Retrospectiva 2019

As políticas públicas ambientais no ano dos desastres

Autor

  • Letícia Yumi Marques

    é co-head de Direito Ambiental no escritório KLA Advogados mestranda em Sustentabilidade pela EACH-USP especialista em Direito Ambiental pelo Mackenzie e pós-graduada em Direitos Animais pela ESA-RS.

24 de dezembro de 2019, 7h00

Em um ano marcado por desastres, a necessidade de entender os problemas ambientais como uma questão de política pública se torna ainda mais relevante. Por isso, a proposta deste artigo não é traçar uma linha do tempo com as leis, normas e decisões judiciais de interesse para o Direito Ambiental, mas sim analisar se as políticas públicas prevalentes em 2019 estão ou não direcionando o Direito para prevenir novos desastres, geri-los de forma eficiente quando não puderem ser evitados e responsabilizar adequadamente aqueles que devem ser responsabilizados. Em outras palavras, o que se propõe é averiguar se o rumo dado para as políticas públicas ambientais em 2019 é capaz de garantir o direito fundamental ao meio ambiente e propiciar a paz social, objetivo último do Direito.

Resumidamente, políticas públicas são o “conjunto ou uma medida isolada praticada pelo Estado com o desiderato de dar efetividade aos direitos fundamentais ou ao Estado Democrático de Direito” (FREIRE JÚNIOR, 2005, p. 47). O que se extrai desse e de outros conceitos é que a expressão “políticas públicas” compreende a busca por resultados tangíveis, concretos, efetivos, bem como o processo de formulação de tomada de decisões, das quais é beneficiária a sociedade. Também se extrai que as políticas não se constituem em uma ação isolada, mas em um conjunto de ações que, em razão da complexidade dos seus mecanismos e objetivos, não pode ser conduzida por um indivíduo ou um único grupo, sendo atribuível do Estado.

Em Direito Ambiental, muitas leis são “políticas”: Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97), Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10) e assim por diante. Muitas outras novas “políticas” estão por vir, como a Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro (PL 6.969/13) e Política Nacional da Fauna (PL 6.268/16). Todas essas leis e projetos que instituem “políticas” estão estipulando normas programáticas, objetivos a serem perseguidos pelo Estado para garantia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Todavia, a ocorrência de sucessivos desastres que afetaram negativamente o equilíbrio ecológico e a qualidade de vida em diversos pontos do território nacional pode ser um indicador de que as políticas públicas ambientais, ou seja, aquilo que o Estado deve fazer para garantir o direito fundamental ao meio ambiente a todos os brasileiros, estão falhando e precisam ser aprimoradas.

Nesse contexto, muitos foram os projetos de leis e normas produzidos com o intuito de ser uma resposta aos desastres que acometeram os brasileiros e o meio ambiente. Como exemplo pode ser mencionado o PL 2.787/2019, que pretende tipificar o crime de ecocídio, impondo, a quem der causa “a desastre ecológico pela contaminação atmosférica, hídrica ou do solo, pela destruição significativa da flora ou mortandade de animais, que gere estado de calamidade pública” pena de até 20 anos de reclusão. Além da proposta de tipificar o ecocídio, outras propostas foram aventadas na Câmara dos Deputados em Brasília, como a definição de normas gerais para o licenciamento ambiental de empreendimentos minerários, exclusão de isenção fiscal para a atividade mineral e para produtos primários de minerais metálicos e até mesmo a criação de uma Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens.

O que se observa no conjunto dessas propostas é uma reação dura contra os responsáveis pelos desastres decorrentes de ações ou omissões antrópicas, por meio de punições que vão desde a privação de liberdade até a extinção de isenções tributárias. Outras propostas se preocuparam em escrever o óbvio (o que, no Direito, às vezes é necessário), como o dever de indenizar as vítimas. O que a justificação da maioria desses projetos de lei demonstra é que, por vezes, essas medidas foram pensadas para agradar o eleitorado, que quer ver alguém sendo preso pelos sucessivos desastres que causaram e ainda causam tantos danos à população, e não para evitar ou resolver o problema. A sociedade, legitimamente, está cansada de impunidade, mas as políticas públicas ambientais não podem perder o foco das medidas de prevenção, mitigação e compensação. Não se aventou, por exemplo, a criação de um fundo a partir dos royalties para custear as ações de emergência para socorro e assistência dos atingidos por desastres antrópicos, nem a autorização legal para medidas emergenciais importantíssimas para resgate de vítimas, como quebra de sigilo telefônico para localização de atingidos por meio do rastreio de celulares, que hoje depende de decisão judicial – burocracia que provoca atrasos, demora e pode custar vidas (CAMPANY FERRAZ, 2018).

A busca por punições despida da busca por mais eficácia em ações de prevenção, mitigação e compensação deixa claro que a questão ambiental ainda não está apropriadamente sendo tratada como uma questão política pública. Os problemas ambientais têm sido, até hoje, na maior parte da produção legislativa e normativa brasileira, tratados de forma independente e reativa. Para Neil Carter (2001), esta visão corresponde ao paradigma político tradicional da década de 70, no qual ainda não se valorizava a interdisciplinaridade e os conceitos relacionados à sustentabilidade.

Carter (2001) ainda esclarece que o principal fator que favorece a manutenção desse paradigma político da década de 70 é a fragmentação da estrutura administrativa, com ministérios separados por área, em um modelo em que continuam funcionando como porta-vozes de seus respectivos setores econômicos. Os projetos de leis e normas produzidos neste período em resposta aos desastres deixam claro que esse ainda é o paradigma que baseia a formulação de políticas públicas. De outra sorte, no campo da execução, as ações de gerenciamento de crises promovidas em conjunto e de forma coordenada por diversos setores do Poder Público com empreendedores, entidades civis e Ministério Público é o modelo interdisciplinar e holístico que deve prevalecer não apenas para lidar com o problema, mas também para evitar que ele aconteça.

Em 2019, talvez seja válido dizer que aprendemos melhor a gerenciar crises, mas não aprendemos a evitá-las. Nesse importante papel de prevenção, que é a palavra-chave de todo o Direito Ambiental, cabem políticas públicas, que devem ser formuladas holisticamente, com visão interdisciplinar e agregar as diferentes e por vezes conflitantes demandas dos muitos setores da economia. A tarefa não será fácil, mas não há soluções simples para problemas complexos.


Referências:

CAMPANY FERRAZ, Pedro. O desastre da responsabilidade civil ambiental em casos de desastres. In: QUERUBINI, Albernir; BURMANN, Alexandre; BESSA ANTUNES, Paulo de (Orgs). Direito Ambiental e os 30 Anos da Constituição de 1988. Londrina: Thot Editora, 2018.

Carter, N. The Environment As A Policy Problem. In: The Politics of the Environment: Ideas, Activism, Policy (p. 161-193). Cambridge: Cambridge University Press, 2001. doi:10.1017/CBO9781139163859.011.

FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 47.

RIBEIRO, João Ubaldo. Política; quem manda, por que manda, como manda. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

SARAVIA, Enrique. Introdução à teoria da política pública. In: SARAVIA, Enrique; FERRAREZI, Elizabete (Orgs), Políticas Públicas: Coletânea. Brasília: ENAP, 2006.

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