deve seguir trâmite próprio, com avaliação prévia, possibilidade de remição, da participação de licitantes, da adjudicação, da oposição de terceiros, e não prever o confisco direto ao Estado, de forma aleatória, como consta do artigo 91-A e seus parágrafos”, conclui.

Para o criminalista Daniel Allan Burg as alterações possuem caráter eminentemente autoritário e confiscatório.

"Afinal, em nítida inversão do ônus da prova, que, no Processo Penal, é do órgão acusador, o dispositivo legal em referência permite a decretação da perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito."

O criminalista lembra que os advogados Juarez Cirino dos Santos e June Cirino dos Santos, no artigo Reflexões sobre confisco Alargado, criticou essa inversão, afirmando que esse confisco “inverte o ônus da prova, rompendo um princípio fundamental do processo penal: a prova dos fatos imputados pertence à acusação, incumbindo à defesa apenas criar uma dúvida razoável, obrigando à decisão segundo o princípio da presunção da inocência, expresso na máxima in dubio pro reo”.

Benefício para os estados
O promotor de Justiça de Araguari (MG) André Luís Alves de Melo destaca outra mudança importante promovida pela inclusão do artigo 91-A no Código Penal. Com nova lei, estados podem ficar com bens declarados perdidos. Antes era tudo da União.

O artigo diz que os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.

Já o artigo 133 parece ser inconstitucional, afirma o promotor, pois concentrou toda a renda no Fundo Nacional, sendo que já existem os Estaduais. "Se  processo foi estadual, não faz sentido que envie o dinheiro para o Fundo Penitenciário Nacional, para depois ficar de pires na mão pedindo verba, isto viola a autonomia dos estados", explica.

Para André Melo, a mudança é positiva, mas ainda é preciso mais. "Tudo oriundo de processo criminal estadual deve ficar com o Estado, e não com a União", afirma.

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