Dignidade aviltada

Revista íntima vexatória livra mulher que tentou passar droga a preso no RS

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28 de dezembro de 2019, 8h29

Revista íntima que viole a Resolução 5/2014, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, derruba denúncia por tentativa de internalizar droga no sistema prisional. Afinal, o artigo 2º da Resolução considera "vexatória, desumana e degradante" qualquer revista que envolva desnudamento, introdução de objetos nas cavidades corporais, uso de cães farejadores ou agachamentos ou saltos.

O fundamento levou a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a absolver uma mulher condenada a seis anos e dois meses de prisão. Ao tentar passar 65 gramas de maconha para o seu companheiro na prisão, ela foi pega na fiscalização e denunciada pelo Ministério Público como incursa nas sanções do artigo 33, caput, combinado com o artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/06.

Segundo a denúncia, duas policiais que estiveram no momento da apreensão da droga relataram o uso de detector manual nas partes íntimas da mulher, que soou o alarme porque a droga estava acondicionada em papel alumínio, dentro da vagina dela. Além da droga, a mulher transportava dentro de si alguns chips e um pedaço de carregador de celular.

A ré não negou o fato em nenhuma fase do processo, mas explicou que só agiu assim porque foi ameaçada pelo companheiro, que cumpre pena em regime fechado na Penitenciária Estadual de Charqueadas (PEJ). Ante à negativa de atender o pedido, disse que ele prometeu "lhe pegar", pois temia "ser morto ou colocado no brete" pelos demais detentos se não tivesse a droga. Pressionada, temendo pela própria vida, acabou cedendo.

Denúncia procedente
No primeiro grau, a juíza Paula Fernandes Benedet, da 2ª Vara Judicial da Comarca de Charqueadas, disse que a autoria e a materialidade do crime ficaram amplamente comprovados pelo auto-de-prisão em flagrante, pelo auto-de-apreensão da droga, pelos laudos toxicológico e de constatação de substância química e de outras provas, além da confissão da ré e do depoimento das policiais que nela fizeram a revista íntima.

"No que diz com a tese defensiva referente a coação irresistível, embora a acusada tenha alegado que seu companheiro teria lhe coagido a levar a substância ilícita para dentro da penitenciária, o fato não restou minimamente comprovado, não sendo sequer indicado pela ré no que consistiria a alegada coação, o que afasta o mínimo juízo de credibilidade das alegações", escreveu na sentença.

Virada no Tribunal
O relator da Apelação na 3ª Câmara Criminal do TJ-RS, desembargador Diógenes Hassan Ribeiro, discordou da solução da sentença, absolvendo a ré com base no artigo 386, incisos II e VI, do Código de Processo Penal – falta de provas do fato criminoso e circunstâncias excludentes. Admitiu que a coação moral irresistível é difícil de ser provada, especialmente por quem coage no meio prisional, mas esta realidade é "pública e notória".

"Por essa exata razão que o Código de Processo Penal previu que a fundada dúvida sobre a existência de circunstâncias tais já seria o suficiente para a absolvição, o que verifico estar presente no caso concreto. Aliás, se não fosse pela coação, qual seria o outro motivo, provado nos autos, para que ela se submetesse ao risco de ser presa portando droga? Afinal, não se pode presumir que buscava auferir lucros com a atividade, já que nada nesse sentido corrobora essa ilação", justificou no voto.

O fundamento principal para a absolvição da ré, entretanto, foi a revista vexatória, proibida pela Resolução 5/2014, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão do Ministério da Justiça. A revista íntima para ingresso em estabelecimento prisional, segundo o desembargador, também foi proibida pelo Supremo Tribunal Federal – Repercussão Geral 959.620. Afinal, a revista vexatória desrespeita a inviolabilidade da intimidade e afronta o princípio da dignidade humana, como asseguram, respectivamente, o artigo 5º, inciso X; e o artigo 1º, inciso III, da Constituição.

Conforme o relator, obrigar mulheres grávidas, idosas e adolescentes a se desnudarem em público, pela simples razão de possuírem vínculo de afetividade ou parentesco com uma pessoa presa, viola o princípio de que a pena não deve ultrapassar a pessoa do condenado, como sinaliza o artigo 5º, inciso XLV, da Constituição.

"Além de desrespeitar a integridade física, moral e psicológica das familiares de indivíduos encarcerados, a prática da revista vexatória agrava e escancara a realidade social do aumento do encarceramento de mulheres que decorre, direta ou indiretamente, da própria falência do sistema prisional em que se encontram seus entes apenados", escreveu no voto.

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Processo 156/2.15.0000737-6 (Comarca de Charqueadas)

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