Ideias do Milênio

Brasil está bem posicionado para liderar uma economia de carbono zero

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30 de dezembro de 2019, 17h01

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Entrevista concedida por Daniel Nepstad, diretor do Instituto de Inovação da Terra, ao jornalista Jorge Pontual para o Milênio — programa de entrevistas que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews.

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O desmatamento na Amazônia tem solução. A mensagem de otimismo e propostas concretas para salvar a floresta vêm de um dos maiores especialistas no assunto. O cientista americano Daniel Nepstad, doutor em ecologia florestal, chegou à Amazônia em 1984 e ficou 12 anos. Foi o co-fundador do IPAM, um instituto de pesquisas da Amazônia em 1995. Agora ele dirige em San Francisco, na Califórnia, o Instituto de Inovação da Terra, com equipes em estados do Norte do Brasil que ele visita a cada dois meses. Com foco nas soluções, Daniel Nepstad vê a saída na colaboração entre todos os envolvidos: o agronegócio, as populações locais, os indígenas, os governos dos estados e da União. Os problemas são grandes, mas não insolúveis. Existe um caminho para conciliar a preservação da Amazônia com o desenvolvimento econômico.

Jorge Pontual — Como é que você se apaixonou pela Amazônia?
Daniel Nepstad —
Fiquei impressionado pela imensidão da floresta, mas também a imensidão do processo. Cheguei em Paragominas, que tinha mais de duzentas serralherias, todas serrando, serrando e serrando, e a noite a fumaça que ocupava a cidade, invadia as casas e às vezes fomos para o campo e tinha defunto na rua, porque era uma região de muito conflito, e tudo isso para mim era fascinante, esse processo humano e o processo ecológico junto.

Jorge Pontual — Você chamou minha atenção nas redes sociais quando houve essa grande grita internacional sobre a Amazônia por causa das queimadas, e houve toda uma coisa de política e ideologia envolvidas no meio, e eu achei que as suas opiniões eram mais sensatas, assim, moderadas, com um pé no chão e voltadas para os fatos.
Daniel Nepstad —
Todo o ano tem muitos fogos na Amazônia e este ano foram mais fogos, muito mais do que em 2018, em agosto tinha 80% mais do que 2018, mas a questão grande para mim é sempre o que está queimando, porque tem fogos de pastagens sujas, o fazendeiro coloca para matar juquira, tem fogos que invadem florestas secundárias, tem fogos quando você tem uma área derrubada, você deixa as árvores secarem e põe fogo para limpar. E o quarto tipo de fogo para mim que é o mais perigoso, que é o fogo entrando na floresta, na floresta intacta. O fogo que escapa da pastagem, que escapa da área de derrubada entra na floresta e logo para em anos normais. Então eu comecei a sondar as equipes, temos um grande experimento em Mato Grosso de incêndio e não estava tendo reportagem de incêndios florestais. Então, eu queria esclarecer isso, que era um ano preocupante, mas não era um ano de floresta virgem primária pegando fogo. No final da conta era o maior número de fogos desde 2010, mas não era assim fora da realidade histórica.

Jorge Pontual — E outra coisa que apareceu também, cientistas e outros falando que a Amazônia estava no Tipping Point, que quer dizer o ponto sem retorno, que a partir desse ponto não tem mais jeito. E não é verdade, não é?
Daniel Nepstad —
Grande parte da minha carreira foi tentar entender esse tipping point, não do ponto de vista climatológico, mas do ponto de vista da floresta em si. Quanto seca a floresta pode aguentar antes de começar a desmoronar, e quanto fogo, quantas vezes você pode queimar uma floresta em pé antes de ela virar uma juquira, uma capoeira da vida. Agora, a ideia de tipping point é muito climática dizendo que a partir de tal porcentagem da floresta derrubada você perde a chuva, porque na Amazônia a floresta gera sua própria chuva e a ideia é que passando um limite, um limiar, não vai ter vapor saindo da floresta suficiente para segurar o regime de chuvas da região. A área mais em risco é a parte oriental da Amazônia, e os dados mais recentes mostram que tem esse risco, mas é menos segurança do que a gente achava, que é boa notícia.

Jorge Pontual — Ou seja, não estamos perto desse tipping point.
Daniel Nepstad —
Bom, poderia dizer que qualquer hectare que derruba está aumentando a probabilidade de tipping point, mas tem muita incerteza científica também, eu acho que esperamos tempo demais para atuar com mudança climática. Na Amazônia eu diria a mesma coisa, eu acho que o momento de parar, reduzir o desmatamento, aumentar o reflorestamento é agora.

Jorge Pontual — Uma outra coisa que disseram muito é que a Amazônia é o pulmão do mundo, e não é verdade, não é?
Daniel Nepstad —
Exato. Quando o presidente Macron falou, não é?

Jorge Pontual — Foi.
Daniel Nepstad —
A floresta amazônica respira demais, puxa CO2 da atmosfera, mas libera quase o mesmo tanto. Então o efeito líquido da floresta é mais ou menos neutro em termos de oxigênio. De outro lado, eu gosto de comparar a floresta amazônica como um grande ar condicionado do planeta, porque cada folha da floresta multiplicado por cinco mil quilômetros quadrados está liberando água para a atmosfera, recebe sol, esquenta, libera água, e está esfriando. E um pasto, durante três, quatro meses por ano, não tem esse resfriamento. E tem modelos de climas que mostram como… tirando metade a Amazônia vai faltar chuva aqui na Califórnia, ou lá na Índia… Então eu acho muito arriscado mexer com esse sistema do ponto de vista da segurança da estabilidade climática global.

Jorge Pontual — Agora, o aquecimento global como é que influencia a Amazônia, que influência tem na Amazônia?
Daniel Nepstad —
O que afeta demais a floresta amazônica são os grandes eventos de seca, com temperaturas altas. 2005, 2007, 2010 foram grandes eventos que não eram El Niño, quando aquece a superfície do mar Pacífico, perto do Peru, foi outro fenômeno, não é?! E a tendência é esses eventos extremos serem cada vez mais comum. Se tiver muitos fogos sendo ateados para pasto, etc, e floresta que perdeu sua resistência ao fogo, a coisa vai embora.

O INPE, Instituto de Pesquisas Espaciais, informou que a área desmatada na Amazônia entre agosto do ano passado e julho deste ano foi a maior dos últimos 10 anos: 9.762 quilômetros quadrados. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuiu esse aumento à escalada de atividades ilegais na região. Na floresta, a equipe de Daniel Nepstad, diretor do Instituto de Inovação da Terra, trabalha para mudar essa realidade.

Jorge Pontual — O que é essa organização?
Daniel Nepstad —
Somos quarenta pessoas espalhadas no mundo inteiro, aqui é a sede, em São Francisco, tem quatorze pessoas aqui, equipes em Peru, Colômbia, Brasil – Mato Grosso, Pará e Acre – e Indonésia, sempre com o mesmo olhar, como fazer o modelo, como apoiar o modelo de desenvolvimento regional que consegue manter a floresta em pé, consegue ar mais limpo, água mais limpa, mais confiável, segurança alimentar, então estamos unidos pela crença que todas essas coisas podem andar juntas e têm que andar juntas.

Jorge Pontual — E me fala da Aliança da Terra… se chama Aliança da Terra?
Daniel Nepstad —
Sim. A Aliança da Terra é uma ONG, Organização Não Governamental, totalmente voltada para o produtor. Começou… eu também sou co-fundador da Aliança com John Carter e Ocimar Vilela, de 2004. E criamos para atender e apoiar aquele produtor que quer fazer as melhores práticas na fazenda dele, produzir carne ou soja, o que for, de uma maneira sustentável, mas receber por isso, receber algum tipo de benefício.

Jorge Pontual — Você me mandou um documento seu aqui do Instituto, o título é “Solucionando a mudança climática e ao mesmo tempo salvando a Amazônia. Uma estratégia para adiar ou prevenir a morte da floresta amazônica.” Qual é essa estratégia que você está propondo?
Daniel Nepstad —
Olha, a primeira coisa é para reduzir a severidade desses eventos de seca, isso significa bombeando mais vapor na atmosfera.

Jorge Pontual — Como?
Daniel Nepstad —
Então isso… mecanismos de fazer isso é com árvores.

Jorge Pontual — Plantar mais árvores…
Daniel Nepstad —
Plantar mais árvores. Ou deixar árvores crescer, com regeneração natural. A segunda coisa é para manter aquelas florestas que já existem, e tem vários mecanismos no lugar agora e os produtores prontos para implementar o código florestal, só faltam alguns incentivos. E o terceiro é ter um bom programa de detectar e apagar incêndio florestal, que é simples com o primeiro fogo. O mais difícil é o segundo e terceiro incêndio.

Jorge Pontual — O que existe como incentivo para o produtor que está lá não desflorestar, não derrubar floresta e não queimar?
Daniel Nepstad —
Na legislação em países tropicais ou países da zona temperada, o Brasil é campeão na legislação de floresta, não tem outro lugar onde você tem que manter 80% porcento da sua propriedade em floresta como tem na Amazônia no Brasil, é 20% em Cerrado, Mata Atlântica não pode derrubar mais, e existe uma expectativa entre o setor produtivo de ter reconhecimento sobre isso, de ter algum benefício, premiação de preço ou… e essa expectativa cresceu no âmbito das negociações de clima, em 2009, por exemplo, o governador Blairo Maggi chegou com trinta e poucas pessoas do setor de madeira, setor de carne, setor de soja, de algodão, em Copenhagen, porque tinha expectativa de “se reduzirmos o desmatamento, vai vir dinheiro”.

Jorge Pontual — Uma compensação, não é?!
Daniel Nepstad —
E nunca aconteceu. O Brasil… é incrível essa história, o Brasil conseguiu reduzir em 77% a taxa anual de desmatamento na Amazônia de 2005 até 2012. E o Brasil mais do que qualquer outro país conseguiu evitar a emissão de CO2. E hoje são mais de bilhões de toneladas.

Jorge Pontual — E não teve retorno.
Daniel Nepstad —
Teve retorno de Noruega e Alemanha, tipo três porcento do total. Então 97% das reduções não foram compensadas. E isso significa que o Brasil está com a faca e o queijo na mão em termos de oferecer para o mundo que está desesperado agora a se descarbonizar, de vender créditos para conseguir isso.

Em setembro, o estado da Califórnia criou um mercado de carbono para que os poluidores californianos, tais como refinarias, empresas de energia elétrica, compensem as suas emissões de gás carbônico pagando aos governos de países tropicais para que não desmatem suas florestas. A previsão é que esse mercado canalize 1 bilhão de dólares anualmente em 2030 para preservação das florestas.

Daniel Nepstad — O mercado, isso é outra coisa, está começando a estourar. Em setembro, 45 empresas com sedes aqui na Califórnia, se declararam clima neutro, que significa que eles estão mensurando suas emissões reduzindo o que conseguem e querem compensar o resto, com offset, e querem comprar. Querem comprar de um Acre da vida, de um…

Jorge Pontual — E por que o Brasil não vende?
Daniel Nepstad —
Olha, sempre teve a preocupação no Brasil de não deixar países industrializados como os Estados Unidos conseguir contribuir para a mudança climática sem reduzir as suas próprias emissões. Concordo com essa perspectiva, mas o Brasil tem muito mais reduções do que precisa ele mesmo como país, também é possível o Brasil vender essas reduções para empresas aqui, e as empresas não ficam com o crédito, o crédito fica lá com o Brasil, mas a empresa fica neutra.

Jorge Pontual — Quer dizer que teria que ser uma decisão política do governo brasileiro de autorizar isso?
Daniel Nepstad —
Exato.

Jorge Pontual — E existe esse interesse político no Brasil?
Daniel Nepstad —
Na minha leitura, eu acho que essa chance tem grande possibilidade de avançar agora no governo atual. Tanto na esfera federal, tanto na esfera estadual. É muito interessante, porque acho que o Brasil está super bem posicionado para liderar uma economia de carbono zero. Quem no Brasil pode fornecer soja carbono zero, nas o Brasil pode com esse mecanismo. Você reduz o que puder na fazenda de soja e você offset o resto, compensar com essas reduções conseguidas regionalmente.

Jorge Pontual — Mantendo a floresta.
Daniel Nepstad —
E tem uma demanda para a soja carbono zero começando a pipocar na Europa. Na minha interpretação, tendo oferta, vários outros mercados vão ficar de olho, até a própria China, por que não? China está preocupada porque setenta porcento das suas importações de soja vem do Brasil, e o Brasil tem esse problema de reputação chamada Amazônia, então oferecendo uma solução para a China talvez facilita, e eles entram com contrapartida, pode ser investimento em infraestrutura, coisas assim. Mas acho que estamos no início de uma nova onda da economia global, onde quem está descarbonizando vai ficar na frente e o Brasil está super bem posicionado para isso.

Jorge Pontual — Quer dizer, apesar de todas as manchetes sobre a Amazônia em chamas, a realidade é diferente, não é?
Daniel Nepstad —
A realidade é diferente. As florestas, graças a Deus, não pegaram fogo em escala este ano, o desmatamento aumentou, mas vai ficar menos do que a média histórica ainda, é preocupante, mas acho que tem todas as peças se juntando para realmente reduzir de novo o desmatamento, aumentar a produtividade agrícola, aumentar a área reflorestada e apagar esses fogos que pegam de vez em quando nas florestas.

Jorge Pontual — O que eu acho interessante é que esse modelo inclui o produtor na solução.
Daniel Nepstad —
Exatamente. Eu acho que produtor hoje está sentindo, e a gente conversa muito com produtor… sentindo demonizado, a comunidade internacional apontando o dedo nele como vilão, e eles foram para a Amazônia com famílias e conheciam essas pessoas em Paragominas, não eram bandidos, eram pessoas em busca de uma nova vida com um pouco mais de oportunidade para o futuro dos filhos deles. E é pouco discutido, por exemplo, como principalmente na Amazônia o código florestal não é estável, quer dizer, em 1996, Fernando Henrique, jogou lá para oitenta porcento, era cinquenta porcento de floresta obrigatória na sua fazenda, pulou para oitenta. Todo o ano medida provisória, até 2000, virou lei. Mas cadê os mecanismos para o cara que estava trabalhando com cinquenta porcento, de repente, oitenta porcento? Seu patrimônio ficou com menor valor agora, então eu acho que esses caras, esses produtores estão prontos para cumprir a lei, mas eles querem ver algum benefício, principalmente se tiver floresta na sua propriedade além de 80%. E querem uma compensação para isso.

Jorge Pontual — Então você parece muito otimista em relação à Amazônia, não é?!
Daniel Nepstad —
Eu sou otimista, eu conheço muito bem o povo da Amazônia, é um povo muito batalhador, e querem soluções, eu acho que eles precisam de ajuda em termos de menos burocracia, um produtor que precisa tirar vinte licenças…

Jorge Pontual — Vinte?
Daniel Nepstad —
E tudo com data e prazo diferente, vive indo para a capital, para tirar licença e… quer dizer, tem mecanismos assim que podem facilitar a vida do produtor que ganha fôlego e orçamento para tocar a fazenda deles melhor. Mas precisa de incentivos e, não sei, partindo a fumaça tem muito potencial para a Amazônia reverter a história e com o desmatamento caindo, reflorestamento subindo e cada vez menos incêndio florestal.

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