Opinião

A Lei Complementar 132 e seus impactos na comunicação da Defensoria Pública

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18 de dezembro de 2019, 6h02

Aparentemente, o tema sugerido pelo título do artigo pode causar certa perplexidade, haja vista a proposta ousada de conectar um texto normativo com a política de comunicação de uma instituição pública, campos do conhecimento tão distantes, mas contraditoriamente dependentes um dos outro.

Para essa missão, é necessário, num primeiro momento, mostrar como a Defensoria Pública brasileira se transformou nos últimos 10 anos a partir da alteração da Lei Complementar 80 por meio da Lei Complementar 132. Em seguida, busca-se apresentar dispositivos legais estratégicos que servem de gatilho e estímulo para a criação de o movimento irreversível de “uma nova forma defensorial de se comunicar”.

A Defensoria Pública brasileira tem sua gênese no acesso individual ao Poder Judiciário, isto é, a função do defensor público era transformar uma violação de direito alegada pelo cidadão hipossuficiente economicamente em uma petição inicial e apresentar a demanda em juízo para que um terceiro solucionasse o conflito.

A nova vocação da Defensoria Pública brasileira, delineada pelas profundas transformações introduzidas pela Lei Complementar federal 132, abrange, contudo, uma atuação muito além do acesso ao Poder Judiciário.

Aliada à tradicional função do defensor público acima narrada, exige-se a resolução extrajudicial do conflito, pela mediação ou conciliação; a identificação das demandas coletivas e o seu atendimento pela via extrajudicial, por meio da celebração de termo de ajustamento de conduta, ou pela via judicial a partir do ajuizamento de ação civil pública; o engajamento em projetos institucionais de educação para direitos com o objetivo de fortalecer a cidadania e o empoderamento da população vulnerável; a contribuição no processo legislativo que precede a edição de leis que interfiram na vida da população atendida pela Defensoria Pública; e o diálogo com as autoridades do Poder Executivo para efetivação de direitos e formulação de políticas públicas.

Importante destacar que o modelo de acesso à justiça brasileiro, admirado mundialmente, é bastante peculiar, pois prevê um órgão estatal de acesso à justiça com autonomia e que atua em casos individuais, coletivos, litiga contra o próprio Estado, faz advocacy, produz pesquisa e educa para direitos, algo como, nas palavras do professor José Augusto Garcia, uma grande agência contramajoritária de promoção de direitos humanos.

Mas qual o papel da comunicação e as balizas que o profissional e o gestor de comunicação devem seguir diante do novo perfil da Defensoria Pública?

Para fins do impacto da Lei Complementar 80 na política de comunicação da Defensoria Pública, atém-se exclusivamente aos artigos 1º ao 4º, pois os demais tratam, entre outros temas indiferentes ao presente artigo, da divisão administrativa, prerrogativas e à burocracia interna.

Os artigos 1° e 3º da Lei Complementar 80 dão algumas pistas ao estabelecerem que incube a Defensoria Pública a promoção dos direitos humanos e que são seus objetivos a primazia da dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades sociais, a afirmação do Estado Democrático de Direito e a prevalência e efetividade dos direitos humanos.

Art. 1º  A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.  

(…)

Art. 3º- A.  São objetivos da Defensoria Pública:  
I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais;    
II – a afirmação do Estado Democrático de Direito;
III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos; e
IV – a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

A comunicação da Defensoria Pública, voltada para o público interno ou externo, deve sempre se pautar pelos contornos normativos acima transcritos. Isso se reflete, por exemplo, na necessidade de utilizar uma comunicação inclusiva, sem conteúdo discriminatório de raça, gênero e orientação sexual, garantindo, inclusive, a acessibilidade, como bem trabalhou a Defensoria Pública do estado de São Paulo ao descrever minuciosamente todas as imagens postadas nas redes sociais.

Da mesma forma, é intolerável que a Defensoria Pública propague ou aceite qualquer discurso de ódio contra os grupos vulneráveis. Na realidade, o profissional de comunicação da instituição deve dar voz não apenas ao defensor público ou ao gestor do momento, mas, principalmente, aos grupos vulneráveis que têm seus direitos frequentemente violados.

Portanto, a Defensoria Pública deve ter o compromisso de visibilizar grupos historicamente invisibilizados por um Estado que executa políticas públicas de forma extremamente desigual. Isso se faz, por exemplo, na busca ativa de espaço nas pautas da imprensa com atuações vitoriosas da Defensoria Pública em favor desses grupos — como a revogação de uma prisão injusta ou a garantia da requalificação civil às transsexuais —, e no uso estratégico das redes sociais contra o discurso de ódio e na desconstrução de fake news reproduzidas em velocidade assustadora, como foi a campanha nacional da Defensoria Pública contra o mito da elitização do acesso aos tribunais superiores por ocasião do julgamento no Supremo Tribunal Federal da prisão em segunda instância.

Trata-se, portanto, de uma obrigação legal e que jamais pode depender do defensor público-geral ou do gestor do momento, o que leva a um compromisso de institucionalizar uma política de comunicação com foco nos direitos humanos.  

Por outro lado, esse movimento também faz parte também da construção da identidade da Defensoria Pública, quase, numa linguagem propositadamente de mercado, no branding e na gestão da marca da instituição no serviço público e, em última análise, no sistema de justiça.

E, por incrível que pareça, o momento político brasileiro extremamente instável e intolerante dá uma enorme janela de oportunidade para a Defensoria Pública se colocar como verdadeiro ombudsman da sociedade, ou seja, como a grande ouvidora dos reclames das pessoas por uma distribuição mais igualitária das políticas públicas.

Dessa forma, associar a Defensoria Pública a direitos humanos, garantia de direitos e defesa da sociedade somente será possível com uma política de comunicação conectada com as disposições gerais da Lei Complementar 80 e que encontre apoio do gestor e de todos os membros da instituição, ainda que a “forma defensorial de se comunicar” cause certo incômodo ao tradicional espaço do Direito.

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