Liberdade de escolha

Psol vai ao STF contra norma que restringe recusa de paciente a tratamento

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21 de dezembro de 2019, 13h40

O Psol e a Anis – Instituto de Bioética moveram arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal contra a Resolução 2.232/19 do Conselho Federal de Medicina, que cria obstáculos à “recusa terapêutica” — quando um paciente se nega a fazer certo tratamento. O relator da ADPF 642 é o ministro Luiz Edson Fachin.

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Psol e Anis afirmam que norma restringe escolha de tratamentos paliativos de pacientes terminais
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Na petição, assinada pela professora Luciana Boiteux, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e pela advogada Gabriela Rondon, o Psol e a Anis argumentam que a resolução é inconstitucional por representar uma interferência do CFM em tema fora da sua competência — o direito de todas as pessoas de recusar tratamentos médicos e a forma de fazê-lo. A clínica jurídica de direitos humanos e direitos sexuais e reprodutivos da Universidade de Brasília, a Cravinas, auxiliou as entidades na ação.

O ato do CFM estabelece que pacientes só podem recursar tratamentos eletivos. De acordo com os autores, a norma pode, por exemplo, retirar a autonomia de pacientes terminais decidirem sobre tratamentos paliativos.

Além disso, a resolução põe em risco o direito à autonomia de pessoas com deficiência, crianças e adolescentes e idosos, ao impor que as decisões do médico podem se sobrepor ao direito do paciente de recusar algum procedimento, mesmo quando assistido por terceiros. Para pessoas com doenças transmissíveis ou grávidas, as violações são particularmente graves porque permitem a imposição de tratamentos forçados, apontam Psol e Anis.

O direito à recusa terapêutica está assentado no princípio da dignidade humana (artigo 1º, III, da Constituição), sustentam as entidades. E essa garantia é reforçada pelo o artigo 5º da Constituição Federal, que assegura a todos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à igualdade, ao mesmo tempo em que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (inciso II) e “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (inciso III).

O Código Civil e a Lei 8.080/1990 também têm regras proibindo a imposição de tratamentos. E o artigo 146 do Código Penal criminaliza intervenção médica feita sem o consentimento do paciente, salva se em a medida se justificar por risco de morte.

Portanto, o CFM estabeleceu regras sem ter legitimidade para isso, argumentam Psol e Anis. Assim, violou os preceitos fundamentais da separação de poderes (artigo 2º, caput), da legalidade (artigo 5º, II) e do devido processo legislativo (artigo 5º, LIV). Segundo os autores, as alterações da Resolução 2.232/19 só poderiam ter sido feitas por lei.

Dessa maneira, Psol e Anis pedem liminar para suspender a Resolução 2.232/19. No mérito, requerem a declaração de inconstitucionalidade da norma.

Decisão de SP
O juiz federal Hong Kou Hen, da 8ª Vara Cível Federal de São Paulo, suspendeu integralmente a eficácia do parágrafo 2º, artigo 5º, da Resolução CFM 2.232/19 e parcialmente os artigos 6º e 10º da mesma norma. Os trechos permitiam que gestantes fossem obrigadas a passar por intervenções médicas com as quais não consentiam. 

Para ele, restringir a liberdade de escolha terapêutica da mulher grávida em relação ao parto fere o princípio da legalidade, que afirma que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. 

De acordo com o juiz do caso, “a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade são tratadas na Constituição Federal como bens jurídicos invioláveis, todos condicionados, no entanto, aos limites dispostos em lei”. Assim, prossegue, “a observância do princípio da legalidade é imposição constitucional na regulamentação dos bens jurídicos elencados em seu artigo 5º”. 

Ainda segundo o julgador, a resolução do Conselho Federal de Medicina resulta em ilegal restrição da liberdade de escolha terapêutica da gestante em relação ao próprio parto. 

“A redação e a terminologia utilizadas pelo réu, em especial o termo ‘abuso de direito’, confere excessiva amplitude das hipóteses nas quais o médico pode impor à gestante procedimento terapêutico, pois não limitado às situações de risco à vida e saúde do feto e/ou gestante. Ora, o critério do ‘risco de vida’ como único limitador ao direito de liberdade de escolha do paciente é ampla e reiteradamente utilizado no ordenamento jurídico infraconstitucional”, afirmou Hong Kou Hen.

Clique aqui para ler a petição
ADPF 642

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