Opinião

Os desafios do novo Marco Legal do Saneamento Básico

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21 de dezembro de 2019, 7h02

O novo Marco Legal do Saneamento Básico está prestes a ter sua votação concluída pelo Plenário da Câmara dos Deputados. Contudo, a atual versão do Projeto de Lei 4.162/2019 vem suscitando muita preocupação no setor, uma vez que se baseia numa visão privatista e desatualizada.

O desafio que se impõe aos formuladores do novo marco do saneamento é superar os dois antigos modelos, estatizante e privatizante. Para tanto, é preciso dotá-lo de segurança jurídica e flexibilidade para permitir diferentes formas de parceria país afora. A costura de uma legislação eficaz deve ter como uma das prioridades evitar novos riscos de questionamentos e revezes jurídicos — por parte, por exemplo, de estados e municípios — que dificultem a continuidade dos projetos e os investimentos de longo prazo requeridos pelo setor.

Infelizmente, nenhum desses desafios encontra-se superado, pois da forma em que se encontra, o PL 4.162 faz pender a balança excessivamente para o lado da iniciativa privada, inviabilizando arranjos existentes e, em vários casos — como em São Paulo com a Sabesp — bem-sucedidos. Além de forçar a substituição de modelos exitosos, abrirá novas frentes de disputas na Justiça com a eliminação do contrato de programa. Isso porque nem todos os entes federativos concordarão em abrir mão de firmar as parcerias que considerem mais vantajosas, inclusive com outros entes da Federação — e terão no texto da própria Constituição um lastro bastante firme para sustentar a defesa desse direito.

Outro ponto central do modelo apresentado pela versão atual do Projeto é a concentração de poder regulador na Agência Nacional de Águas (ANA). Apesar do conceito indeterminado de “normas de referência”, busca se impor sobre instâncias dos poderes públicos estaduais e municipais, tanto em relação a definição de critérios e normas, como acompanhamento de contratos e projetos, julgamento administrativo de demandas e conflitos. Irá se tornar, na prática, um órgão formulador e controlador de políticas públicas concernentes a uma pluralidade de condições regionais e locais.

Experiências internacionais revelam que a privatização tem se tornado, a médio e longo prazos, prejudicial para a maior parte da sociedade, o que tem motivado sua reversão em várias partes do mundo, como registra o site remunicipalisation.org.

Quer dizer que a iniciativa privada deve ser excluída do esforço brasileiro para universalizar o saneamento básico? De modo algum.

Enquanto o novo marco regulatório não vem, novas e promissoras formas de parceria vão sendo criadas Brasil afora. No final de novembro, por exemplo, uma parceria público-privada (PPP) foi firmada entre o governo do Rio Grande do Sul e uma empresa privada para fornecimento de serviços para universalização de coleta e tratamento de esgoto na região metropolitana de Porto Alegre até 2030, envolvendo investimentos na ordem de R$ 6,6 bilhões.

Uma nação que pretende desenvolver-se não pode aceitar que um quarto da população não tenha acesso à água tratada, metade não tenha coleta de esgoto e que grande parte do esgoto coletado não seja tratado. Estudos mostram que, para cada real investido em saneamento, dois reais são economizados em gastos em saúde.

Para cumprir o papel que o Brasil precisa, a nova legislação organizadora do setor deve prover sinergia entre o poder público e a iniciativa privada, fortalecer a participação da sociedade civil de modo a reforçar o controle social, aumentar a segurança jurídica para projetos, parcerias e investimentos, permitir arranjos variados, inovadores e adequados às diversas demandas e condições regionais e locais, e viabilizar novas fontes e formas de financiamento.

O atual texto do PL 4.162 está longe de dar conta desses desafios. Por isso, pode e precisa ser aperfeiçoado em sua tramitação junto ao Senado, até porque o Estado brasileiro poderá sempre ser demandado, inclusive perante órgãos internacionais, em decorrência da violação de sua obrigação de promover o saneamento.

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