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TJ-RS não conhece de apelação de réu que foi absolvido

28 de dezembro de 2019, 14h52

Por Jomar Martins

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O segundo grau da Justiça não pode aceitar recurso se a imputação criminal a ser contestada não se transformou em condenação para o denunciado. Por isso, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou inviável o ‘‘conhecimento’’ de uma apelação que buscou a absolvição de um réu apenas pelo único crime a que não foi condenado no primeiro grau.

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O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
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Para o relator da apelação-crime, desembargador Manuel José Martinez Lucas, o mérito do recurso interposto pela defesa do acusado faz referência, apenas, a desacato, tecendo argumentos que buscam absolvê-lo de um delito pelo qual sequer foi condenado. E mais: não fez qualquer menção acerca do crime em que, de fato, ele foi considerado culpado — o de violação de domicílio no período noturno.

Lucas observou, também, que o juiz se equivocou em estabelecer pena de um mês de detenção, já que o crime de violação a domicílio, em sua forma qualificada, capitulado no artigo 150, parágrafo 1°, do Código Penal, prevê seis meses a dois anos de detenção. Esse equívoco, entretanto, não ampara pedido de ‘‘nulidade absoluta do comando sentencial’’, como propôs o MP em contrarrazões recursais.

‘‘Como forma de sanar tal desacerto, poderia o Ministério Público, em tempo hábil, ter interposto embargos de declaração, o que não fez, deixando transcorrer o prazo para qualquer recurso. Diante disso, é incontestável a inviabilidade, neste momento processual, tendo em vista que somente o réu apelou da sentença proferida, de sanar o lapso sentencial’’, escreveu no voto.

A denúncia do MP
Segundo a denúncia apresentada pelo MP-RS, no dia 2 de abril de 2017, o detento fugiu do Presídio Estadual de Jaguari e entrou clandestinamente no pátio de uma residência, à noite, escondendo-se dentro do motor da piscina.

Descoberto pela polícia, reagiu à ação de recaptura, xingando, ameaçando e cuspindo nos dois policiais militares que participaram da abordagem. Por essas condutas, o MP o denunciou por violação de domicílio no período noturno (artigo 150, parágrafo 1º) e desacato (artigo 331, na forma do artigo 69) — todos do Código Penal.

Ataque de raiva
A Vara Judicial da Comarca de Jaguari julgou parcialmente procedente a denúncia do MP. Condenou o denunciado a um mês e cinco dias de detenção pelo crime de invasão de domicílio, já que este mesmo admitiu ter entrado na residência à noite sem autorização do dono.

E o absolveu do crime de desacato, com fundamento no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal — falta de provas da existência do fato denunciado.

Para o juiz Thiago Tristão Lima, não foi possível identificar o dolo de desacatar funcionário público no exercício da função, consistente na intenção de humilhar, menosprezar o agente estatal, requisito indispensável à adequação típica prevista no artigo 331 do Código Penal. É que, na verdade, o acusado estava exaltado ante a sua captura pelos policiais. ‘‘Para caracterização do desacato, é preciso que a intenção de ofender seja certa, pois a falta de educação, a cólera, a embriaguez, podem fazer uma pessoa pronunciar palavras sem a intenção específica de injuriar’’, concluiu na sentença.

Apelação contra absolvição?
A Defensoria Pública, sem perceber o teor decisório da sentença, interpôs apelação no TJ-RS para pedir a absolvição da única imputação em que o denunciado foi absolvido: o crime de desacato.

Sustentou ‘‘insuficiência probatória para manter um juízo condenatório em relação ao delito de desacato’’. Segundo a peça recursal, ‘‘a palavra dos policiais não pode, por si só, servir de prova a embasar a condenação do acusado’’.

Por fim, o defensor público alegou que a conduta do recorrente não redundou em humilhação, desprestígio ou menosprezo aos policiais. Com base nessas razões, requereu a reforma da decisão, a fim de absolver o acusado do crime de desacato, com base no artigo, incisos III ou VII, do CPP.

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Processo 107/2.17.0000296-2 (Comarca de Jaguari)