Paradoxo da Corte

Revogação da procuração e honorários de sucumbência na jurisprudência do STJ

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

17 de dezembro de 2019, 8h00

O princípio da causalidade continua a justificar a responsabilidade pela sucumbência, como se infere do caput do artigo 85 do Código de Processo Civil: quem perdeu deve arcar com os honorários do advogado do vencedor.

Os honorários de sucumbência decorrem, assim, da condenação da parte vencida (sucumbente) a pagar honorários diretamente ao advogado da parte vencedora. Além dos honorários contratuais, convencionados na esfera da autonomia privada das partes da relação de confiança, no âmbito do processo judicial, emerge outra remuneração, atinente aos honorários de sucumbência, que pertencem ao advogado, como forma de remunerá-lo pelo seu serviço indispensável à administração da Justiça. É a regra expressa do artigo 23 da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da Advocacia): “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado…”.

No âmbito do processo, antes de haver sido imposta qualquer condenação em honorários de sucumbência, caso se verifique transação entre as partes, sem a participação do ou dos advogados, não há se falar em direito à verba sucumbencial.

Em outra situação, já tendo sido fixada a verba honorária de sucumbência na sentença, a revogação da procuração do advogado da parte que venceu não obsta, à evidência, que o causídico prejudicado possa ajuizar ação em nome próprio visando ao recebimento do quantum estabelecido a ser favor na sentença ou no acórdão transitado em julgado.

Tais premissas vêm traçadas na atual orientação pretoriana do Superior Tribunal de Justiça, como bem se infere, v. g., de dois importantes arestos da 4ª Turma.

O primeiro deles, ao ensejo do julgamento do Recurso Especial n. 729.021/RS, com voto condutor do ministro Raul Araújo, assentou que:

“1. De acordo com a iterativa jurisprudência desta Corte, o acordo firmado entre as partes, sem a concordância do advogado, não afasta seu direito ao recebimento dos honorários advocatícios convencionais e dos advindos de sentença judicial (Lei n. 8.906/94, artigo 24, parágrafo 4º).

2. Realizada a transação entre as partes antes de haver pronunciamento judicial fixando honorários, entende-se não haver prejuízo ao causídico constituído, que tinha mera expectativa de direito em relação aos honorários sucumbenciais.

3. Na espécie, não houve sentença judicial fixando honorários advocatícios, mas tem-se fixação inicial provisória de honorários na execução. Não foram opostos embargos à execução, nem houve pronto pagamento propriamente, mas transação entre as partes pondo fim à execução de título extrajudicial”.

Aduza-se que recente julgamento proferido, em 24.09.2019, no Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1.750.858/PR, da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, decidiu, por maioria, que:

“1. São os honorários advocatícios verbas de natureza alimentar, constituindo-se direito autônomo, só podendo dele dispor o seu titular, ou seja, o advogado – e somente ele.

2. Efetuada transação pelas partes sem anuência do advogado e antes de pronunciamento judicial fixando os honorários, tem o patrono direito à verba contratual, mas não a sucumbencial, pois essa ainda encontrava-se na esfera da expectativa de direito.

3. Após o provimento judicial estabelecendo honorários, tendo as partes transacionado sem nada disporem sobre os honorários, independentemente da participação de seus advogados, cabe aos causídicos valerem-se das vias ordinárias, desimportando eventual trânsito em julgado”.

Tenha-se presente que a revogação do mandato, antes ou depois do trânsito em julgado de decisão que tenha fixado honorários de sucumbência, com a superveniência de transação entre as partes, autoriza o advogado a promover ação autônoma.

E isso, mesmo que o acordo estabeleça que “cada parte arcará com os honorários de seus respectivos patronos”, simplesmente porque tal disposição é ineficaz em relação ao advogado, titular da verba de sucumbência, que não participou da transação! Importa salientar que o legitimado passivo da ulterior demanda condenatória será o litigante devedor dos honorários de sucumbência.

Todavia, em algumas situações de todo anômalas, a experiência forense revela comportamento ilegal das partes (e porque não dizer: inescrupuloso de seus respectivos patronos), que procuram se safar do pagamento dos honorários de sucumbência, já fixados em sentença, com a revogação da procuração do advogado beneficiário daquela verba, às vésperas da celebração da transação. Em tal hipótese, seguindo o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, restaria ao patrono prejudicado a via da ação autônoma para então buscar satisfazer o seu direito.

Não obstante, recentíssimo pronunciamento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n. 1.819.875/SP, relatado pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, cujo acórdão, por maioria de votos, sequer foi publicado, consolidou o entendimento que, ocorrendo essa circunstância, de cassação dos poderes outorgados ao advogado em momento anterior à formalização do acordo judicial, tem ele a faculdade de prosseguir, nos próprios autos, mediante requerimento de cumprimento da sentença relativo ao capítulo que impôs condenação a honorários de sucumbência ao litigante que perdeu a demanda.

Reformando acórdão do Tribunal de Justiça paulista, que havia rejeitado a investida do advogado, ao argumento de que “não se viabiliza a execução, por direito autônomo, de seus honorários [cujo arbitramento deverá ser perseguido por meio de ação autônoma] no processo em que se operou a revogação, sob pena de se estabelecer indevida lide paralela entre os diversos advogados que sucessivamente possam ter atuado no feito”, o Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao supra referido recurso especial para autorizar o cumprimento de sentença nos próprios autos, a despeito da transação convencionada pelas partes.

Não tenho dúvida de que esse significativo precedente merece atenção e elogio, uma vez que, a um só tempo, no plano processual, atende às exigências atuais de flexibilização formal do acesso à tutela jurisdicional, e, ainda, no plano do direito material, fortalece o reconhecimento do direito autônomo do advogado aos honorários de sucumbência fixados em pronunciamento judicial.

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