Banca versus banca

Advogadas dos EUA movem ações coletivas contra bancas por discriminação

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15 de dezembro de 2019, 12h47

O escritório de advocacia Sanford Heisler Sharp entrou em um nicho de mercado que está prosperando: processar escritórios de advocacia por discriminação de gênero. Em um caso mais recente, a banca moveu uma ação coletiva contra Jones Day, a sexta maior banca dos EUA, na qual pede uma indenização de US$ 200 milhões para um grupo de advogadas que sofreram discriminação no trabalho por, segundo elas, serem mulheres.

Alguns fenômenos são observados hoje em dia, nos EUA. Um deles é o efeito do movimento #MeToo. Desde que o movimento ganhou expressão mundial, as mulheres, entre as quais as advogadas, não estão mais dispostas a “engolir desaforos”. Estão levando seus gravames às cortes, seja por assédio sexual (que iniciou o movimento), seja por discriminação por gênero.

Outro fenômeno é que as ações individuais estão sendo substituídas por ações coletivas. Na ação contra a Jones Day, apenas a advogada Wendy Moore era a demandante, inicialmente. Mas a advogada Nilab Tolton e outras que, por enquanto preservam seus nomes, aderiram à ação. Mais recentemente, a advogada Jessica Wilkes, que deixou a Jones Day e foi contratada pelo Facebook, também aderiu à ação.

As queixas das advogadas são muitas. Variam de disparidade salarial e de pagamentos de bônus, baixa valorização e consequente perdas de promoção (e aumento salarial) para colegas masculinos com a mesma qualificação, marginalização no trabalho, castigo por problemas da gravidez, licença maternidade ou para tratamento de saúde e atribuição de trabalhos subalternos — em vez de atuar em casos importantes nos tribunais.

Em sua ação contra a Chadbourne, a advogada Kerrie Campbell acrescentou que as sócias-advogadas da banca eram excluídas dos processos de tomada de decisão. Alegou que a banca tem um sistema de pontos para determinar pagamentos de bônus, aumentos salariais e promoções baseado em uma métrica que inclui “originação, produção e arrecadação”.

Mas o sistema não é objetivo e é contaminado por animus discriminatório, resultando que as advogadas (sócias ou não), com mais pontos ganhem menos dinheiro do que seus colegas masculinos. Como nada disso foi informado a ela no processo de contratação, ela poderá acusar o escritório de fraude, também.

De uma maneira geral, as advogadas explicam que a discriminação por gênero se sustenta em uma cultura de fraternidade masculina. Em um artigo para o site da American Bar Association (ABA), a advogada Carmen Caruso contou que não teve dificuldade de convencer o júri em um processo por discriminação de gênero, porque isso existe desde Adão e Eva.

“O homem ama sua mãe, a mulher, a irmã e a filha, que espera que seja, um dia, presidente da República. Mas, no trabalho, não tem qualquer problema em ser injusto com as mulheres”, ela disse aos jurados.

Em uma ação coletiva noticiada pelo site Law.com, as autoras alegaram que sofreram, no escritório, discriminação de gênero no trabalho, além de terem de suportar machismo e comentários como o de que deviam aceitar as investidas do chefe, porque isso era bom para a carreira, e dar sugestões para se tornarem mais atraentes, sem que as tenham pedido.

O nicho de mercado de ações “banca versus banca” nasceu e cresceu por acaso para a banca Sanford Heisler Sharp. Não foi feito qualquer esforço de marketing em especial para conquistar clientes. Apenas as notícias de vitória nos primeiros casos e comunicação boca a boca levaram a banca a receber um ou dois telefonemas por semana de advogadas que alegam ter sofrido discriminação de gênero no trabalho, disse à Bloomberg Law a advogada Alexandra Harwin.

Uma das razões do sucesso da banca, segundo as clientes, foi a de que, de uma maneira geral, os advogados contatados por elas se recusaram a processar outras bancas. Alguns escritórios deixaram isso claro, explicando que havia um conflito de interesses. Outros diziam que já tinham muitos casos e não teriam tempo para cuidar de mais um.

O sócio-fundador da banca, Sanford Heisler pensa de forma diferente: “Movemos ações contra bancas de grande porte que sabemos que são grandes bancas. A Jones Day, por exemplo, é uma das mais respeitadas bancas dos EUA — e por boas razões. O que fazemos é identificar um problema e, à medida que essas bancas resolvem esse problema, voltam a ser ótimas bancas”.

O site American Lawyer observa que não é coincidência que essas ações sejam movidas contra grandes bancas que, rotineiramente, defendem seus clientes empresariais em ações por discriminação de gênero. “Há muito tempo se diz que as bancas tendem a se parecer com seus clientes”, diz a publicação.

Uma razão dessa constatação é a de que as bancas estão sendo obrigadas, mais e mais, a desenvolver seu lado empresarial, em prejuízo do lado profissional, porque precisam produzir receitas e premiar os sócios e advogados que produzem mais para a banca. Isso não bate com os escritórios de advocacia que aspiram combater injustiças ou apenas cumprir sua missão profissional.

Sanford Heisler disse à Bloomberg Law que a banca, que tinha cinco escritórios em 2016 e agora tem 30, atrai clientes em boa parte por causa de sua missão declarada: “Para aceitarmos um caso, temos de acreditar no(a) cliente, temos de acreditar que há um aspecto de justiça social significativo na ação e temos de acreditar que temos uma boa chance de sermos bem-sucedidos com base na lei e nos fatos”.

Normalmente, as bancas demandadas alegam que as ações não têm mérito ou que são ações frívolas. Em geral, pedem o trancamento da ação. Também há uma discussão, que pode ocorrer à parte em um julgamento, se uma sócia de escritório tem direito à proteção da lei destinada a empregados. Quase sempre, as ações terminam em acordo, que muitas advogadas resistem em aceitar, porque querem que uma condenação sirva de exemplo a outros infratores.

Para Heiler, a banca sempre se sai bem nos processos que move contra grandes bancas, porque “os casos são irrefutáveis”.

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