Retrospectiva 2019

Superior Tribunal de Justiça garantiu alcance de julgamento ampliado

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26 de dezembro de 2019, 7h00

ConJur
Com o intuito de simplificar, resolvendo problemas e reduzindo complexidades, o CPC de 2015 promoveu significativas alterações no subsistema recursal do direito processual civil brasileiro. Uma dessas significativas alterações foi a extinção dos embargos infringentes como recurso voluntário.

Embora tenha extirpado tal recurso do regramento cível, o legislador optou, de última hora, por contemplar no atual Código uma releitura dos embargos infringentes, substituindo-o por uma espécie de técnica de julgamento que permite à parte interessada, mediante julgamento qualificado, vale dizer, integrado por um número maior de juízes, fazer com que prevaleça o voto vencido proferido em decisão colegiada.

A propósito da técnica de julgamento em questão, o art. 942, caput, da lei processual civil vigente estabelece que quando o resultado da apelação não for unânime, o julgamento deverá prosseguir em sessão a ser designada ou na mesma sessão, se assim for possível. Os incisos I e II, do § 3º, do citado dispositivo, admitem, respectivamente, o julgamento estendido também para as hipóteses de ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, e de agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito do processo. Em qualquer um desses casos, para a continuação do julgamento, é fundamental que haja número suficiente de juízes a fim de assegurar a possibilidade de reversão do resultado inicial.

A boa intenção do legislador, voltada à simplificação do subsistema recursal, não impediu o surgimento de controvérsias sobre o julgamento ampliado. Pelo contrário, a técnica trouxe diversas incertezas práticas, que não tardaram a bater às portas do Poder Judiciário, especialmente do Superior Tribunal de Justiça.

Fazendo uma retrospectiva do tema na jurisprudência do STJ, limitado ao ano de 2019, vale destacar ao menos três julgados que trazem relevantes diretrizes acerca de pontos polêmicos da técnica do julgamento estendido, sem qualquer pretensão de exaurirmos a análise do assunto, o que nem mesmo seria possível neste espaço.

No Recurso Especial n. 1.762.236-SP, cujo relator para acórdão foi o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma do STJ definiu que o art. 942 não estabelece uma nova espécie recursal, mas uma efetiva técnica de julgamento, “a ser aplicada de ofício, independentemente de requerimento das partes, com o objetivo de aprofundar a discussão a respeito de controvérsia, de natureza fática ou jurídica, acerca da qual houve dissidência.”[1] De fato, o instituto albergado pelo art. 942 não pode ser considerado um recurso. Isso porque, dentre outros fatores, a técnica de julgamento ampliado carece do requisito da voluntariedade, indispensável para rotular qualquer ato processual como tal.

Nesse mesmo caso foi decidido que a técnica do julgamento estendido é de observância obrigatória, “cuja aplicabilidade só se manifesta de forma concreta no momento imediatamente após a colheita dos votos e a constatação do resultado não unânime, porém anterior ao ato processual formal seguinte, qual seja, a publicação do acórdão”, tal como consta do voto vencedor do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Amparando-se na segurança jurídica e por motivos de coerência e isonomia, a Terceira Turma concluiu que importa, para fins de cabimento do art. 942 do CPC/2015, a data em que o resultado não unânime se torna conhecido, e não o início do julgamento.

Além disso, a Terceira Turma reiterou o entendimento já apresentado por ela em outra oportunidade e também pela Quarta Turma[2], no sentido de ser a técnica do art. 942 de observância automática e cogente “sempre que o resultado da apelação for não unânime e não apenas quando ocorrer a reforma de sentença de mérito.” Dessa forma, tendo em conta a literalidade de tal dispositivo, que nenhuma restrição faz, reafirmou-se a orientação de que o julgamento estendido se dará quando o resultado da apelação for não unânime, independentemente de se estar diante de provimento que reforma ou mantém a sentença impugnada.

No Recurso Especial n. 1.798.705-SC, de relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a Terceira Turma do STJ deixou claro que, além de a técnica de ampliação do colegiado ser aplicável a qualquer decisão por maioria de votos, como estabelecido no precedente acima mencionado, podem ser objeto de deliberação inclusive as questões preliminares concernentes ao juízo de admissibilidade do recurso. Com efeito, qualquer julgamento não unânime pode ser subjetivamente ampliado, seja a discussão sobre direito material, seja a discussão sobre direito processual.

O julgamento desse segundo recurso especial ainda se debruçou sobre uma das maiores polêmicas acerca da técnica do art. 942, vale dizer, se o julgamento estendido está ou não limitado ao ponto objeto da divergência. A Terceira Turma entendeu que, uma vez ampliado o colegiado, “os novos julgadores convocados não ficam adstritos aos capítulos em torno dos quais se estabeleceu a divergência, competindo-lhes também a apreciação da integralidade das apelações.”[3] Em outras palavras, restou decidido que, em julgamento com capítulos unânimes e não unânimes, os julgadores convocados não estão limitados a emitirem juízo de valor tão somente sobre a matéria objeto de divergência, podendo efetivamente apreciar todas as questões postas no recurso.

No Recurso Especial n. 1.797.866-SP, relatado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma do STJ deliberou sobre a técnica do julgamento estendido sob a ótica da recuperação judicial. Em tal hipótese, que versou sobre impugnação de crédito, decidiu-se que, em havendo pronunciamento judicial sobre o crédito e sua classificação no bojo do processo recuperacional – matérias atinentes ao mérito da ação declaratória –, “o agravo de instrumento interposto contra essa decisão, julgado por maioria, deve se submeter à técnica de ampliação do colegiado prevista no artigo 942, § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015.”[4]

Os fundamentos da referenciada decisão foram sintetizados pelo ministro relator em quatro itens. São eles: a) o CPC de 2015 aplica-se à recuperação judicial e à falência no que couber, conforme o art. 189 da Lei n.º 11.101/2005; b) a impugnação de crédito é ação incidental e de natureza declaratória – não mero incidente processual –, em que o mérito se traduz na definição da validade do título e sua classificação; c) a decisão que resolve a impugnação de crédito tem natureza de sentença, fazendo o agravo de instrumento as vezes de apelação; d) se há pronunciamento quanto à validade do título e a classificação do crédito, há julgamento de mérito.

Os precedentes aqui examinados revelam que o STJ, exercendo seu papel de guardião da legislação federal infraconstitucional, proferiu no ano de 2019 importantes decisões sobre o alcance e a aplicação da técnica do julgamento ampliado, com o que estabeleceu nortes interpretativos em âmbito nacional. Conquanto tais precedentes não sejam vinculantes por si sós, é evidente que cabe às instâncias ordinárias respeitá-los para resguardar a segurança jurídica e uniformizar a jurisprudência, mantendo-a estável, íntegra e coerente, tal como determina o art. 926, caput, do CPC de 2015.


[1] Item 4 da ementa do acórdão do REsp 1.762.236-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Rel. p/ Acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., j. 19/2/2019, DJe 15/3/2019. Entendimento reiterado no AgInt no REsp 1.783.569-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, 3ª T., j. 19/8/2019, DJe 21/8/2019.

[2] REsp 1.733.820-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., j. 2/10/2018, DJe 10/12/2018.

[3] Item 9 da ementa do acórdão do REsp 1.798.705-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., j. 22/10/2019, DJe 28/10/2019.

[4] Item 5 da ementa do acórdão do REsp 1.797.866-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., j. 14/5/2019, DJe 24/5/2019.

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