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Sem proteção, colaboração premiada corre risco de morte no Brasil

13 de dezembro de 2019, 7h20

Por Redação ConJur

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O presidente Jair Bolsonaro publicou no dia 3 de dezembro um decreto que tem como objetivo estabelecer medidas de proteção à identidade de colaboradores que denunciarem irregularidades ou crimes contra órgãos e entidades da administração pública federal. 

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Para especialistas, colaboradores devem ser protegidos
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Segundo a norma, a preservação dos elementos de identificação será realizada por meio do sigilo de qualquer nome, do endereço e de quaisquer outros elementos que possam identificar o denunciante. 

O decreto se aplica apenas aos órgãos da administração pública federal direta, autárquica e fundacional; às empresas estatais que recebem recurso do Tesouro Nacional e às estatais que prestam serviços públicos, ainda que não tenham repasses do Tesouro. 

Por outro lado, os 28 estados-membro da União Europeia adotaram no dia 7 de outubro deste ano uma diretiva — equivalente a uma lei —ampla, que abrange tanto empresas públicas quanto privadas. Os países terão um prazo de até dois anos para transpor a norma.

Todas as empresas que tiverem mais de 50 funcionários e autoridades locais que prestem serviços a mais de 10 mil pessoas deverão criar procedimentos para assegurar a proteção dos denunciantes. 

Também determina que não devem existir requisitos para a obtenção da proteção ao colaborador, devendo arcar com o ônus da prova a empresa denunciada e não o denunciante. 

Deficiências brasileiras
O Brasil, segundo especialistas, ainda não avançou neste quesito. Apesar de a Constituição Federal e leis como o Código do Consumidor protegerem o lado mais fraco nos conflitos, leis como as que tratam da colaboração premiada não definiram mecanismos claros de proteção a delatores ou testemunhas. 

“Devemos refletir e transplantar medida similar no nosso sistema”, diz o advogado Walfrido Warde, do Warde Advogados. Autor do livro O Espetáculo da Corrupção e uma das maiores autoridades sobre o tema no Brasil, ele afirma que a diretiva é importante porque, de um lado, revela a posição de fragilidade do denunciante e, de outro, o dever do Estado de protegê-lo, quando age de boa-fé. “É medida pela qual o Estado reconhece a utilidade da colaboração e age com pragmatismo para preservá-la e para preservar sua fonte.”

Apesar de o decreto editado por Bolsonaro proteger a identidade de quem fizer denúncias sobre irregularidades na gestão pública, os colaboradores estão mais próximos de sofrer represálias como Edward Snowden, que desnudou um mega-esquema de espionagem nos Estados Unidos, do que ter a proteção concedida a Tommaso Buscetta, cujas denúncias permitiram a prisão de vários chefes da máfia italiana.

“No Brasil, sob forte influência da opinião pública e da ira do homem médio, a delação premiada se encontra ameaçada”, diz Warde. “As mais contundentes e amplas colaborações são ameaçadas pela pressão irresistível dos poderosos que foram por elas alvejados. Se isso se concretizar, será o fim do já combalido instituto.”

As falhas de proteção são corroboradas por criminalistas. “Até o presente momento, a legislação brasileira não logrou êxito em estabelecer regras eficazes de proteção aos denunciantes em processos judiciais”, diz Armando S. Mesquita Neto, especialista em Direito Penal Econômico e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados Associados. “A falta de uma legislação com esse viés, e a sua respectiva regulamentação, expõe o denunciante a sérios riscos que vão desde a ameaça até a agressão à sua integridade física e moral.”

Mesquita Neto lembra que quem denuncia geralmente está em condições de desvantagem econômica ou de insegurança física em relação ao denunciado — é o caso de pessoas que moram em comunidades controladas pelo tráfico ou membros de organizações empresariais que denunciam políticos. 

“À vista disso surge a obrigação do Estado em promover a concreta proteção do cidadão que assume os riscos de ofertar uma denúncia em favor da coletividade para colaborar com a mitigação de práticas criminosas”, ele diz. 

Para o advogado, “comparativamente aos padrões internacionais sugeridos pelas Nações Unidas em sua Convenção Contra a Corrupção, ou pela OEA, em convenção semelhante, o Brasil está aquém do esperado”. “Tais órgãos internacionais sugerem práticas mais incisivas de proteção do denunciante como, por exemplo, a criação de ferramentas que desenvolvam uma imunidade à responsabilização criminal e cível de denunciantes, ou a inversão do ônus da prova para que o denunciado afaste de forma convincente os fatos que lhe são imputados e, deste modo, distanciando a parte acusadora do acusado.” 

A necessidade de mais proteção é corroborada por Valdir Simão, ex-ministro-chefe da Controladoria-Geral da União. “A proteção ao denunciante de boa-fé é estratégia central no enfrentamento da corrupção”, diz Simão, que é advogado. “Os ilícitos são detectados, em grande medida, pela colaboração de denunciantes, que devem ser protegidos contra retaliações”. 

Simão lembra que agências americanas utilizam com sucesso essa estratégia, recompensando os denunciantes com parcelas de valores recuperados. “As novas diretivas europeias, a serem implantadas até 2021 ampliam ainda mais a proteção, invertendo o ônus da prova no caso de potencial retaliação da empresa contra a pessoa do relatante do ilícito.” 

Dificuldade legislativa
Para Maristela Basso, professora de Direito Internacional e Comparado da USP, o legislativo brasileiro tem enorme dificuldade de, ao elaborar leis, levar em conta a experiência do direito comparado. Isto é, a legislação de países cuja prática e experiência antecedem às nossas — caso da União Europeia. 

“Temos um poder legislativo chauvinista e atrasado”, diz a professora. “De nada adianta aprovar uma lei que regulamenta a colaboração e delação se, por outro lado, não disciplina os mecanismos e sistemas de proteção daqueles que denunciam, testemunham e também de seus familiares. Tal qual o mito de Sísifo, temos um poder legiferante esperto, mas não sábio.”

O criminalista Rodrigo Dall'Aqcua, sócio do Oliveira Lima e Dall’Acqua Advogados, explica que os denunciantes, no Brasil, não estão livres de ser processados por “calúnia e difamação”, mesmo que estejam falando a verdade.

"Nos crimes contra a honra, a falsidade da acusação é presumida”, explica o especialista. “Portanto, a legislação não protege o whistleblower (denunciante, em inglês) de ser processado criminalmente pelo denunciado por suposta calúnia ou difamação.”

Ocorre que mesmo que “o whistleblower seja ao final absolvido, o simples fato de ser processado criminalmente já é uma espécie de sanção”. Num paralelo, ele lembra que é comum no Brasil, dada a falta de proteção da lei, o uso do poder econômico para processar e coibir denunciantes que não têm condições financeiras para enfrentar ações judiciais em série. “As vítimas históricas disso são os jornalistas.”