Direto do Carf

Carf aborda apuração do ganho de capital no lucro presumido

Autores

  • Paulo Henrique Silva Figueiredo

    é conselheiro da 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do CARF e auditor fiscal da Receita Federal do Brasil. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba é Especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera UNIDERP.

  • Fernando Brasil de Oliveira Pinto

    é conselheiro da 1ª Turma Câmara Superior de Recursos Fiscais auditor fiscal da Receita Federal e professor em cursos de especialização na Unisinos Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUC-RS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela USP (Universidade de São Paulo).

18 de dezembro de 2019, 8h00

Spacca
Na coluna desta semana, abordaremos os precedentes do Carf acerca da apuração do ganho de capital pelas empresas optantes pelo Lucro Presumido. Será discutida a possibilidade de apuração do ganho de capital segundo o regime de caixa.

No próximo mês, continuaremos a abordar o tema e examinaremos o entendimento do Carf sobre a necessidade, ou não, de consideração dos valores da depreciação, amortização e exaustão acumulada, para a determinação do valor contábil a ser utilizado na referida apuração.

Previamente à análise das decisões, faz-se necessária uma breve exposição acerca da legislação aplicável.

Na forma do art. 26 da Lei nº 8.981, de 1995, e do art. 1º da Lei nº 9.430, de 1996, as pessoas jurídicas podem apurar o IRPJ com base no Lucro Real, Presumido ou Arbitrado. Excetuadas as determinações ou vedações expressas na legislação (a exemplo daquelas encontradas no art. 14 da Lei nº 9.718, de 1998), há liberdade para a escolha entre o Lucro Presumido e o Lucro Real, sendo aplicável a tributação com base no Lucro Arbitrado somente em relação aos contribuintes que incidirem em uma das hipóteses previstas no art. 603 do RIR/2018[1].

No regime de apuração baseado no Lucro Presumido, a base de cálculo do IRPJ será determinada, basicamente, pela soma de duas grandezas: uma determinada pela aplicação dos percentuais previstos no art. 15 da Lei nº 9.249, de 1995, sobre a receita bruta auferida em cada trimestre, deduzida das devoluções e das vendas canceladas e dos descontos incondicionais concedidos; outra correspondente aos ganhos de capital, rendimentos e ganhos líquidos auferidos em aplicações financeiras e demais receitas e resultados positivos.

O conceito de receita bruta é definido no art. 208 do RIR/2018, podendo ser resumido[2] como sendo as receitas das atividades fins auferidas pelo contribuinte.

A primeira questão posta ao debate, então, seria qual o regime de reconhecimento das receitas aplicável aos ganhos de capital para a determinação do Lucro Presumido. Se pelo regime de caixa, no qual o registro contábil é realizado no ingresso efetivo dos recursos financeiros, ou pelo regime de competência, em que os efeitos das transações e outros eventos são reconhecidos contabilmente tão logo sejam produzidos (independentemente do recebimento dos recursos financeiros)[3].

Em alguns precedentes, o Carf considerou que o art. 36, §2º, da Instrução Normativa SRF nº 93, de 1997[4], estabelece, como regra geral, o regime de competência para a apuração do Lucro Presumido. Assim, apenas quando exista expressa disposição normativa, será possível a adoção do regime de caixa para a apuração das receitas componentes do Lucro Presumido. Exemplo disso seria o art. 37[5] da mesma Instrução Normativa, que estabelece o regime de caixa para os rendimentos auferidos em aplicações de renda fixa e dos ganhos líquidos auferidos em aplicações de renda variável; e o art. 1º da Instrução Normativa SRF nº 104, de 1998, que possibilitaria a opção entre o regime de caixa ou de competência para o reconhecimento apenas das receitas operacionais. Esta foi a linha de entendimento adotada nos Acórdãos nº 1402-001.340, de 2013, 1402-002.959, de 2018, e 1201-002.125, também de 2018.

Outras decisões, porém, consideraram que a faculdade de opção pelo reconhecimento das receitas segundo o regime de caixa ou de competência abrangia não apenas a receita bruta, mas também as demais receitas que deveriam ser consideradas na apuração do Lucro Presumido. O fundamento para tanto seria, além do já referido art. 1º da Instrução Normativa SRF nº 104, de 1998, o art. 13, §2º, da Lei nº 9.718, de 1998, e o art. 20 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001. Em todos os dispositivos se constataria a menção à irrestrita possibilidade de opção do sujeito passivo na escolha do critério de reconhecimento das receitas. Tanto que a Solução de Consulta SRRF 9ª Região nº 115, de 1999, teria concluído que “As empresas tributadas pelo lucro presumido poderão, à sua opção, tributar o ganho de capital, bem como a receita bruta e demais receitas, pelo regime de caixa ou de competência”. Neste sentido, os Acórdãos nº 1103-000.797, de 2012, 1201-000.778, de 2013, 1103-000.972, de 2013, 1803-002.516, de 2015.

A matéria foi abordada pela primeira vez pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, por meio do Acórdão nº 9101-004.360[6], que concluiu exatamente de acordo com esta última linha de interpretação. Ou seja, a possibilidade de adoção do regime de caixa, para o reconhecimento das receitas, para as pessoas jurídicas optantes pelo Lucro Presumido, é válida tanto em relação às receitas operacionais, quanto em relação às receitas não operacionais, a exemplo dos ganhos de capital.

Além de ratificar os fundamentos adotados no Acórdão nº 1302-002.370, de 2017, o Relator invocou, ainda, as Instruções Normativas nº 1.515, de 2014, e nº 1.700, de 2017, cujos arts. 122, §6º, e 215, §9º, expressamente, facultam a opção entre os regimes de competência e caixa, para a apuração de todo o Lucro Presumido, o que, obviamente, incluiria os ganhos de capital.

Por ter sido uma decisão unânime, e pelas novas disposições das normas infralegais citadas[7], a matéria parece ter sido pacificada no âmbito do Carf.

Cabe lembrar, apenas, um importante recorte realizado pela jurisprudência do Carf, em relação à opção pelo regime de caixa para as demais receitas integrantes do Lucro Presumido. É que, embora seja reconhecida a possibilidade de reconhecimento dos ganhos de capital segundo o regime de caixa, tal opção deverá ter sido exercida em relação a todas as receitas auferidas pela pessoa jurídica, não podendo a escolha ser adotada, casuisticamente, para cada uma das receitas que compõem a base de cálculo do IRPJ.

Neste sentido, os Acórdãos nº 1201-000.778, de 2013, 1803-002.516, de 2015, e 1401-002.158, de 2018. Nos dois primeiros casos, o sujeito passivo adotou o regime de competência, para as receitas operacionais e pretendia se valer do regime de caixa, para os ganhos de capital. No último, era o Fisco quem buscava impor a opção pelo regime de caixa, para tais receitas, apesar de o sujeito passivo haver reconhecido todas as suas receitas pelo regime de competência.

Este texto não reflete a posição institucional do CARF, mas sim uma análise dos seus precedentes publicados no sítio virtual do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.


[1] Art. 603. O imposto sobre a renda, devido trimestralmente, no decorrer do ano-calendário, será determinado com base nos critérios do lucro arbitrado, quando (Lei nº 8.981, de 1995, art. 47 ; e Lei nº 9.430, de 1996, art. 1º ):

I – o contribuinte, obrigado à tributação com base no lucro real, não mantiver escrituração na forma das leis comerciais e fiscais ou deixar de elaborar as demonstrações financeiras exigidas pela legislação fiscal;

II – o contribuinte não escriturar ou deixar de apresentar à autoridade tributária os livros ou os registros auxiliares de que trata o § 2º do art. 8º do Decreto-Lei nº 1.598, de 1977;

III – a escrituração a que o contribuinte estiver obrigado revelar evidentes indícios de fraudes ou contiver vícios, erros ou deficiências que a tornem imprestável para:

a) identificar a efetiva movimentação financeira, inclusive bancária; ou

b) determinar o lucro real;

IV – o contribuinte deixar de apresentar à autoridade tributária os livros e os documentos da escrituração comercial e fiscal, ou o livro-caixa, na hipótese prevista no parágrafo único do art. 600;

V – o contribuinte optar indevidamente pela tributação com base no lucro presumido;

VI – o comissário ou o representante da pessoa jurídica estrangeira deixar de escriturar e apurar o lucro da sua atividade separadamente do lucro do comitente residente ou domiciliado no exterior, observado o disposto no art. 468 ; e

VII – o contribuinte não mantiver, em boa ordem e de acordo com as normas contábeis recomendadas, livro-razão ou fichas utilizados para resumir e totalizar, por conta ou subconta, os lançamentos efetuados no livro diário.

[2] Art. 208. A receita bruta compreende ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12, caput ):

I – o produto da venda de bens nas operações de conta própria;

II – o preço da prestação de serviços em geral;

III – o resultado auferido nas operações de conta alheia; e

IV – as receitas da atividade ou do objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas no inciso I ao inciso III do caput .

§ 1º A receita líquida será a receita bruta diminuída de ( Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12, § 1º ):

I – devoluções e vendas canceladas;

II – descontos concedidos incondicionalmente;

III – tributos sobre ela incidentes; e

IV – valores decorrentes do ajuste a valor presente, de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 1976 , das operações vinculadas à receita bruta. […]

[3] FERNANDES, Edison Carlos. Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e contribuição social sobre o lucro líquido – CSLL: de acordo com a lei nº 12.973, de 2014. São Paulo: Atlas, 2015, p. 35-36.

[4] Art. 36. O lucro presumido será o montante determinado pela soma das seguintes parcelas:

I – o valor resultante da aplicação dos percentuais de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 3º, sobre a receita bruta de cada atividade, auferida em cada período de apuração trimestral;

II – os ganhos de capital, demais receitas e resultados positivos decorrentes de receitas não abrangidas pelo inciso anterior, auferidos no mesmo período; […]

[5] Art. 37. Excetuam-se da regra estabelecida no § 2º do artigo anterior:

I – os rendimentos auferidos em aplicações de renda fixa;

II – os ganhos líquidos auferidos em aplicações de renda variável.

§ 1º Os rendimentos e ganhos líquidos de que tratam os incisos I e II deste artigo serão acrescidos à base de cálculo do lucro presumido por ocasião da alienação, resgate ou cessão do título ou aplicação.

§ 2º Relativamente aos ganhos líquidos a que se refere o inciso II, o imposto de renda sobre os resultados positivos mensais apurados em cada um dos dois meses imediatamente anteriores ao do encerramento do período de apuração será determinado e pago em separado, nos termos da legislação específica, dispensado o recolhimento em separado relativamente ao terceiro mês do período de apuração.

§ 3º Os ganhos líquidos referidos no inciso II, relativos a todo o trimestre de apuração, serão computados na determinação do lucro presumido, e o montante do imposto pago na forma do parágrafo anterior será considerado antecipação, compensável com o imposto de renda devido no encerramento do período de apuração.

[6] Sessão de 10 de setembro de 2019, Relator Conselheiro Demetrius Nichele Macei.

[7] De lamentar que o novo Regulamento do Imposto e Renda (Decreto nº 9.580, de 2018), não tenha sido explícito quanto à abrangência da opção pelo regime de caixa ou competência, como foram as mencionadas Instruções Normativas.

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    é conselheiro da 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do CARF e auditor fiscal da Receita Federal do Brasil. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, é Especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera UNIDERP.

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    é conselheiro presidente da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf, auditor fiscal da Receita Federal, instrutor da Escola de Administração Fazendária (Esaf) e professor em cursos de especialização na Unisinos, Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUCRS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo.

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