Opinião

Breves considerações sobre a MP 905, do Contrato Verde Amarelo

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17 de dezembro de 2019, 6h25

O presidente da República editou a Medida Provisória 905 (MPV), instituindo o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo e alterando a legislação trabalhista em diversos pontos. A nova modalidade de contrato destina-se à criação de novos postos de trabalho para jovens de 18 a 29 anos, com vistas ao primeiro registro na respectiva carteira. A contratação tem período de vigência máximo de 24 meses, a partir de 2020, e salário-base mensal de até 1,5 salário-mínimo. Além disso, entre outros elementos característicos, incide uma alíquota de 2% de FGTS e a possibilidade de acordo sobre pagamento paulatino (antecipado) da multa de FGTS pela metade (20%).

Sob o aspecto formal há quem argua afronta ao art. 62, § 1º e inciso III, da Constituição, o qual, em leitura conjunta com o inciso I do art. 7º, da mesma norma, e inciso I do art. 10 do ADCT, reservaria à lei complementar a redução à metade da indenização compensatória pela rescisão do contrato de trabalho. Sob o ponto de vista constitucional-material, alguns levantam eventual violação ao inciso III do art. 7º da CF e ao princípio da isonomia, ante a redução do percentual de recolhimento de FGTS de 8% para 2%.

No entanto, a formatação especial de determinados contratos de trabalho não constitui novidade, a exemplo da modalidade a tempo parcial, normatizado pela Lei 9.601/98, em que se permitiu a flexibilização de direitos trabalhistas (afastamento de exigências do art. 443 da CLT na sua redação antiga, antes da Lei 13.467/17), e, igualmente, a redução da alíquota de FGTS para 2%, além de redução de alíquotas de contribuições sociais em 50% pelo período de 60 meses.

O art. 7º, inciso I, da CF, de fato, estabelece tratamento da matéria por lei complementar, mas evidencia em seu conteúdo norma protetiva contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, vale dizer, contra rompimentos abruptos da relação de emprego típica dos contratos a prazo indeterminado. A MPV, por sua vez, institui modalidade de contrato a prazo determinado, cujo encerramento se dá, de ordinário, pelo simples termo final do prazo acordado.

A redução da alíquota mensal relativa à contribuição devida ao FGTS, por sua vez, encontra suporte constitucional na própria especialidade e finalidade da contratação, que detém caráter temporário (só vale para o primeiro emprego e até no máximo por 2 anos) e, notadamente, porque se assenta em fundamento do princípio constitucional básico da ordem econômica de busca do pleno emprego, plasmado no inciso VIII do art. 170. Ademais, o percentual contributivo do FGTS está cravado na legislação ordinária, e não na Constituição.

Para além do que foi acima apontado, a MPV altera inúmeros dispositivos da CLT e diversas legislações esparsas. Sobre estas alterações, algumas merecem maior destaque. O art. 634-A inserido à CLT prevê multas administrativas por infrações à legislação de proteção ao trabalho, classificadas como sendo multas variáveis ou multas per capita. Cada uma das classificações comporta gradações que as dividem em naturezas leve, média, grave e gravíssima, sendo que a cada uma corresponde uma faixa de valor em reais. O seu § 3º prevê que os valores serão atualizados anualmente em 1º de fevereiro, pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-E.

A ideia de unificar o tratamento legal das multas em apenas um artigo referenciado ao longo da CLT, dando a elas valor monetário atual e prevendo índice de atualização, favorece a segurança jurídica. No entanto, a MPV se afasta desse mesmo princípio e desrespeita o da legalidade, ao transferir a classificação da gradação das infrações para ato do Poder Executivo, ainda a ser publicado. A incerteza sobre a gradação das infrações ao longo do texto legal pode resultar em multas administrativas desproporcionais. Outro ponto de atenção são os valores muito elevados previstos para as multas (a redução prevista no § 1º não sana essa ponderação), sendo salutar a sua revisão para patamares mais razoáveis.

O texto insere também o art. 627-A à CLT, que prevê, em seu § 2º, que “a empresa, em nenhuma hipótese, poderá ser obrigada a firmar dois acordos extrajudiciais, seja termo de compromisso, seja termo de ajustamento de conduta, seja outro instrumento equivalente, com base na mesma infração à legislação trabalhista”. Muitíssimo oportuna a referida previsão para o setor produtivo, pois visa evitar a dupla penalização de empregadores pela execução de termos de compromisso e termos de ajustamento de conduta que tratem do mesmo fato. Neste particular, o fundamento de independência das esferas de atuação do poder público (Fiscalização do Trabalho e Ministério Público do Trabalho), que se desdobra nas leis específicas acerca das competências de cada um dos órgãos envolvidos, tem base constitucional e pode enfraquecer a efetividade da nova disposição.

A alteração ao art. 635 da CLT também merece menção, pois permite a criação, para julgamento de recursos de autos de infração em segunda e última instância, de um “conselho recursal paritário, tripartite, integrante da estrutura da Secretaria de Trabalho da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, composto por representantes dos trabalhadores, dos empregadores e dos Auditores Fiscais do Trabalho, designados pelo Secretário Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, na forma e nos prazos estabelecidos em regulamento”. A CNI já defendeu em outras oportunidades a existência de um conselho semelhante.

Não obstante, para conferir maior segurança jurídica ao texto, a sua criação deveria ter sido determinada expressamente e não apenas facultada, assim como deveriam ter sido inseridos no corpo da MPV alguns parâmetros de composição, a exemplo do número de membros. O texto caminharia melhor, também, se tivesse previsto que a indicação dos membros caberia às entidades representativas das respectivas categorias e já previsse a composição dos órgãos do conselho, buscando evitar a existência de voto de qualidade ou de desempate.

A extinção da Contribuição Social instituída pela Lei Complementar 110/01 vem em boa hora, há muito proclamada pelo setor produtivo, pois desonera os custos do trabalho, reforça a competitividade, estimula a criação de empregos e não traz impacto direto para o trabalhador. A causa determinante para sua criação foi a necessidade, por parte do governo federal, da formação de fundos para compensar as perdas do FGTS ocasionadas por planos econômicos entre as décadas de 1980 e 1990. Passados os anos, as contas do FGTS foram totalmente recompostas, conforme declarou a Gerência Nacional de Administração do Passivo do FGTS, tanto que essa cobrança chegou a ser extinta pelo Congresso em 2013, mas a proposta foi vetada pela Presidente da República. A continuidade injusta da cobrança motivou a CNI a ajuizar, em 2013, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.053, pendente de julgamento no STF.

Quanto ao FGTS, a elevação da correção monetária dos juros de mora aumenta o custo para o empregador, representando um acréscimo significativo no montante da multa de 40% sobre o saldo dos depósitos em caso de rescisão contratual sem justa causa.

A intenção da MPV em relação aos prêmios não altera o espírito da reforma trabalhista e reforça a tese de que essa parcela tem natureza indenizatória. Traz contornos mais objetivos e claros sobre seu conceito e para pagamento, evitando sucessivas discussões judiciais a respeito de sua natureza jurídica.

A inclusão dos beneficiários do seguro-desemprego na condição de segurado obrigatório da previdência social pode levantar debates de ordem constitucional, haja vista que imporá a necessidade de recolhimento de 20%, conforme determina o art. 21 da Lei 8.212/91. A parcela possui distinta natureza jurídica: trata-se de um benefício concedido pelo Estado justamente em favor de quem perdeu seu posto de trabalho, ou se encontra em situação socialmente vulnerável e impossibilitado de trabalhar por motivos alheios à sua vontade. Existem, inclusive, controvérsias sobre se tratar, ou não, de um benefício previdenciário (vide art. 201, inciso III, da Constituição). Nessa última hipótese, não poderia incidir INSS na parcela (art. 28, § 9º, “a” da Lei 8.212/91). Contudo, em contrapartida, existe argumento que pode ser utilizado para flexibilização deste posicionamento, que seria o fato de, contrapondo-se princípios constitucionais, valer-se daquele que garante a contagem de tempo para aposentadoria do trabalhador (art. 201, § 7º, da Constituição).

A MPV altera a base de cálculo do auxílio-acidente e limita as situações em que haverá sua concessão – o que será posteriormente discriminado em regulamento. Propor alterações condicionadas a critérios futuros pode ofender a segurança jurídica. As premissas a serem adotadas devem ter correlação e sustentação legal e constitucional para serem efetivadas. Assim, devem ser estabelecidas em conjunto, sob pena de ambas se distanciarem. Inclusive para que se permita no Congresso Nacional o debate social e salutar da questão em prazo razoável.

Da forma como a MPV se apresenta, neste ponto, há potencial inconstitucionalidade em vista do caráter universal da cobertura da seguridade social e a possível violação do princípio da isonomia (arts. 194, inciso I, e 5º, caput, da Constituição).

Nesse contexto, a MPV avança visando estimular a contratação de parcela da mão-de-obra que mais sofre com o desemprego e com a desocupação. Nas demais alterações, caminha no sentido de dar mais segurança jurídica e atender pleitos já consolidados do setor produtivo industrial, não obstante os pontos de atenção mencionados, que podem ser melhor abordados no processo de tramitação perante o Congresso Nacional.

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