Retrospectiva 2019

Ano trouxe novidade tributária e financeira para setores de mineração e siderurgia

Autor

  • Paulo Honório de Castro Júnior

    é sócio na William Freire Advogados pós-graduado pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) presidente do Instituto Mineiro de Direito Tributário (IMDT) professor de Direito Tributário e Financeiro em cursos de pós-graduação e de extensão.

30 de dezembro de 2019, 11h01

ConJur

O ano de 2019 trouxe novidades tributárias e financeiras para os setores de mineração e de siderurgia. A expectativa que anunciei na ConJur ao fazer a retrospectiva de 2018[1], de que não nos faltaria trabalho, mostrou-se acertada.

Em janeiro, desvendávamos o PN Cosit nº 5, publicado em 18 de dezembro de 2018. Trata-se da interpretação da RFB sobre a decisão do STJ no REsp nº 1.221.170/PR, quanto ao conceito de insumo para fins de créditos de PIS e Cofins, pautado nos critérios da essencialidade ou da relevância.

A interpretação da RFB merece elogios em alguns pontos, como ao reconhecer a possibilidade de apropriação de créditos, na modalidade de insumo, pelos custos de formação de florestas plantadas, a partir das quais é produzido o carvão vegetal — insumo energético das siderúrgicas. Como esse ativo (biológico) sujeita-se a encargos de exaustão, inexistindo previsão legal para que tais encargos gerem créditos, a RFB vedava-os. A partir do PN Cosit nº 5, passou-se a dar menor importância aos critérios de contabilização, verificando-se se o dispêndio, mesmo não registrado em estoque, é essencial ou relevante.

Esse mesmo entendimento, contudo, não será aplicado pela RFB em relação à capitalização de gastos com pesquisa mineral. Ainda que não exista jazida lavrável sem prévia pesquisa, que é atividade de risco e necessária às centenas, senão milhares, para cada concessão de lavra, o PN Cosit nº 5 afirma que “não são considerados insumos […] os dispêndios da pessoa jurídica com pesquisa e prospecção de minas, jazidas, poços, etc., de recursos minerais ou energéticos que não chegam efetivamente a produzir bens destinados à venda ou insumos para a produção de tais bens.” Ainda mais restritiva que o PN nesse ponto, a IN RFB nº 1.911, de 11 de outubro de 2019, afirma que esses dispêndios não são insumos, sem sequer ressalvar o conceito de “esforço bem-sucedido”, isto é, a pesquisa que gera concessão de lavra.

O erro é flagrante, uma vez que o Código de Mineração exige a pesquisa para que haja concessão de lavra, e porque ela é, por si só, atividade de mineração. É inclusive a única atividade das junior mining companies. O CARF felizmente vem corrigindo esse equívoco, vide acórdão 3301-006.109, julgado em abril de 2019 e envolvendo uma mineradora. Nesse caso, também foram validados créditos pelo critério de relevância por imposição legal, tais como consultoria ambiental (com o objetivo de obtenção de licenças ambientais, pesquisas e estudos técnicos) e consultoria e monitoramento de vibração de cavidades naturais.  

Em 25 de janeiro de 2019, o desastre de Brumadinho mudou a mineração no Brasil. Muitas alterações normativas foram propostas no Congresso Nacional, sendo algumas de natureza tributária e financeira, pendentes de votação: (i) PEC 90/2019 e 42/2019, que propõem revogar a imunidade do ICMS sobre a exportação de produtos minerais; (ii) PL 2.789/2019, com o objetivo de majorar a CFEM em 0,5% para minério de ferro e em 0,2% para as demais substâncias, vinculando a parcela do aumento a um fundo especial para custear ações emergenciais decorrentes de desastres na mineração; (iii) PL 3.914/2019, cujo intuito é criar, à semelhança do setor petrolífero, Participação Especial de até 40% sobre a receita ajustada das mineradoras, nos casos de minas com grande volume de produção ou com grande rentabilidade. Essas e outras medidas demandaram intenso debate ao longo do ano, tendo em vista potenciais inconstitucionalidades, decorrentes sobretudo da sua feição punitiva, conforme abordei na ConJur[2].

Como o desastre ocorreu em terras mineiras, é digno de nota o PL 1.123/2019, já aprovado na CCJ da ALMG, cuja pretensão reside em cobrar a Taxa de Fiscalização de Recursos Minerais (TFRM) sobre nióbio e ouro e em restringir o desconto de 60% no valor da taxa, hoje concedido a todos os mineradores, apenas àqueles que não destinem rejeitos a barragens.

A TFRM, criada por Minas Gerais de forma pioneira em 2011, inspirou a edição de taxas com estruturas muito semelhantes em outros estados. É o caso das taxas de fiscalização de recursos hídricos, energéticos e petrolíferos, instituídas por Pará, Amapá, Rio de Janeiro, dentre outros, que afetam também a siderurgia.

O Supremo Tribunal Federal vem rechaçando essas taxas por inconstitucionalidade material desde dezembro de 2018, com a decisão do Ministro Roberto Barroso na ADI 5.374/PA, que suspendeu a eficácia da lei paraense instituidora da Taxa de Fiscalização de Recursos Hídricos (TFRH). Em 4.12.2019, esse entendimento foi confirmado em plenário, com a pronúncia de inconstitucionalidade da TFRH instituída pelo Amapá, no julgamento da ADI 6.211/AP, Relator Ministro Marco Aurélio. Essas decisões demonstram forte tendência no STF em julgar procedentes as ADIs 4.785/MG, 4.786/PA e 4.787/AP, que tratam especificamente da taxa mineral.

Sobre o tema, igualmente notável a decisão do Órgão Especial do TJRJ, que declarou inválida a Taxa de Fiscalização de Energia Elétrica (TFGE), no dia 18.11.2019, no contexto da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0150594-62.2016.8.19.0001.

No que tange à CFEM, 2019 trouxe algumas novidades. Em fevereiro, o plenário da Suprema Corte julgou a ADI 4.606/BA, decidindo que o art. 23, XI, da Constituição não outorga competência a estados e municípios para definir as condições de recolhimento da exação, para arrecadá-la diretamente e para instituir infrações e penalidades pelo atraso no seu pagamento. Em tempos de crise do federalismo fiscal, é muito comum verificar municípios que vedam a concessão e renovação de alvarás de funcionamento por débitos de CFEM (sanção política), dentre outros abusos[3]. Daí que a decisão do STF seja oportuna, ao preservar a competência da União para legislar sobre a matéria e para exercer, com exclusividade, as atribuições previstas no artigo 2º-F da Lei 8.001/1990: “Compete privativamente à União, por intermédio da entidade reguladora do setor de mineração, regular, arrecadar, fiscalizar, cobrar e distribuir a CFEM.”      

Nesse sentido, causa grande espanto a decisão do Órgão Especial do TJMG, em 13.2.2019, ao validar a criação de uma CFEM própria do Município de Poços de Caldas, na Arguição de Inconstitucionalidade 1.0518.16.000628-5/002: “A edição de lei municipal que institui uma compensação financeira sobre as entidades que promovam a exploração mineral, energética e de águas da localidade em áreas de interesse turístico e paisagístico não implica violação a competência legislativa privativa da União”. A decisão é teratológica e, pela sua hierarquia, preocupa em termos de proliferação de royalties municipais e até mesmo estaduais. Vale enaltecer o sensato voto vencido do Desembargador Renato Dresch: “A exigência de nova compensação financeira, pelo Município, em decorrência das atividades de produção de energia elétrica e exploração de recursos minerais, ainda que sobre áreas específicas, acaba por acarretar a dupla compensação por uma mesma atividade.”

Outro aspecto importante, desde 2008, quando o então DNPM (hoje ANM), notoriamente mal equipado e carente de recursos[4], promoveu a primeira campanha nacional de autuações da CFEM, reside na invalidade das fiscalizações realizadas tão somente pelas informações dos Relatórios Anuais de Lavra (RAL). A prática ainda é comum e gerou centenas de processos de cobrança da exação. Por isso, foi comemorada a primeira decisão que reconheceu esse vício, em 26.6.2019: “não constam dos relatórios de fiscalização os motivos que impediriam a fiscalização no estabelecimento do autor, situado no Município de Rio Acima-MG, restando assim plausível a alegação de vício de motivação e de procedimento nos lançamentos efetuados.”[5]

Merece destaque, ainda no tema, a decisão do STJ no EREsp 1.718.536/RS, de 20.8.2019, formalizando a pacificação do entendimento daquela Corte pela retroatividade do prazo decadencial de 10 anos, aplicável aos fatos geradores da CFEM ocorridos entre 1998 e 2003. Espera-se que o STF admita julgar a controvérsia, considerando o que decidiu em 1998, na ADI 1.753/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence: “iniciado um prazo ‘não é mais suscetível de ser aumentado nem diminuído, sem condenável retroatividade’ (Carlos Maximiliano […]).”

As siderúrgicas que operam em Minas Gerais e utilizam carvão vegetal produzido a partir de florestas plantadas como insumo energético acompanharam uma grande movimentação do Fisco mineiro em torno da cobrança de ICMS sobre a alienação desse tipo de ativo florestal, em 2019. Em novembro, após muitos debates promovidos entre a Associação Mineira da Indústria Florestal — AMIF, Federação das Indústrias de Minas Gerais — FIEMG e a SEF/MG, foi publicado o Decreto nº 47.757, que determinou diferimento à operação. Na sequência, foi publicado o Convênio ICMS nº 226, que autoriza o Estado a conceder anistia de multas e juros, bem como parcelamento do ICMS pelas saídas internas de floresta em pé, cujos fatos geradores tenham ocorrido até 31.12.2018.

A cobrança do imposto nesses casos viola a Constituição, porque a floresta plantada, sendo bem imóvel por natureza, não se amolda ao conceito de mercadoria. Esse entendimento já foi acolhido pelo STJ[6] e vem sendo reiterado[7] em 2019 pelo Judiciário mineiro.

Em relação ao ICMS, mineradoras e siderúrgicas vivenciam uma crise quanto ao crédito sobre produtos intermediários. Apesar de se tratar de insumo, logo do crédito físico garantido pela Constituição, alguns estados vêm impedindo o crédito sobre partes e peças de máquinas e equipamentos, com atuação individualizada, que se desgastam e ensejam substituição em menos de 12 meses. Em 21.8.2019, o TJRS julgou relevante caso[8], tendo bem demonstrado que o STJ admite o crédito pela aquisição de insumos não só integrantes do produto final, mas também, a partir da Lei Kandir, de todos os intermediários vinculados à atividade do estabelecimento. Assentada essa premissa, o acórdão define: “produtos intermediários imprescindíveis ao processo de industrialização não são considerados como bens de uso ou consumo do estabelecimento, podendo haver o creditamento correspondente às respectivas entradas.”

As perspectivas para 2020 envolvem o reaquecimento da economia, o retorno dos investimentos — o que já se nota em 2019 — e uma modernização da atividade mineral. As propostas de reforma tributária, notadamente PEC 45 e 110, de 2019, afetam diretamente os setores, mas seus textos precisam ser mais bem discutidos, porque, se o entusiasmo é justificado no discurso, a letra das normas ainda não o reflete por inteiro. Aprimoramentos são necessários, conforme contribuição recém prestada pelo IMDT — Instituto Mineiro de Direito Tributário, com a substancial obra coletiva “Reforma Tributária Brasileira”[9], organizada por mim e por diretores do Instituto, reunindo 74 autores de diversos Estados, 50 artigos e 1084 páginas de reflexões.

Espero que o próximo ano nos apresente boas novidades, considerando a grande importância da mineração e da siderurgia para a economia nacional.

 


[2] Cf. “A inconstitucional tentativa de cobrar ICMS nas exportações de minerais metálicos”, disponível em << https://www.conjur.com.br/2019-set-08/opiniao-cobrar-icms-exportacao-minerais-inconstitucional >>.

[3] Cf. CASTRO JÚNIOR, Paulo Honório de; MATTOS, Tiago de. CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018, Cap. VI.

[4] É o que atesta, por exemplo, o Acórdão do TCU 657/2012 (Processo 005.711/2011-8), Relator Raimundo Carreiro.

[5] Processo 1009826-50.2019.4.01.3800, em trâmite na 19ª VF da SJMG.

[6] REsp 1.158.403/ES, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJe 22.9.2010.

[7] MS 501593093.2019.8.13.0672. Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Sete Lagoas. 25.10.2019.

[8] Apelação Cível 70081204901, Relator Newton Luís Medeiros Fabrício, 21.8.2019.

[9] CUNHA, Ivan Luduvice; CAMPOS, Marcelo Hugo de Oliveira; CASTRO JÚNIOR, Paulo Honório de; BITTENCOURT JÚNIOR, Rogério Abdala. [Orgs.]. Reforma Tributária Brasileira. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2019.

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