Sem lastro

Juiz rejeita ação de improbidade contra Haddad e ex-prefeito de Diadema

Autor

18 de dezembro de 2019, 20h11

O juiz Thiago Baldani Gomes De Filippo, da 8ª Vara de Fazenda de São Paulo, rejeitou ação de improbidade ajuizada contra o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e contra o ex-prefeito de Diadema José de Filippi Jr (PT).

Reprodução
Fernando Haddad na campanha de 2012

As denúncias se basearam na delação premiada do ex-presidente da UTC Ricardo Pessoa. Mas, para o juiz, não havia, nem nos depoimentos, qualquer indício da participação dos dois ex-prefeitos nos fatos relatados por ele.

Na delação, Pessoa disse ter pagado, a pedido do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, dívidas da campanha de Haddad com uma gráfica. Filippi também foi tesoureiro do PT e, segundo o Ministério Público, teve “participação ativa” nas negociações. Isso tudo aconteceu em 2012, quando Haddad era candidato a prefeito de São Paulo.

Segundo o juiz, a narrativa não faz muito sentido se a acusação é de improbidade. Na época, Haddad ainda não era prefeito (venceu as eleições de 2012 e assumiu o cargo no ano seguinte, ficando até 2016). Portanto, o que havia no caso “era somente uma expectativa de exercício de cargo público”.

“Era imprescindível que a inicial, muito embora não indicasse precisamente o ato de ofício a ser praticado em razão do recebido de suposta vantagem ilícita, pelo menos estabelecesse certa vinculação entre os benefícios que pudessem advir em razão do pagamento desses valores”, escreveu o juiz, na sentença, assinada na segunda-feira (16/12).

“É insuficiente, outrossim, que exista uma conjectura que, assim agindo, a UTC seria beneficiária pela ‘expansão dos horizontes’ na eventualidade da assunção do governo municipal de São Paulo pelo PT.”

Sobre José Filippi, o juiz afirma que a ação deve ser rejeitada “por ausência de lastro mínimo da existência dos fatos aventados”. O ex-prefeito de Diadema foi defendido pelo advogado Roberto Piccelli, do Teixeira Ferreira e Serrano

Haddad foi defendido pelos advogados Igor Tamasauskas e Octavio Mazieiro. “A Justiça reconhece uma vez mais a absoluta inconsistência da acusação referente a doação ilícita da UTC na campanha de Fernando Haddad, rejeitando a ação, ajuizada em pleno período eleitoral, na sua fase inicial”, comenta Mazieiro.

Para Tamasauskas, foi uma “belíssima decisão, que coloca limites para o instituto da colaboração”.

Domínio do fato
O Ministério Público tentou importar teorias para dar substâncias às acusações. Primeiro, disse que a teoria do domínio do fato autorizaria a condenação de Haddad, já que ele seria o principal beneficiário do suposto esquema. Depois, tentou com a teoria da cegueira deliberada, segundo a qual Haddad teria, mesmo sabendo dos riscos de determinada atitude de seus companheiros de campanha, decidiu não se manifestar nem fazer nada a respeito.

Tudo tão desnecessário quanto errado, escreveu o juiz Thiago De Felippo.

A teoria do domínio do fato não faz sentido no Brasil por causa do artigo 29 do Código Penal, que descreve o concurso de pessoas. Não é necessário, portanto, dizer que, como Haddad teria o “domínio funcional do fato” e o “domínio sobre a vontade de terceiro” sobre as arrecadações de sua campanha por ser o cabeça de chapa. Ele poderia ser acusado de algum crime em concurso de pessoas — mas não de improbidade.

De todo modo, continua o magistrado, a acusação deveria demonstrar a tipicidade subjetiva do fato “paralelamente à objetiva”, já que o artigo 29 não implica em responsabilidade objetiva.

Cego de propósito
O MP também acusa Haddad de ter fechado os olhos para o comportamento de seus tesoureiros. Seria a aplicação prática da teoria da cegueira deliberada, desenvolvida nos Estados Unidos para casos de crimes financeiros, diz o juiz. Ele enxerga dois problemas nessa tese, “um de ordem teórica, outro de ordem prática”.

A parte teórica é o fato de o Brasil prever em seu Código Penal o dolo eventual, quando o agente assume o risco de um crime se concretizar. Acatar a teoria da cegueira deliberada violaria o princípio da legalidade para aplicar uma interpretação por analogia em prejuízo do réu, o que seria inconstitucional e ilegal. “Assim, ou a teoria da cegueira deliberada é desnecessária, por se sinônimo de dolo eventual, ou é inadequada, por expandir os limites do dolo eventual ao flexibilizar o elemento cognoscivo do dolo e permitir a ampliação da responsabilidade, penal ou administrativa, à míngua de parâmetros legais”, afirma.

O problema prático está na denúncia inepta do Ministério Público. Mesmo que se considerasse a cegueira deliberada para ampliar as possibilidades de responsabilização, seria necessária haver algum indício de que Haddad “desconsiderou algum risco substancial e injustificável”, diz o juiz.

No entanto, nenhum dos elementos levados ao caso pelo MP e nem Ricardo Pessoa dá qualquer pista de que Haddad estivesse envolvido no esquema descrito pelo delator. “Não há qualquer elo entre ele e o recebimento desses valores”, afirma o magistrado. Mesmo a quebra do sigilo telefônico de um dos acusados demonstrou que o ex-prefeito seria o beneficiário do esquema.

Clique aqui para ler a sentença
Ação Civil de Improbidade Administrativa 1042137-88.2018.8.26.0053

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!