Opinião

O aviltamento dos honorários de sucumbência e o dano ao vencedor da causa — parte 2

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15 de dezembro de 2019, 6h03

Dando continuidade às discussões sobre honorários sucumbenciais é preciso enfrentar os fundamentos da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.

Essa súmula foi editada em 1994, ainda na vigência do CPC/1973, e trouxe um mecanismo de delimitação da base de cálculo dos honorários fixando, inicialmente, a não incidência dessa verba sobre prestações vincendas e, depois, a data de prolação da sentença como limite temporal para a incidência. Tais parâmetros, se compatíveis com as normas da época, veem-se hoje superados pelos novos institutos e conceitos trazidos pelo CPC/2015.

O verbete atual, sintético, está assim redigido desde 2006: “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença”. A alteração se deu quando da apreciação do projeto de Súmula 560, na sessão de 27 de setembro de 2006, quando a 3ª Seção do STJ deliberou pela modificação da Súmula 111, na versão do verbete original de 1994.[i]

A redação original ensejava dúvidas porque não delimitava quais as prestações vincendas seriam excluídas: se aquelas a vencer após “trânsito em julgado da decisão judicial” (ministro Edson Vidigal); “até trânsito em julgado da sentença condenatória” (ministro Luiz Vicente Cernicchiaro); se “até a data da elaboração da conta de liquidação” (ministros Vicente Leal e Willian Paterson. Ao se redefinir como marco final a sentença acolheu-se a posição confirmada no REsp 172.171 (ministro José Arnaldo da Fonseca, seguindo ministro Cid Flaquer Scartezzini).

Da leitura do acordão nos embargos de divergência que originou a súmula modificada, a delimitação da base de cálculo na sentença tinha como fundamento a “possibilidade de conflito de interesses entre o cliente e seu advogado”, na medida que este último poderia atuar com o propósito de alongar o prazo do processo para auferir honorários mais expressivos.

Desnecessário dizer que o fundamento atenta contra a dignidade da advocacia, já que há́ uma evidente imputação de possível condescendência do advogado na defesa de seu cliente quando se sabe que muitas ou a grande maioria das vezes era e é a administração previdenciária (INSS), que se vale do recurso voluntário ou se beneficiava do reexame necessário da época. No julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial 198.260, o relator tenta se esquivar dessa alegação, amparado na ideia de que o bom direito prevaleceria, mas desconsiderando que a administração previdenciária interpõe recursos sucessivos no mais das vezes improcedentes, mormente na matéria previdenciária. Esqueceu-se, também, que se digladiam igualmente profissionais da advocacia privada e pública, ambos motivados e titulares de direitos a honorários sucumbenciais.

Completas as bodas de prata da súmula, é momento de suscitar uma rediscussão acerca da sua legalidade à luz do CPC/2015 e da própria jurisprudência mais atualizada do STJ ou como pretende a própria matriz reformadora, cumprir o dever do tribunal em “uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente (artigo 926). Por certo os parâmetros normativos atuais do STJ não se coadunam com aqueles de 1994 e 2006, quando criada e modificada a súmula. Nem se fale da composição da corte que participou tanto da sessão de julgamento que instituiu a súmula, como daquela que a modificou, das quais não resta mais nenhum integrante em atividade. Além disso, deve ser considerada a regra do CPC/2015, em caso de nova composição das turmas, é possível que se possa reconsiderar acerca da manutenção ou continuidade da vigência de decisões desses órgãos colegiados (artigo 943, parágrafo 3º)

Ademais, conforme a disposição do artigo 85, parágrafo 2º e 3º, os honorários sucumbenciais devem ser fixados observando um limite de 10 a 20%, considerando as peculiaridades quanto ao valor da condenação, nas ações envolvendo a Fazenda Pública.

Nos termos da legislação processual estabelecida no CPC/2015, os honorários sucumbenciais devem observar três critérios: o valor da condenação, valor do proveito econômico e, por fim, na impossibilidade das hipóteses anteriores, a utilização do valor da causa atualizado como base de cálculo dos honorários sucumbenciais.

O STJ em decisões recentes, acolhendo esse entendimento, vem ratificando os critérios objetivos fixados no CPC/2015 como critério para fixação de honorários. Recente julgado da 2ª Sessão, no REsp 1.746.072, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, que teve o voto-vista do ministro Raul Araújo, designado relator para a acórdão e assim decidiu: “Tem-se, então, a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (artigo 85, parágrafo 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (artigo 85, parágrafo 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (artigo 85, parágrafo 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (artigo 85, parágrafo 8º).” Prossegue ainda a ementa: “A expressiva redação legal impõe concluir: (5.1) que o parágrafo 2º do referido artigo 85 veicula a regra geral, de aplicação obrigatória, de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados no patamar de 10 a 20 por cento, subsequentemente calculados sobre o valor: (I) da condenação; ou (II) do proveito econômico obtido; ou (III) do valor atualizado da causa; (5.2) que o parágrafo 8º do artigo 85 transmite regra excepcional, de aplicação subsidiária, em que se permite a fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, para as hipóteses em que, havendo ou não condenação: (I) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (II) o valor da causa for muito baixo.”

Desse modo, tendo a 2ª Turma do STJ, como de resto outras, fixado indicadores ou balizas objetivas e consentâneas com o CPC/2015, remanesce como incoerente a Súmula 111, além de carente de integridade e produtora de instabilidade (CPC/2015, artigo 926), trazendo insegurança ao sistema de Justiça e, em geral à sociedade.

Não há dúvidas de que a atual redação da Súmula 111 está, também, em contradição com a jurisprudência da Corte, afrontando o CPC/2015 e com o próprio Estatuto da OAB, na medida em que delimita a base de cálculo dos honorários às parcelas devidas até́ a data da sentença, ignorando todas as parcelas posteriores até́ a data do trânsito em julgado ou, ainda, até́ o efetivo cumprimento da sentença. Após essa decisão, tendo prosseguimento o processo, seja por recurso do administrado ou da administração, alterar-se-á o proveito econômico; que pode ser para mais ou para menos. Essa é alias uma forma de testar o fundamento contido na redação do verbete, pois se reduzida a condenação, não se cogitaria de manutenção da base de cálculos idêntica àquela da sentença. Num simples teste de isonomia já estaria derrotada a argumentação de que o valor deveria ficar ‘congelado’ naquele da sentença.

E mais, não se mostra razoável que o trabalho do advogado anterior ou posterior à sentença — na defesa do direito de seu cliente não seja igualmente valorizado e protegido. Ao delimitar-se a base de cálculo das parcelas vencidas até́ a sentença, estar-se-á tutelando o devedor inadimplente com o benefício da procrastinação do processo. Em essência, os trabalhos anterior ou posterior à sentença são igualmente dignos, igualmente valorizáveis e socialmente importantes. Sob viés da teoria dos recursos e do acesso à Justiça são ambas as fases integrantes de um todo compreendido como dever estatal de prestação jurisdicional e direito subjetivo individual de ação. Não há nos recursos um desvalor e nem no esforço neles empreendidos que permita concluir-se que devam ser ato de benemerência do advogado privado.

A aplicação da Súmula 111 após a vigência do CPC/2015 privilegia a inércia do devedor/vencido lesa o credor/vencedor pela conduta inadimplente, não retribui dignamente o advogado em face da limitação da base de cálculo na sentença e, por fim, onera o vencedor que terá́ um acréscimo no valor nos honorários contratuais.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, em recentes julgados, vem decidindo pelo afastamento da Súmula 111, reconhecendo que o verbete não está́ conforme com o CPC/2015 e em confronto com a jurisprudência recente do STJ, como se extrai dos julgados Agravo de Instrumento 2011665-52.2018.8.26.0000[ii] e Embargos de Declaração 2011665-52.2018.8.26.0000[iii].

As decisões estão perfeitamente adequadas e ajustadas ao novo contexto jurídico em matéria de honorários advocatícios sucumbenciais, na medida em que privilegia o valor da condenação e o proveito econômico e, de forma residual, o valor da causa, como definidores da base de cálculo dos honorários. Qualquer outro critério, ressalvada a previsão do artigo 85, parágrafo 8, que estabelece a apreciação equitativa.

Inegável portanto que caberá́ ao STJ enfrentar essa questão podendo, inclusive, discutir a possibilidade de revogação ou revisão da Súmula 111, na medida em que se apresente em contrariedade com a redação do CPC/2015 e em contradição com a mais recente jurisprudência da corte.

Nesse sentido, já está em tramitação perante a 2ª Turma do STJ, sob relatoria da ministra Assusete Magalhães, o REsp 1.760.973, de lavra do advogado paranaense Elvio Flavio de Freitas Leonardi, que poderá ser apreciado em breve, oportunidade em que a advocacia, com o apoio e efetiva atuação do Conselho Federal da OAB, poderá́ defender a revogação da Súmula 111 para que seja consolidada a redação do CPC/2015 para a matéria e a ratificação da jurisprudência recente da corte superior de Justiça.

A revogação da Súmula 111 do STJ é medida que se impõe como instrumento de respeito ao CPC/2015 e a própria jurisprudência recente da corte, mitigar o processo de aviltamento dos honorários advocatícios sucumbenciais, determinar a responsabilização do vencido pelas custas e honorários e, mais importante, preservar o direito do vencedor que foi aí Judiciário para ver adimplida obrigação que lhe era devida.

[i] A redação anterior, a partir da decisão de 6 de outubro de 1994, publicada no DJ de 13 de outubro de 1994, vinha assim redigida: “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre prestações vincendas.”

[ii] TJ-SP – AI 2011665-52.2018.8.26.0000 — relator desembargador Afonso Celso da Silva. 17ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 17 de abril de 2018

[iii] TJ-SP – EDcl 2011665-52.2018.8.26.0000 — relator desembargador Alberto Gentil. 17ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 11 de dezembro de 2018

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